Todos nós lembramos de um detalhe simples e despretensioso na conferência da Ubisoft durante a E3 de 2013. Na apresentação do jogo Tom Clancy’s: The Division, um agente no meio de um tiroteio protege-se em um carro, buscando cobertura, e fecha umas das portas do veículo com a mão. O vídeo de exibição e essa cena em específico foram as chaves do hype sendo giradas com força naquele dia, preparando os jogadores para o mais novo game que carregava o nome do autor de livros de espionagem, que, infelizmente, faleceria naquele mesmo ano.
No entanto, três anos mais tarde, downgrades, jogabilidade repetitiva e inimigos como esponja de balas marcaram mais a experiência do game que o detalhe da mão – por mais que a maioria das portas dos carros do cenário estivessem levemente entreabertas. Assim, apesar do sucesso estrondoso no lançamento, todo carisma que The Division carregava não impediu do título ser lembrado mais pelas suas características ruins.
A Ubisoft fez algo a respeito, buscou trazer um jogo divertido de tiro em terceira pessoa que trouxesse o realismo de um tiroteio e que fizesse jus à memória do escritor. Então, Tom Clancy’s Ghost Recon: Wildlands foi lançado.
Elementos de RPG podem ser divertidos em inúmeros gêneros, porém, inseri-los em um jogo de tiro em terceira pessoa destoa do realismo que um tiroteio pode trazer. Em Ghost Recon: Wildlands, como um jogo tático de mundo aberto, o gameplay privilegia a paciência e o tiro único e certeiro. Mesmo que o game tenha vários aspectos onde o leveling seja aplicado, ele fica em segundo plano quando o combate começa.
Ghost Recon: Wildlands tem problemas que acabam incomodando, mas que passam longe de estragar a campanha inteira..
Para isso, existem várias opções de abordagem, desde matando um por um no modo stealth ou entrando com o pé na porta e disparando para todo lado. Dependendo da dificuldade, a segunda opção é quase um suicídio. Para isso, drones e helicópteros são utilizados para marcar inimigos e outros pontos de interesse.
Em Ghost Recon: Wildlands, os veículos serão utilizados na maior parte do tempo. De aviões à motos, elas levam o personagem e sua equipe por um mapa gigantesco, passando pelos cenários bem detalhados de uma Bolívia ficcional bastante imersiva. No entanto, o primeiro problema do jogo é justamente relativo a eles.
Apesar de estarem espalhados em vários pontos do mundo aberto, há a opção de solicitar veículos específicos com os aliados rebeldes, porém a entrega deles é inexplicavelmente atrapalhada. Os carros blindados, picapes ou helicópteros enviados são deixados, na maioria das vezes, em um lugar inclinado e/ou de difícil acesso. Os carros, com o freio de mão puxado, ainda ficam firmes no lugar. No caso dos helicópteros, a única opção é correr para não deixa-los deslizarem até serem destruídos, com as hélices presas em algum lugar.
O tema de Ghost Recon: Wildlands é pesado, realista e perturbador de se presenciar. Cenários de tortura, corpos carbonizados ou mutilados e cemitérios clandestinos são encontrados com frequência. O violento e gigante cartel de drogas Santa Blanca, com seus inúmeros sicários, precisava urgentemente ser desmantelado.
A história de jogo gira em torno de um quarteto de elite, conhecidos como Ghosts (ou Fantasmas), do qual controlamos o líder Nomad, seguindo a trilha deixada pelo agente duplo Ricky Sandoval, torturado e morto após ser descoberto, para desestabilizar e destruir o cartel Santa Blanca chefiado por El Sueño. Na missão, contamos com a ajuda da agente durona Karen Bowman e dos rebeldes bolivianos, chefiados por Pac Katari.
Ghost Recon: Wildlands diverte sendo jogado no singleplayer, mas será melhor aproveitado com a galera.
Qualquer semelhança com nomes de Pablo Escobar, El Chapo, Griselda Blanco e outros drug lords reais não é mera coincidência. Ainda que a história do jogo se passe na Bolívia – constando um grande disclaimer sinalizando que tudo não passa de ficção – referências à vários lordes da droga de várias regiões são realizadas.
Canções enaltecendo o tráfico, gênero conhecido como “narcocorrido”, e até mesmo personagens semelhantes, como Madre Coca, referenciando Enedina Arellano Félix, conhecida como “Narcomami,” são alguns pontos interessantes do game.
No jogo, El Sueño conta com seus líderes em quatro esferas de atuação: Contrabando, Produção, Segurança e Influência, aada uma com no mínimo quatro sub-chefes. O jogador é livre para explorar e desarticular a rede da maneira que achar melhor.
O acesso aos detalhes da história de Ghost Recon: Wildlands é feito através de arquivos de áudio espalhados pelo mundo aberto. As mensagens do Ricky Sandoval para Bowman, o áudio dos sicários e chefes discutindo entre si ou então dos quatro Fantasmas conversando trivialidades, carreira e assuntos pessoais são interessantes em montar toda narrativa.
Junto a isso, os vídeos explicando os motivos e objetivos de cada chefe no cartel Santa Blanca são uma das melhores partes do game, fazendo com que o jogador vá acessar outros lugares apenas para ver a próxima apresentação.
Existem várias opções de abordagem, desde matando um por um no modo stealth ou entrando com o pé na porta e disparando para todo lado.
A rádio pirata Santa Blanca é o principal meio de comunicação dentro do jogo. E nele, DJ Perico faz o seu show. O radialista é um dos melhores personagens do jogo, narrando o que ocorre com os sicários e sobre a repercussão que os “Fantasmas” causam no cartel. A dublagem do personagem foi bastante bem feita, porém, deixa a impressão que economizaram na quantidade de falas.
Algumas, entretanto, repetem-se com frequência e acabam fora do contexto com as apreensões já feitas pelo jogador, sendo algo que pode incomodar. Redes sociais, internet e outras formas de interação são abertamente usadas no game. Bandidos tuitando selfies (revelando sua localização) e fanpages com outros figurões do cartel deixam o jogo bem atual e imersivo.
Ghost Recon: Wildlands pode não ter a atração que The Division tinha no início, mas as expectativas baixas deixaram o game com a melhor das impressões. Mudou a perspectiva de um jogo com o universo interessante e execução ruim para um universo inacabado, mas com um excelente gameplay. Porém, isso não limou seus problemas, pois quedas bruscas do frame rate, principalmente quando há muitos inimigos, e falhas na inteligência artificial dos aliados irão ocorrer. Mortes acidentais, como solicitar um veículo e ele cair em cima do personagem, também acontecem.
Novamente há uma lojinha dentro do jogo, mas bem menos bizarra que em For Honor. A maioria do seu conteúdo é estético, uma forma de aumentar o lucro em cada jogo vendido que não acrescenta em absolutamente nada dentro do game. Ao menos ela está escondida de uma forma que o jogador mal lembrará o caminho para que seu agente tenha uma roupa do Assassin’s Creed, por exemplo.
Excluindo as conversas, os outros três personagens da equipe parecem realmente fantasmas. Não há interação deles com outros personagens além do Nomad, deixando eles como se fossem apenas ferramentas da estratégia do jogo, assim como o drone. A falta de um encerramento, além da animação, do que acontece com cada chefe após sair da sala de Bowman, quando preso, parece deixar a missão sem uma finalização para o bandido.
Esses são pontos que acabam incomodando, mas que passam longe de estragar a campanha inteira. Aprimorar a história e o relacionamento entre os personagens é o passo principal para uma boa sequência. Resta à Ubisoft evitar preencher o mundo aberto dos seus jogos com cada vez mais horas de gameplay e inserir mais apego aos protagonistas e ao universo criado, algo que ela sempre fez bem.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Ubisoft.