Gris

por Felipe Demartini

Encontre razão para seguir em frente

O que você faz quando perde toda a voz e o mundo não se parece com nada além de ruínas? Se tudo está perdido e até mesmo as cores que agradam aos olhos desapareceram, o que resta? Em GRIS, a resposta é direta, mas não necessariamente. Seguir em frente é, ao mesmo tempo, uma admissão da própria pequenice diante dos desafios que estão adiante, mas, também, a única maneira possível de chegar a algum lugar e, quem sabe, escapar da tristeza que parece consumir a todos.

O título independente da desenvolvedora holandesa Nomada Studio é uma fábula particular e incrivelmente íntima. Para alguns, ela fala de depressão enquanto, para outros, pode ter um significado completamente diferente. Interpretar o que está sendo contato por meio da arte inspiradíssima cabe a cada jogador, ao mesmo tempo em que absolutamente todos devem ser tocados pelas imagens que aparecem na tela.

GRIS dispensa as palavras para contar sua história por meio de sons, linhas sólidas e cores. Cada cenário é um universo particular e, também, um quadro para ser colocado na parede, tamanha a beleza das artes exibidas. E na medida em que o jogador vai avançando, descobrindo os segredos desse mundo e devolvendo suas características, tudo vai se tornando cada vez mais belo e cheio de nuances.

O usuário, ao contrário do que pode imaginar no início, não é um mero passageiro em uma obra de arte nem terá pressionar o direcional como única tarefa. Apesar de o visual e a narrativa serem os principais pontos aqui, há uma série de puzzles simples, mas não fáceis, para serem resolvidos, envolvendo, principalmente, as habilidades aparentemente frágeis que a protagonista possui para lidar com esse mundo.

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Entre elas estão, por exemplo, a possibilidade nadar de forma rápida (acabando, inclusive, com o famoso estigma das fases aquáticas) ou de se transformar em um bloco, ampliando o próprio peso e resistência. São elementos que servem para navegar pelo cenário, resolver enigmas ou interagir com os objetos, mas que sempre soam como uma peça integrante do universo, não como um domínio sobre ele. Durante todo o tempo, a sensação é de estarmos fazendo o melhor com as ferramentas que possuímos e não de estarmos exercendo controle sobre as coisas.

GRIS dispensa as palavras para contar sua história por meio de sons, linhas sólidas e cores. Cada cenário é um universo particular e, também, um quadro para ser colocado na parede

Isso se prova, também, em algumas falhas de mecânica que servem à conveniência do prosseguimento da aventura. Na maioria do tempo, plataformas em que o jogador pode subir ou paredes que podem ser atravessadas são indicadas por alterações de tom ou transparências, mas nem sempre. O mesmo vale para objetos quebráveis como vasos ou plataformas, tudo depende do que, exatamente, o título deseja que você faça naquele momento.

Não existem variações de métodos de ação ou caminhos a seguir, mas a linearidade dificilmente é óbvia. Em alguns momentos, principalmente ao descobrir novos poderes ou características desse mundo, o jogador é convidado a experimentar com suas habilidades antes de continuar seguindo. Não é possível morrer nesse mundo, o que o livra de ameaças reais e permite a tentativa e erro, por mais que, por consequência, também acabe destruindo a gravidade de algumas situações mais agitadas.

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Ao longo de GRIS, tanto personagem quanto usuário vão evoluindo e aprendendo juntos, seguindo adiante em busca de algo que não se sabe exatamente o que é. Para ambos, porém, a sensação é de estar escapando da tristeza ou trazendo mais sentido ao universo, algo que, por si só, já é estímulo mais do que suficiente para avançar. Desafios e enigmas entregam recompensas e novas abordagens ou meios de agir, nos tornando mais fortes para o que vem a seguir e, também, nos levando para a frente, com mais confiança para os desafios que virão.

Tudo se desdobra em uma tela que vai sendo desenhada e colorida na medida em que o jogador prossegue. GRIS se desenrola sem cortes, utilizando closes e câmeras distantes para exibir a importância de elementos ou a vastidão dos cenários. Em alguns momentos, quem jogar no modo portátil do Nintendo Switch pode se incomodar com a dificuldade para enxergar a protagonista, que acaba se tornando muito pequena diante da vastidão das estruturas.

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É tudo tão grandioso, bonito e, acima de tudo, singelo, que a memória remete a um dos grandes bastiões desse tipo de abordagem. Mais do que lembrar Journey, GRIS senta no ombro desse gigante, um dos títulos mais belos e interessantes já lançados na história, para não apenas emprestar conceitos, mas também ir além, sendo, ele próprio, um dos títulos mais visualmente interessantes do ano.

O título chama a atenção pela sutileza em um final de ano marcado por jogos gigantescos e hiperbólicos. De pequeno, entretanto, GRIS só tem seu nome de quatro letras, o preço e o tamanho do download. No restante, só resta grandiosidade e uma obra que pulsa com humildade e simplicidade, sendo capaz de tocar a todos que o experimentarem.

O jogo foi testado no Switch, em cópia cedida pela Devolver Digital.