Poucos jogos conseguem dar a satisfação do progresso igual a um Metroidvania. Por mais que o avanço seja natural em qualquer outro gênero, a sensação de entrar em um aposento desconhecido, após passar várias vezes por ele, imaginando que tipo de segredo ou recompensa ele guarda só pode ser melhor explicitado naquele clássico corredor de espinhos – no chão e no teto – em Castlevania: Symphony of the Night. Vestir a Spike Breaker e disparar pelo lugar fazendo voar cada maldito espeto é quase como vencer um chefe muito difícil.
Quando um jogo, no entanto, consegue gerar esse tipo de sentimento, e ainda preenchido com uma história leve e engraçada, vilões carismáticos, um punhado de boas referências a outros jogos clássicos, uma jogabilidade bem competente e embalando tudo isso numa trilha sonora espetacular, surgem nos consoles títulos como Guacamelee!. Demorar para jogá-lo é uma perda de tempo imperdoável.
É sempre bom iniciar um jogo sabendo que ele possui uma profundidade maior do que aparenta. Apresentando isso, através de seus textos, pelo cenário em volta, ou então ao longo da sua própria história. Guacamelee! tem tudo isso.
Luchadores e caldeirada mexicana
Juan Aguacate é um modesto agricultor nos campos de agave mexicanos, frequentador da igreja local, brother do padre, mutuamente apaixonado pela filha do presidente – chamada Filha do Presidente. Quando o futuro da humanidade necessita, ele se torna um herói luchador obstinado.
A história de Guacamelee começa rápido e prende de forma igual. O jogo é simples. Nos 10 primeiros minutos de gameplay sabemos o que fazer, quem enfrentaremos no final, qual o objetivo e o caminho a seguir. Desse ponto em diante quase não há novidades. O que cativa o jogador, entretanto, é toda sua história, essa, muito bem humorada e bem apresentada com os seus NPCs, a jogabilidade de ação em plataforma muito viciante e a trilha sonora que dá vontade de sair ouvindo nos fones de ouvido assim que botamos os pés fora de casa.
É no texto de Guacamelee!, porém, que mora o melhor do game. São inúmeras as referências, algumas delas escondidas pelo cenário, outras explícitas, como dizer que a princesa está em outro castelo. As conversas entre os personagens vão, algumas vezes, botar um sorriso grande no rosto, talvez até uma sonora gargalhada para quem está com o bom humor aflorado. Em outras, principalmente com a personagem secundária Tostada – inserida de forma meio aleatória, mas muito mais interessante que Juan – está o aprofundamento mais sóbrio do enredo.
Ainda que seja possível jogar com Tostada – bem mais rápida e com combos maiores – através de uma seleção de roupas, toda cutscene é voltada a Juan. A presença da personagem fica restrita a apenas alguns momentos, contando algo sobre o avanço do jogo ou interagindo brevemente com o protagonista. Que a sequência do game entregue uma forma melhor de conhecer um pouco mais do passado da luchadora.
O festival do combo e dos puzzles
Encaixar um combo de 200 golpes em um combate contra vários adversários é sempre desafiante, mas em Guacamelee! acaba como algo rotineiro se o jogador pegar o jeito de usar todos os golpes especiais. Nada complicado enquanto avançamos nas áreas finais, porém, isso muda um pouco no modo difícil. Acessível após finalizar o game pela primeira vez ou então utilizando o Konami Code no menu principal, desbloqueando já na primeira partida, esse extra exige mais do que timing para emendar combos, é preciso correr contra o tempo buscando melhorias, caso contrário, zerar o game torna-se um pesadelo.
Ainda que a jogabilidade seja muito boa e a história excelente, uma coisa seguida da outra acabaria enjoado em algo momento. Dessa forma, puzzles pontuais ocorrerão no game para cessar o button mashing momentaneamente e trazer o frescor do cérebro fritando, enquanto o jogador pensando em como chegar em uma determinada área.
Sempre misturando as formas de usar os poderes, como o voo, escalada e transitando entre os aspectos do mundo – dos vivos e dos mortos -, os puzzles, bem rápidos na maioria, escondem uma recompensa valiosa no final. Entre aprimoramentos na vida, estamina ou barra de especial, é na busca do final alternativo do game – ou o desfecho feliz –, que os quebra-cabeças fazem jus ao nome.
Quanto aos chefes, principalmente no modo mais desafiador, eles são exigentes, quase teimosos. Morrem, mas com um apego bem convincente à vida. Exemplificando, Carlos Calaca, o excelente boss final, com apenas dois hits consegue matar o pobre Juan. Mesmo que Calaca, dentre os outros, seja o mais previsível nos ataques – nos seus dois estágios – um vacilo do jogador fará o combate voltar ao início.
Ao fim de Guacamelee!, apresenta-se o final definido pelo jogador. Coletando todas as seis orbes, o encerramento secreto é revelado. Comparando ambos, o desfecho padrão se torna ainda mais triste. O percurso no jogo é tudo, menos melancólico. Recomenda-se o esforço, quanto às orbes, para sorrir junto de Juan e seus vários novos amigos que ele fez pelo caminho.
Guacamelee! é um jogo para ser colocado ao lado dos grandes Metroidvanias que jogamos e exaltamos por aí. Jogue-o.