Virou uma feliz tendência nos tempos atuais que personagens de franquias diferentes façam participações especiais em jogos de todo tipo, principalmente os de luta. Mas essa prática é muito antiga e diferente dos crossovers, por trazer uma pitada de fator replay para que o jogo seja encarado de outra perspectiva. Desde 2010, essa porteira dos convidados parece ter sido aberta, por isso, cabe falar sobre a história dos guest chars na indústria.

O mundo está celebrando a chegada do lobo lendário para Super Smash Bros., que passou de desconhecido dos novos jogadores para aclamado, principalmente após o diretor da série, Masahiro Sakurai, apresentar o vídeo de demonstração mais longo da história do game. Sua estrela, Terry Bogard, trouxe muito conteúdo gráfico e sonoro, mas para quem não sabe, ele já é veterano como guest char. Antes de retornarmos a ele, vamos aos primórdios, quando ninguém estranhava essas aparições, mas achava que quase todo jogo tinha um personagem convidado secreto. Os boatos se espalhavam por toda década de 1990.

O ano era 1993 quando foi lançado o terceiro jogo da franquia Fatal Fury, a versão Special, trazendo alguns personagens do primeiro título e um convidado de outro jogo famoso na época, o dragão invencível Ryo Sakazaki, o Ryu da SNK e protagonista da série Art of Fighting. Ele era o desafio final para quem terminasse sem perder lutas e era possível jogar com ele também, até no modo Arcade, mesmo sem ter um final pronto.

Na época, era algo impensável colocar personagens de jogos de luta em outros, pois havia o obstáculo da adaptação, que não existia em crossovers de jogos de ação como X-Men & Spider Man ou Battletoads & Double Dragon, com sistemas simples de ação mais pulo, o clichê dos jogos de plataforma.

Os anos 1990 foram o auge dos crossovers e parcerias de franquias (antes de serem chamadas de collabs), mas a SNK repete o feito e coloca Ryo Sakazaki como o personagem secreto da versão 3D do incomum Fatal Fury: Wild Ambition, mas usando a alcunha de Mr. Karate. Apesar de muitos lançamentos e versões neste período repleto de franquias diversas, o número de personagens convidados era baixo, como o Akuma no divisor de águas X-Men: Children of Atom, em 1994, e Anita, de Darkstalkers, em Marvel Super Heroes, na versão caseira que chegou em 1995. Falando em guests baixinhos, temos Gon, o dinossauro do mangá famoso que chegou a ser lançado no Brasil, e não esqueçamos do esquecível Clay Fighter 3 1/3, com seus guests Booger Man e Earthworm Jim.

Os anos 2000 chegariam com seus crossovers de Capcom e SNK, mas para a Namco, chegava a era dos guest chars.

Soul Calibur é lançado nos consoles trazendo um grande rebuliço, enquanto Capcom e SNK estavam atrapalhadas entre falências da segunda, lançamentos para Dreamcast de títulos originais e a Namco, ainda sem Bandai no nome, trazia um convidado para cada um dos três consoles em disputa acirrada na época: Link para o GameCube, Medieval Spawn para o Xbox e Heihachi Mishima para a versão PS2.

Isso se tornou um costume duradouro na franquia, pois Soul Calibur recebeu personagens como Kratos, Yoda e Darth Vader, Ezio Auditore e, recentemente, 2B de Nier Automata, além de Geralt of Rivia, o mais amado personagem de RPG de ação dos últimos tempos, a ponto de estar na capa junto do protagonista Mitsurugi. Apesar de a franquia ter perdido muito de sua qualidade e apelo ao público depois do emblemático Soul Calibur III, estes personagens de franquias diversas estão empolgando os novos e antigos fãs. E não para por aí, pois Haohmaru, da franquia Samurai Shodown, está chegando para dar aquele toque de sorte para sua série rival.

Já que estamos falando da Bandai Namco, vamos citar Tekken 7, que foi além de qualquer limite e colocou um guest char como canônico, mudando toda a história da franquia! Akuma surgiu para revitalizar um lançamento morno do sétimo episódio da saga da mafiosa família Mishima, dando um gostinho do que seria o já esquecido Tekken vs. Street Fighter com uma adaptação de universos que preservou muitas características do karateka demônio com seu Super Combo, golpes EX, Focus Attack e o famoso “apaga a luz” como Rage Art, mas perdendo o Rage Drive. Como se já não fosse hype o suficiente, a Bandai Namco aparece com Geese Howard, Noctis de Final Fantasy XV e Nolan da série Walking Dead. Apesar de a série estar meio morta, o personagem foi bem recebido, mesmo parecendo um Miguel com bastão…

Claro que não são só jogos de luta japoneses que recebem guestchars. Se olharmos para Mortal Kombat e Injustice, teremos opções interessantes, partindo de Mortal Kombat X temos o Predador, o Alien e Kratos, o ateniense que já havia sido requisitado antes, talvez o segundo personagem mais convidado para participações especiais depois de Terry Bogard. Seguindo a lista, temos Freddy Krueger, Leatherface e Jason Vorhees, dos filmes antigos de terror, e para MK11, Coringa, Spawn e o T-800 da franquia “O Exterminador do Futuro”.

Já Injustice conta com Scorpion, sendo a apelação suprema contra os heróis e vilões da DC, e em Injustice 2, Raiden, Hellboy e as Tartarugas Ninja, mantendo tudo entre quadrinhos, por exceção do Deus do Trovão.

Percebam que todos esses personagens convidados vieram de jogos, filmes ou HQs totalmente fora dos padrões do jogo em que foram inseridos. Esse detalhe é importante, tanto para fãs como para o futuro da franquia cedente quanto da requerente, ou seja, é bom para as três partes: quem autoriza o uso do personagem, o jogo que o recebe e os fãs, que ganham um sopro de novidade em um título do qual poderia estar enjoando. 

Mas não é este o único propósito, visto que algumas novas franquias nasceram dessas experiências de guest chars, com destaque para The King of Fighters, que nasceu daquele primeiro convidado, ou Smash Bros., que era um crossover interno da Nintendo até a terceira edição, quando Sonic e Snake entraram na disputa. A criatividade em adaptar estes dois atípicos em um jogo de luta de plataforma abriu uma porta que nunca mais se fecharia.

Claro que os guest chars não estão limitados somente aos grandes estúdios, pois temos Shovel Knight, o indie que virou os olhos do mundo para o poder dos criadores independentes a ponto de serem contatados pela Sony e Microsoft para receberem seus ilustres personagens como convidados. De novo, estou falando de Kratos, e os três sapos bombadões do Battletoads que renasciam sutilmente, primeiro como esta expansão e depois com Rash em Killer Instinct. É possível que tanto hype pelos anfíbios possa ter gerado demanda para um novo Beat’em Up que está em produção e estava jogável na BGS mas o queridinho indie ainda é o Cavaleiro Coveiro.

Se formos falar só de Shovel Knight, teremos o arroz de festa dos guest chars, e não se assuste ao saber que ele já apareceu em 29 jogos, a maioria independentes, e citado em três referências, a mais recente em Blasphemous, numa sala secreta. Quem não o conhece talvez se pergunte porquê este personagem estranho que não passa de um Tio Patinhas com armadura medieval azul tem de tão especial e a resposta é esta mesmo.

Ao utilizar da memória afetiva para melhorar um ótimo título de Nintendinho 8 Bits com inovações e muito apelo ao cômico e ao épico, Shovel Knight virou o queridinho de todos e, em cinco anos de existência, deve ser o único personagem que tem mais jogos como convidado do que como protagonista. Claro que ele não é o único consagrado em sua franquia e alguns outros cavaleiros aparecem nos mais diversos tipos de jogos além dos tipo Smash, que iniciou tendência.

Rivals of Aether é um indie que trouxe muito hype para este estilo de jogo de luta, usando gráficos pixelados e sistema de combate original para cada personagem, apesar de a franquia não ser original. É muito melhor que Brawahalla, por exemplo, que criou um plágio sem carisma com personagens clichês e tenta trazer alguma relevância para o cenário com estes personagens convidados, adivinha de onde, Shovel Knight, provando que um milagre repetido não serve para salvar a todos. Diferente do citado game da Ubisoft, o título conseguiu fazer uma adaptação criativa de tanto sucesso quanto antes, quando convidou outro nobre personagem, o Ori da Blind Forest, que ainda não havia sido adotado pela Microsoft.

Depois de falarmos dos benefícios dos guest chars, finalizamos com um fator que só é possível nesta segunda metade da década de 2010: a aproximação de empresas grandes com criadores indies, que agora têm seu talento reconhecido a ponto de inspirar grandes empresas para arriscarem suas franquias independentes, como ocorreu com Bloodstained, que como Shovel Knight, fez renascer o Metroidvania raiz pelas mãos do mestre. De qualquer forma, os jogos tipo Smash roubaram dos jogos de luta mano a mano o espaço dos guests, com Playstation All Stars Battle Royale e Ultimate Smash Bros.

Falando primeiro do desastre inexplicável do game da Sony, a ideia era ótima: juntar da mesma forma que Smash Bros. os personagens icônicos da empresa com os de outras franquias famosas do Playstation de todas as eras. Por isso, tínhamos Parapapa The Rapper lutando contra o palhaço de Twisted Metal ou Kratos, de novo, enfrentando o Dante ninfeto de DmC: Devil May Cry ou Sack Boy, de Little Big Planet, contra Big Daddy, de Bioshock.

Assim como em Brawhalla, a falta de vontade fez a franquia vender relativamente bem, mas apenas para a salvar de um prejuízo. Não passou do primeiro jogo, mas chegou a receber quatro DLCs. Certamente teve o mesmo problema que DON, o jogo tipo Smash da Bandai Namco que reunia as três maiores franquias mundiais de anime e mangá, mas que não souberam executar.

Indo para o lado extremante oposto ao vacilo corporativo, temos Super Smash Bros. Ultimate, que embarcou no insano trem do hype e ousou em misturar os personagens mais incomuns na mesma arena de combates, em plataformas que vêm fazendo sucesso nas EVOs ao lado de Street Fighter há anos. Desde então, passou a mesclar até personagens desta franquia em sua tela de seleção de personagens como Ryu e Ken, Guile como Assist e, indo além temos, Mega Man e Yellow Devil, um dragão famoso de Monster Hunter. Sonic e Snake retornam e encontram Bayonetta, Cloud e até o Joker de Persona.

Se formos falar de todos os guests do título, precisaríamos de uma matéria exclusiva, mas o cerne da questão é mostrar como personagens de sistemas de jogos tão variados tiveram suas qualidades preservadas, evitando que tais convidados se tornassem apenas skins de outros já prontos, com poucas variedades. Não se pode negar que Ken e Ryu ainda são parecidos, mas seria desperdício não botar um já que temos o outro, não é mesmo?

Para de um jogo que só tem guest chars, devemos citar Blade Strangers, que como o nome diz, reuniu sem muitos critérios personagens de jogos indies de todo tipo como Quote, de Cave Story, ou Gunvolt, de Azure Striker Gunvolt, com a presença de, adivinha quem, um Cavaleiro Azul com ferramenta de obra.

Apesar de ter um apelo para amantes dos independentes obscuros japoneses, Blade Strangers chamou a atenção por ser bonito e ter jogabilidade balanceada, mesmo com personagens de tamanhos tão diferentes quanto seus designs. Existem torneios de Blade Strangers, assim como de Rivals of Aether frequentemente, e eles sempre aparecem nas grandes competições como sub-torneios.

Estamos indo para 2020 e os anúncios de novos personagens de várias franquias famosas estão sempre incluindo um personagem convidado ou dois, menos a teimosa Capcom, em seu Street Fighter V, que não tem nenhum guest char até hoje, chegando ao ponto de negar um pedido de Ed Boon. Com o anúncio de uma nova atualização para a Champion Edition, vamos ver se algum convidado levanta a bola murcha que a franquia se encontra, ainda mais diante do seu novo rival Tekken 7, que ainda tem quatro personagens novos para anunciar e os fãs esperam por outro lutador da SNK como Iori Yagami, que se tornou guest em Million Arthur: Arcana Blood.

Existe algum personagem convidado que não citamos? Ajude-nos a lembrar!

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