Pombo é rato com asa — mas isso não quer dizer que eles não possam ser bons personagens. Excluindo o fato de que eles são pragas urbanas, fazem uma sujeira desgraçada e ainda podem passar algumas doenças, você pode desenvolver algum tipo de afeição a essas simpáticas aves. No entanto, e quando esse sentimento vai além e você passa a sentir um carinho especial? Poderia ser… Amor?!
Ok, isso não faz o menor sentido — mas quem disse que precisa fazer? Hatoful Boyfriend é um grande exemplo de que, assim como uma paixão, um game não precisa seguir uma lógica. Basta você estar disposto a aceitar aquilo para que a relação exista e funcione. E, para provar esse estranho ponto, nada melhor do que colocar uma jovem estudante de colegial em uma escola dedicada a pássaros superdotados e de coração aberto para encontrar uma nova paixão repleta de penas.
A grande piada de Hatoful Boyfriend não é o absurdo, mas a grande sátira que ele faz com os Date Sims, seus exageros e seus clichês.
Embora pareça que a piada do jogo seja essa temática completamente idiota, a coisa vai um pouco além disso. Na verdade, a grande sacada foi fazer uma enorme sátira com todo um gênero. Embora os Date Sim sejam quase desconhecidos no Ocidente, eles são muito populares no Japão e o título usa essa história de amor entre uma garotinha e um pombo para brincar com tipo de jogo.
Mais do que isso, Hatoful Boyfriend é uma crítica ao estilo. Ele se apropria de todos os clichês dos Date Sim e os apresentam de uma maneira potencializada dentro de uma trama absurdo. Ele escancara os exageros e faz com que tudo fique ainda mais ridículo — e isso inclui o próprio roteiro. Afinal, com uma estrutura tão simples, genérica e fácil de ser replicada e adaptada, o que impede o gênero de desenvolver um amor que transcende a lógica?
Apenas para que você se situe na história: o jogador assume o controle de uma garota humana que consegue uma vaga na St. PideoNation’s Institute, a maior e mais renomada escola para pássaros superdotados do mundo. Não há qualquer explicação do porquê disso e nem como você foi parar ali: as coisas são assim porque sim.
O jogo reproduz muito bem todas as características do gênero, incluindo seus problemas. Porém, ele compensa a falta de ritmo e ação com situações muito engraçadas. E pombos, muitos pombos.
E a verdade é que isso pouco importa. Tirando os vários trocadilhos com aves presentes em cada diálogo, todo o restante do jogo simula o dia a dia de um estudante japonês comum. Os pombos estudam Artes, História, Ciências, participam de clubes extracurriculares e até procuram um emprego de meio-período para ajudar no orçamento de casa. E, no meio de toda essa correria, eles ainda se relacionam e se apaixonam.
O engraçado é que, mesmo com esses absurdos, Hatoful Boyfriend reproduz muito bem as características de um Date Sim. Todos os pequenos elementos do gênero, da representação da heroína recatada que precisa lutar contra seus sentimentos à narrativa mais lenta e representada a partir de imagens estáticas, tudo está ali — só que evidenciando cada um dos clichês. Basta ver que todos os nomes são em japonês.
Cada pombo com quem você pode se envolver possui uma representação humana que é exibida logo que é apresentado e todos eles são uma caricatura dos personagens clássicos dos simuladores de relacionamento. O riquinho chato que vai encontrar a redenção no amor, o garanhão que preenche o vazio com conquistas e até aquele garoto mais tímido que aos poucos vai demonstrando seu sentimento estão ali — mas todos cobertos de pena e fazendo cocô enquanto voam.
E, por mais que passe despercebida à primeira vista, essa é uma crítica bem irônica ao fato de como os Date Sim são, em sua grande maioria genéricos. Afinal, quase todos vão trabalhar o mesmo conceito de colegial e trazer os mesmo padrão de personagem. O que Hatoful Boyfriend faz é dar uma roupagem emplumada a tudo isso.
Ao mesmo tempo, o fato de estarmos falando de pássaros faz com que tenhamos situações tão absurdas que beiram o genial. Seja ao se deparar com um pardal motociclista que respeita cada lei de trânsito ou o simples modo como as aves tratam a única humana da escola, o game conta com surpreendentes ótimos momentos. No fim das contas, o bizarro também tem seu charme.
Há uma razão para os Date Sim não serem populares por aqui: o seu ritmo. E Hatoful Boyfriend replica tão bem o gênero que até mesmo os seus problemas são fielmente recriados. Isso faz com que o jogo seja bem lento e dificilmente vai atrair o jogador que procura o mínimo de ação.
Como dito, tudo se resume a diálogos engraçadinhos e a algumas decisões que vão definir com quem você vai ficar no fim da história. Não há nenhum outro tipo de interação, o que pode tornar as coisas bem frustrantes.
Por outro lado, uma piada tem um tempo de duração e o jogo não a estende para mais do que o necessário. O gênero em si já é bastante limitado e o game se preocupou em fazer com que a história não leve mais do que duas horas para ser resolvida — ou seja, tempo o suficiente para fazer com que você ainda ache graça nas situações.
Ainda assim, a agilidade com que tudo é resolvido cria alguns pequenos problemas. Além do ritmo lento, as opções disponíveis são pouco claras e você acaba não tendo muita noção do que está fazendo e o próprio enredo parece se desenvolver rápido demais para fazer as coisas andarem. Prova disso é que há grandes saltos temporais e isso é um péssimo recurso narrativo, ainda mais quando usado à exaustão.
Além disso, há um sistema de atributos que não tem utilidade alguma além de replicar algo que os Date Sim utilizam. Você ganha pontos ao estudar ou realizar uma atividade física, mas isso não é utilizado de maneira prática em momento algum. No máximo, altera um ou outro diálogo de leve, mas nada que vá mexer no futuro de sua personagem.
No fim das contas, Hatoful Boyfriend é muito mais uma ótima piada e uma bela crítica do que um jogo atraente. E não porque ele é ruim ou problemático, mas pelo fato de ele se apoiar em um gênero pouco popular por aqui e voltado a nichos específicos.
Isso que quer dizer que não há como se divertir com ele? Muito pelo contrário, mas não espere nada além de boas risadas com o absurdo, principalmente se você nunca teve contato com um simulador de relacionamentos. Como toda boa sátira, ele exige que você conheça o material original para entender as referências e as críticas que ele faz.
Ainda assim, não há como negar a coragem de fazer algo tão ousado assim. Não apenas por trazer um Date Sim para o Ocidente, mas de fazer isso em uma história de amor entre humanos e pombos. E, para aqueles que conseguirem quebrar o preconceito e aceitar sua paixão por ratos com asas, o bom humor é garantido.
O game foi testado no PlayStation 4 e PS Vita, em cópia cedida pela Devolver Digital.