Atribulada e cheia de percalços, a série Homefront é quase como uma representação do universo que ela mesma exibe nos jogos – uma jornada difícil e com pouca possibilidade de sucesso, apesar das grandes ambições. Desenvolvido originalmente pela Kaos Studios, a série nasceu com o objetivo de competir com grandes nomes dos games de tiro, e falhou miseravelmente em termos de qualidade a atratividade. Há quem diga, inclusive, que esse fracasso foi o estopim para o movimento que, mais tarde, levou à falência da THQ.
Leiloada em meio aos espólios da distribuidora, a marca acabou caindo nas mãos da Crytek e, mais tarde, foi adquirida pela Deep Silver, que deu à novata Dambuster Studios a responsabilidade de terminar o que a produtora anterior havia começado. O troca-troca de desenvolvedora nunca é uma boa na indústria, e aqui, essa noção se repete mais uma vez.
O primeiro Homefront causou polêmica em seu lançamento original por mostrar os Estados Unidos dominado completamente pela Coreia do Norte, após uma crise do petróleo e escalada armamentista dos inimigos asiáticos. O enfraquecimento da América levou a um ataque coordenado, que destruiu completamente todas as suas estruturas e deixou a população sob o jugo dos inimigos do outro lado do mundo. É um enredo absurdo, mas ao mesmo tempo, completamente plausível, e que tem suas bases nas páginas dos jornais.
The Revolution, mais do que uma sequência, age como um reboot, e deixa tudo isso de lado por uma trama bem mais inverossímil. No game, a Coreia do Norte surge como uma potência do mercado da tecnologia, importando smartphones, tablets e todo tipo de produtos para o consumidor. Mais do que isso, se torna também representante no campo da indústria e da tecnologia bélica, aparelhando todo o Estado americano. Como dá para imaginar, era tudo uma cilada e os aparelhos continham backdoors que, no momento oportuno, foram ativados e aleijaram o país completamente, deixando os EUA à mercê de uma invasão.
A impressão é de que os poucos pontos positivos do primeiro Homefront – seu enredo, principalmente – foram deixados completamente de lado, em prol de uma renovação nada positiva.
Basta ter visto alguns filmes e ler um pouco para saber que a paranoia dos americanos com segurança jamais permitiria tal cenário. E isso, por si só, já cria um mundo que depende demais da suspensão de descrença, algo que é levado às últimas consequências quando a rebelião utiliza celulares, rádios e equipamentos norte-coreanos para se organizar. É um cenário que simplesmente não cola e acaba esvaziando o que Homefront tinha de melhor.
Até porque, no restante do tempo, a trama é rasa e pouco interessante. O jogador se envolve muito pouco com os personagens, enquanto os cabeças dessa rebelião são insossos. Existem até elementos de conflitos apresentados ali, mas na maior parte do tempo, estamos em um mundo sem grandes características, aberto e com pouco a explorar, que apesar das missões variadas, oferecem quase nada para manter o usuário ligado a um ideal que poderia ser enorme, mas é mal apresentado.
Uma ideia, entretanto, se sobressai em meio a um mar de enredo mal executado. O mundo aberto, apesar de ter poucas características, passa por algumas transformações na medida em que o jogador executa suas ações. Atos de afronta ao domínio norte-coreano acabam inflamando a população, e na medida em que o usuário ataca soldados, completa missões ou, simplesmente, sintoniza rádios com mensagens revolucionárias, aumenta a concentração de pessoas nas ruas e também a rebeldia contra a ditadura “norco”, como é chamada de maneira pejorativa.
Homefront: The Revolution se sai muito bem na tarefa de mostrar como é o cotidiano de um rebelde procurado. O mundo aberto, apesar de ter poucas características, passa por algumas transformações, com a população se revoltando contra o regime “norco” e reagindo aos atos do jogador.
Como em outros jogos do gênero, Homefront: The Revolution tem side quests que se misturam de forma orgânica às missões centrais. Invadir e dominar um ponto relevante para os oponentes transforma aquele local em uma base rebelde. Isso dá mais confiança para a população, e aos poucos, o som de carros sendo virados, brados de revolução e coquetes molotov sendo detonados toma conta do ar, ofuscando até mesmo o rádio que indica as missões ativas. A nocão é de que as ações realizadas realmente estão significando algo, por mais que esse sentido seja bastante esvaziado por todos os elementos restantes.
E se a rebeldia de Homefront: The Revolution carece do carisma necessário para gerar seus frutos fora do próprio universo do game, a jogabilidade não tem nada daquilo que transforma um jogo de tiro em sucesso. Mais do que isso, é bastante mal acabado. Falta polimento, otimização e, acima de tudo, cuidado, que mais uma vez, minam o que acaba sendo considerado uma boa ideia.
A começar pelo aspecto mais frustrante de todos, os carregamentos que mais parecem travamentos. Como as ações do jogador alteram o ambiente durante todo o tempo, o jogo está sendo salvo constantemente. Para o jogador, a sensação é de que o jogo bugou, uma vez que esse processo congela completamente a tela e impede a execução de qualquer comando. Quando acontece durante um tiroteio, chega a ser desesperador.
Além disso, nas batalhas mais movimentadas, a taxa de frames por segundo chega a níveis abissais. O uso de explosivos, de vantagem tática, pode acabar se tornando o total inverso quando a detonação faz com que o game comece a rodar como uma apresentação de slides, gerando, juntamente, um atraso na resposta dos controles. De rebelde promissor, você é transformado em queijo suíço sob os disparos norte-coreanos.
O título traz uma jogabilidade ruim, performance pior ainda e um enredo inverossímil, com prosseguimento desinteressante. É uma guerra que já começa perdida.
Homefront: The Revolution se sai muito bem na tarefa de mostrar como é o cotidiano de um rebelde procurado. Seguir pelas avenidas principais não é o melhor caminho, a não ser que você queira ser localizado por drones ou patrulhas. O melhor é caminhar por becos e prédios destruídos, evitando andar armado e aparecer à vista de todos.
Isso também acaba incentivando o usuário a seguir por rotas alternativas na própria campanha, completando objetivos secundários de forma a reduzir a presença norte-coreana e facilitar a realização de missões principais. Lembre-se, você está diante de uma oposição fortemente armada e altamente treinada, que tem o domínio completo daquele território. A dificuldade é alta e o conflito direto nunca é a melhor opção. Sua principal arma, mais do que as metralhadoras e coquetéis molotov, são a furtividade e a propaganda.
Fugir dos disparos sempre certeiros dos inimigos, entretanto, é difícil devido à pouca precisão dos controles. Por toda a cidade, o jogador encontrará barreiras invisíveis, problemas de detecção de elementos escaláveis e indicadores pouco claros, ou que simplesmente desaparecem. NPCs também podem sumir e reaparecer ao bel prazer do título e, o pior de tudo, isso também vale para os soldados inimigos. Não fique surpreso se enxergar uma patrulha inimiga muito bem armada se materializando diante de seus olhos – não é feitiçaria “norco”, é falta de polimento mesmo.
Homefront: The Revolution enfrenta desafios ainda maiores que os de seus personagens. O título, que nem de longe faz parte do panteão do mundo dos games, chega às lojas espremido entre dois rolos compressores – Uncharted 4: A Thief’s End e Overwatch. Sendo assim, ele acabaria contando apenas com as próprias qualidades para se sobressair e, quem sabe, dar uma sobrevida a uma série que tem todos os indícios de estar morrendo.
Entretanto, o que se vê são todos os defeitos possíveis de se encontrar em um game ambicioso demais para uma desenvolvedora iniciante. A noção é que aquilo que havia de bom no primeiro Homefront – seu enredo, principalmente – foi deixado de lado, e The Revolution, ao seguir com as próprias pernas, investiu apenas na falta de cuidado técnico que foi uma das marcas do antecessor.
Temos algumas boas ideias aqui, que acabam afogadas por um desenvolvimento atrapalhado e que carrega toda a falta de identidade de um título que mudou de mãos muitas vezes. Da centelha de interesse que deixou alguns jogadores ligados em Homefront, pouco restou. E assim como a guerra contra os “norcos” parece perdida desde seu início, The Revolution também parece perder a batalha pela continuidade da franquia.
O game foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Deep Silver.