Não existe nenhuma vantagem em brincar de Deus e cinco filmes de uma das maiores franquias cinematográficas de todos os tempos mostraram exatamente o que acontece quando se tenta trazer para a nossa era criaturas que não pertencem a ela. Choro, ranger de dentes, carne dilacerada e gritos de desespero de uma horda de visitantes carregando suas margaritas são bons exemplos da catástrofe arquitetada pelos geneticistas da InGen.
Jurassic World Evolution, porém, mostra o outro lado dessa história e revela o principal motivo por trás de tais atos: criar um parque com criaturas fantásticas é muito lucrativo, mas também extremamente difícil. Principalmente por conta do fato de suas atrações também serem capazes de devorar os turistas.
O game desenvolvido pela Frontier Developments coloca o usuário na posição do todo-poderoso não apenas de um parque, mas do complexo de ilhas conhecido como Las Cinco Muertes. Sendo assim, você deverá lidar com todos os aspectos da criação de um local desse tipo, agindo desde a escolha das expedições que localizarão fósseis para obtenção de DNA até a construção de todo o aparato de segurança, bem como lojinhas de presentes e restaurantes.
Como em todo jogo de estratégia, começar é um desafio tanto para jogadores quanto para criadores. De um lado, estão usuários ávidos a criar construções majestosas, mas que antes, precisam entender as mecânicas básicas para que possam chegar até lá. De outro, desenvolvedores que precisam criar sistemas ao mesmo tempo amigáveis mas também complexas, que propiciem um direcionamento didático, mas também a liberdade para quem desejar avançar e experimentar.
Os bolsos fundos eram a principal arma do visionário John Hammond na construção do Jurassic Park, mas em Evolution, o melhor parque será daquele que souber administrar muito bem as finanças, principalmente de começo. Não se engane pelos mais de US$ 2 milhões na sua conta assim que pisar na Ilha Matanceros, onde começamos o game. O aparato necessário para gerenciar uma instalação dessa categoria é caríssimo.
Dá para entender rapidamente porque tantas tentativas no cinema: criar um parque de dinossauros é muito lucrativo, mas, também, extremamente difícil, principalmente quando não se entende as mecânicas.
Se não souber bem por onde começar, o montante pode facilmente ser esvaziado sem que o jogador tenha uma operação sustentável para recuperação. O tutorial inicial instrui o jogador sobre a criação de dinossauros e o sistema de contratos, que garante dinheiro extra e guia, mais ou menos, os rumos do parque. A partir daí, cabe ao jogador explorar e descobrir o funcionamento das estruturas e o que fazer para garantir o bem-estar de todos.
Algumas questões são óbvias, como não colocar dinossauros carnívoros no mesmo viveiro dos herbívoros ou garantir que todas as instalações tenham ruas para que visitantes e pessoal de apoio possam chegar até elas. É claro que é preciso ter comedouros para todos os dinossauros, mas você sabia que uma equipe de rangers também é necessária para os reabastecer? Ou que é de sua responsabilidade não apenas construir o restaurante, mas também escolher o prato que é vendido lá, quanto ele vai custar e o número de funcionários trabalhando?
Jurassic World Evolution não pega o jogador pela mão, o que pode ser uma qualidade para jogos desse tipo, cujos começos sempre são simples e básicos demais. Ao não explicar mecânicas simples, entretanto, o game pode se tornar facilmente incompreensível, na medida em que o dinheiro escorre da conta bancária do administrador sem que ele nem mesmo saiba o que fazer para conter esse vazamento.
Por outro lado, uma vez que se entende as mecânicas vezes complicadas, vezes simples, surge como uma vantagem o fato de o jogo não levar os jogadores por um caminho específico e linear. O título da Frontier Developments tem uma espécie de modo campanha que não é bem o que se entende quando essa palavra é dita. Existem objetivos e parâmetros para serem cumpridos um após o outro, para que o usuário possa avançar. Mas como você vai fazer isso é escolha (e consequência) exclusivamente sua.
Existem contratos para serem cumpridos, que pedem um determinado número de dinossauros, a realização de expedições a geração de uma criatura com determinada porcentagem de genoma (o que indica sua viabilidade de criação, as chances de sucesso na incubadora e também quanto os visitantes vão gostar deles). São três divisões, Ciência, Entretenimento e Segurança, com objetivos específicos. Cumpri-los entrega um direcionamento para o gerenciamento do parque e, também, garante o dinheiro tão útil para fazer exatamente isso.
Jurassic World Evolution equilibra, mesmo que com tropeços, a liberdade para os estrategistas avançados com o direcionamento de uma espécie de campanha, que libera dinossauros e estruturas.
A verdadeira métrica de progressão de Jurassic World Evolution, entretanto, é um ranking de estrelas que indica a satisfação dos visitantes e a saúde financeira do complexo. Ganhe um determinado número delas para liberar a próxima ilha das Cinco Muertes, cada uma delas trazendo desafios específicos, principalmente em termos ambientais. Um parque pode ser construído em cada, enquanto a expanssão também garante o acesso a novas linhas de pesquisa e mais dinossauros.
É uma progressão que traz satisfação, não entregando o ouro desde o início, mas, ao mesmo tempo, não demorando a fazer isso. É muito bom, por exemplo, ter a possibilidade de criar Triceratops logo de início e os ver fazendo a alegria dos visitantes. Ao mudar de ilha e receber novos desafios, entram em cena também nomes como Velociraptor e Dilophossauro, trazendo desafios que vão além, apenas, de eventos climáticos ou diferenças de elevação.
Esse caráter de liberdade, entretanto, traz uma característica que pode ser considerada como uma falha de mecânica, provavelmente não pensada pelos desenvolvedores. Enquanto o dinheiro, recurso mais precioso do game, não é transferido entre ilhas, todos os outros elementos são. Ou seja, você segue para começar um parque do zero, mas com direito a todos os desenvolvimentos adicionais, upgrades, dinossauros extras e instalações desbloqueáveis. Caso sua primeira ilha seja extremamente lucrativa, fica fácil atingir tudo isso já nela, reduzindo significativamente o nível de desafo das seguintes.
O grande apogeu está na liberação da Isla Nublar, a do primeiro e clássico filme. Ela não faz parte das Cinco Muertes e, por isso, abre o que a desenvolvedora chama de “modo sandbox”, onde há dinheiro ilimitado e um terreno livre e sem objetivos para construir. Chegar a esse nível não é nada difícil, bastando criar um mapa com quatro estrelas, algo que não será complicado se você souber o que está fazendo.
O incentivo para continuar jogando, claro, vem da necessidade de desenvolver pesquisas adicionais e descobrir novos dinossauros, sendo que liberar todos eles só é possível quando existe presença em todas as Cinco Muertes. Ainda assim, uma vez liberadas, é possível trabalhar apenas na mais saudável delas, criando tecnologias e liberando dinossauros como se as outras simplesmente não existissem.
O intuito é dar aos fãs da franquia a chance de criarem um parque vistoso e funcional, como sonhávamos quando criança e vimos na tela do cinema, mas sem a parte da matança.
É um aspecto mal pensado e que, de certa maneira, acaba por quebrar o jogo. Ele se une a outras características que, estranhamente, ficam de fora. Jurassic World Evolution, por exemplo, se vale de uma mecânica de tempo para significar trabalho, exigindo que o jogador aguarde o retorno de uma expedição ou o desenvolvimento de uma tecnologia antes de a abordar.
Isso faz sentido, afinal de contass, as coisas demoram para ficarem prontas, mas não existe um recurso comum em simuladores desse tipo, o de acelerar a passagem do tempo. Isso faz com que os usuários, às vezes, tenham que apenas esperar, sem nada para fazer, enquanto aguardam o preenchimento de uma barra.
Graficamente, o jogo se comporta bem para um titulo com tamanha imensidão de gente, animais e elementos na tela ao mesmo tempo. De longe, tudo pode ser visto, com vida e movimento, de uma só vez, com pouquíssimos objetos desaparecendo e surgindo novamente à vista do jogador. A performance é estável e configurações visuais apuradas garantem que o game rode bem mesmo em máquinas mais fortes.
Ponto positivo para a presença de trilhas clássicas de John Williams e mais 0,5 pelo cuidado de incluir uma opção de desligar apenas as faixas silenciadas, sem desativar a musica como um todo, uma atenção que poucos games dão à comunidade de streaming. Jurassic World Evolution está completamente dublado em português, mas vale a pena jogar pelo menos um pouco em inglês para conferir as vozes originais de Jeff Glodblum (Ian Malcolm), Bryce Dallas Howard (Claire Dearing) e BD Wong (Henry Wu).
As maiores falhas do jogo da Frontier Developments se encontram em balanceamento, principalmente no equilíbrio entre a permissividade de deixar o jogador fazer o que quiser e o direcionamento para criar um parque complexo e diversificado. As mecânicas não são simples de se compreender, mas uma vez dominadas, o game pode virar passeio muito facilmente, mas não de um jeito muito legal.
Esse domínio, mesmo que cheio de tropeços, parece ser o intuito final de Jurassic World Evolution – dar a chance de os fãs da franquia, principalmente, transformarem o sonho do velho Hammond em realidade, criando um parque vistoso e funcional, como sonhávamos quando criança e vimos na tela do cinema, mas sem a parte da matança.
A não ser, claro, que você seja daqueles psicopatas que gostava de tirar a escada da piscina com seus Sims dentro dela – o equivalente aqui seria construir um parque com muitas espécies diferentes, desde as mais violentas até as mais pacíficas, e vender as grades depois de tudo pronto. Aliás, isso é perfeitamente possível, caso você queira só ver o que acontece. 😉
O jogo foi testado no PC, em cópia cedida pela Frontier Developments.