Não é nenhuma novidade que os desenvolvedores independentes começam sua longa jornada revivendo as emoções de jogos que admiraram na infância. Neste caso, estamos falando de uma grande obra-prima trazida à vida pelos brasileiros do VOX Game Studio, com traços de anos 1990 e saudosismo puro em alta qualidade: Kaze and the Wild Masks já nasce épico e veremos o porquê.
Imagine que a mente do Pernalonga se manifestou em um corpo nascido de uma fusão de Sonic com Dixie Kong e teremos Kaze. A menina-coelho está pistola na maioria do tempo e usa as orelhas para atacar, rodopiando, e planar. Ela vive em um mundo cheio de ilhas e sua terra-natal foi atingida por um aerolito, transformando os legumes em monstros violentos que não querem ser a próxima refeição do povo coelho. A heroína sai em busca de respostas, passando por cenários variados e familiares pra quem já é tiozinho ou quase, desde florestas e geleiras até, claro, uma fase na água.
Em Kaze, o sistema de jogo é bem retrô: o jogador pula na cabeça dos inimigos ou usa o ataque terrestre, enquanto coleta jóias que, ao atingirem 100, garantem uma vida extra. O título, porém, vai muito além disso. Assim como citado nas referências, fases de bônus podem ser encontradas para juntar pedaços de relíquias e também formar as quatro letras do nome da protagonista. Até aí, nada muito impactante, até chegar nas máscaras, que funcionam de forma parecida com as habilidades de Yoshi Island, com Kaze se transformando parcialmente no animal que elas representam.
A máscara presente na demo é a da águia, permitindo que Kaze voe e solte pequenos tornados sem limite de uso. Assim como quando se “cavalga” o papagaio em Donkey Kong Country 2, é preciso se esquivar dos espinhos das trepadeiras e lidar com os adversários invencíveis que vão ao seu encontro, só que aqui, as mamonas voadoras são a ameaça espinhuda. Claro, se o jogo é brasileiro, tem que existir as referências nacionais e enfrentar a matriarca Mommy Mona como primeira chefe é uma emoção a mais.
Kaze and the Wild Masks começa simples, fácil e didático, mas não se iluda, pois a curva de dificuldade já começa na segunda fase. Aí, destacamos a eficiência da primeira, que mesmo sem tutorial, já ensina o sistema de jogo e o que pode ser feito com as habilidades e cenário à disposição. Sem máscara, a protagonista age como Dixie Kong e suavizar as quedas é quase instintivo para evitar cair onde não deve. Até o clássico rodopio perto da beirada foi recriado e, caso não saiba do que falamos, é melhor aprender e dominar o quanto antes para conseguir pular mais longe.
Analisando os gráficos, o Pixel Art está primoroso, com muitos detalhes e cores vibrantes, além de ilustrações grandes e detalhes muito bem animados. Os efeitos visuais dos poderes são simples, visto que Kaze não solta nenhuma magia, mas os efeitos de iluminação, chuva e raios solares são deslumbrantes. A decisão de colocar objetos passando no primeiro plano se mostrou acertada, dando uma bela noção de profundidade. Mesmo com tantos recursos gráficos, não há poluição visual e, somadas as animações fluídas, temos um jogo bem interessante.
As músicas são impactantes e remontam a um tribalismo, como se fosse um tipo de Haka, mas sem a coreografia. Cada cenário tem uma ótima trilha sonora e os efeitos são agradáveis, ajudando a emergir o jogador no mundo de Kaze. As vozes são poucas, mas bem gravadas, o que ajuda a manter o silêncio necessário de antigamente.
Como já está na proposta do jogo, Kaze and the Wild Masks vem para tocar o coração dos saudosistas e fazer brilhar os olhos dos jogadores que nunca tiveram essa experiência intensa de um divertido e difícil jogo de plataforma. Os controles reagem bem e apenas senti falta de uma habilidade de corrida ou dash, que talvez venha na versão final que está prevista para o começo de 2019 no Steam, Xbox One e PS4.
Kaze foi um dos games que chamou muita atenção no BIG Festival 2018 no espaço Panorama e, certamente, ficará entre os grandes e promissores jogos nacionais que devemos acompanhar de perto, com muito espaço para continuações. Entrevistamos André Schaan, diretor do Vox Game Studio, que está desenvolvendo este jogo 100% brasileiro, e descobrimos suas considerações sobre a indústria de games e o futuro do título. Confira:
NGP: No Brasil, existem muitas faculdades e cursos para desenvolver games e um grande histórico de jogos independentes com fama internacional. Entretanto, os grandes empresários não investem ou criam um grande estúdio para utilizar esse potencial nacional e o transformar em uma indústria. A que vocês atribuem isso?
André Schaan: Acreditamos que, apesar de algum sucesso, os jogos no Brasil ainda não se consolidaram em uma indústria com base sólida, como tantas outras mais tradicionais. Grandes investidores, que estão em busca do crescimento de seu capital, buscam algum nível de segurança. Por ainda não termos a tradição e esse ser um negócio relativamente novo, ainda não temos uma indústria firme, mas já vemos alguns sinais de mudança nesse cenário, como empresas que vêm recebendo apoio de fundos de investimento, linhas de créditos específicas do BNDES e a participação do SEBRAE no estímulo ao crescimento e amadurecimento do mercado. Ou seja, ainda existe muito espaço pra crescer e certamente vamos seguir. É um caminho sem volta.
NGP: Kaze é um jogo de extrema qualidade em todos os aspectos e não nasceu fruto de uma campanha de crowdfunding. Você diria que o Vox Game Studios é um dos pioneiros da indústria de games nacionais nesse sentido?
AS: No estágio atual da indústria, qualquer empresa que se aventura em fazer jogos pode ser considerada pioneira. Estamos criando a identidade nacional dos games, assim como a da própria indústria. Mas a Vox não é a primeira empresa a fazer um jogo independente e tem muita gente boa que está ou esteve antes nessa posição, nos inspirando e também ajudando com dicas no nosso dia a dia.
NGP: Existe alguma rejeição do público brasileiro que tenham percebido, desde o “tão bom que nem parece nacional” ao “mais um jogo retro lixo”?
AS: Olha, na verdade, nossa percepção é que a recepção tem sido o contrário disso. Estamos recebendo um apoio tremendo do público brasileiro, que se mostra empolgado e, algumas vezes, surpreso que o nosso jogo esteja sendo feito 100% no Brasil. Claro que uma ou outra pessoa pode desmerecer, mas esses são casos tão raros que nem vale a pena darmos atenção. De verdade mesmo, estamos muito felizes com o apoio que estamos recebendo da nossa comunidade.
NGP: Existem planos de expansão de Kaze and the Wild Masks? Uma trilogia, talvez?
AS: Pra ser bem sincero, estamos com todo o nosso foco em terminar essa primeira versão. O desafio é tremendo. É claro que sonhamos com coisas maiores, mas preferimos ficar com o pé no chão e, por enquanto, nossa atenção é focada em terminar o jogo com a maior qualidade possível. A única expansão que pensamos é em portar o jogo para os principais consoles, incluindo o Nintendo Switch, para poder alcançar um público maior.