Tenho certeza que muitos de vocês já se depararam com teorias mirabolantes sobre o enredo de alguns jogos, apontando uma ligação bizarra aqui, um ponto em comum ali, personagem X na verdade está morto, a história do jogo não passa de um sonho do protagonista, enfim, teorias e lendas que cercam a história de games, principalmente aqueles com enredos mais complexos que deixam enorme margem para os fãs teorizarem em cima de suas pontas soltas.
Pensando nisso, a série “Lendas dos Jogos”, contará com diversas partes, cada uma dedicada a uma em específico. Na primeira parte do especial, o escolhido é Final Fantasy VIII, mais especificamente a teoria R=U ou R≠U – Rinoa é Ultimecia ou Rinoa não é Ultimecia.
As primeiras evidências
Afinal, em Final Fantasy VIII, Rinoa e Ultimecia são ou não são a mesma pessoa? Bem, antes de tudo vale dizer que a Square, criadora do jogo, soltou uma nota afirmando que não. Temos de levar isso em consideração, afinal, é a palavra da produtora do jogo. Mas, por que então os fatos apontam exatamente na direção contrária? Pois é, difícil realmente saber a resposta, mas cabe a cada um buscar informações e ter o seu próprio parecer.
Antes de citar os fatos, constatações e evidências que apontam para R=U ou R=/=U, vamos falar um pouco sobre o contexto de tudo.
Ultimecia é uma vilã bastante complexa. Sabe-se que ela é a feiticeira do futuro e é extremamente poderosa, provavelmente a mais forte que já existiu, mas não dá para saber ao certo seus reais objetivos ao comprimir o tempo, juntando passado, presente e futuro em uma única realidade. Fala-se que ela fez isso para poder governar os três tempos ao mesmo tempo, subjugando e vingando-se da humanidade.
Bem, isso de fato é bastante válido, afinal, as feiticeiras sofreram muito através dos tempos, pois, a partir do momento em que adquirem seus poderes, elas tornam-se imortais, não envelhecem, e pouco a pouco veem todas as pessoas que estavam ao seu lado morrer, ficando sozinhas. Além disso, há o fato que elas são eternamente temidas e perseguidas. Temos inclusive o SeeD, que é um grupo paramilitar criado justamente para proteger o mundo dessa ameaça, e a prova disso é que há vários corpos de SeeDs na entrada do castelo de Ultimecia.
O fato é que, por estes fatores, a personagem demonstra grande rancor com a humanidade. Isso é comprovado através de algumas frases que a vilã profere durante o jogo, e a principal delas é dita por Edea, no final do primeiro CD do jogo, quando ainda estava possuída por Ultimecia:
“Infelizes… Celebrando minha ascensão com tanto entusiasmo. Ovacionando aquela que condenaram por tantas gerações. Vocês não tem vergonha? O que aconteceu com o demônio, a terrível feiticeira de seus pesadelos, a tirana de sangue-frio que matou incontáveis homens e destruiu tantas nações? Onde ela está agora? Ela está de baixo de seus narizes se tornando a sua nova governante!”
Resumindo, Ultimecia é uma feiticeira de extremo poder, que por inúmeros motivos, odeia a humanidade em si. Sua real motivação para a compressão do tempo é justamente o que pode atestar R=U ou R≠U.
Agora é hora de falar da teoria em si.
R=U (Rinoa é Ultimecia)
Muitos fatos indicam que Rinoa e Ultimecia são, na verdade, a mesma pessoa, mas em tempos diferentes, Rinoa é o presente e Ultimecia o futuro. Há muitas evidências que corroboram essa teoria, e os próprios jogadores e fãs de FFVIII, em sua grande maioria, concordam que com R=U a história do jogo ganharia muito mais profundidade, dramaticidade e principalmente coerência. Eis os principais pontos:
Aparência
Rinoa e Ultimecia são extremamente semlhantes, como pode-se ver nas fotos abaixo. OK, estamos na década de 1990 e os modelos de personagens não tinham uma diferenciação tão grande, ainda mais tratando-se de personagens com traços orientais. Mas, mesmo assim, as semelhanças no rosto das duas são gritantes.
Asas
Rinoa e Ultimecia tem asas praticamente iguais, não fosse pela cor. E isso é algo que fica mais evidente ainda, levando-se em conta que Adel, outra feiticeira, possui asas bastante diferentes das asas das duas, como dá para ver nas imagens abaixo:
O mais poderoso dos Guardian Forces
No fim do jogo, é revelado por Ultimecia aquele que é o mais poderoso de todos os GFs: Griever. Trata-se de um anel que Squall deu a Rinoa, e que no futuro fora usado por Ultimecia para criar o monstro. Se o anel foi dado a Rinoa, como Ultimecia estava de posse dele? Roubou? Achou no chão? Não!
Local
Quando há a compressão do tempo, o castelo de Ultimecia aparece ancorado à casa de Edea. Com certeza, não foi uma escolha aleatória, mas também pode não ter sido uma decisão consciente. Por que Ultimecia iria escolher justamente o local onde Squall prometeu esperar por Rinoa para ancorar seu castelo? Simples: mesmo ela não lembrando exatamente o motivo, ela sabia que algo muito importante tinha acontecido ali, algo pelo qual ela buscava, algo que ecoava em seu subconsciente.
A promessa de Squall a Rinoa, marcou-a de forma profunda, pois foi quando ela teve algum conforto em aceitar a sua condição de feiticeira e seguir em frente. Sendo algo tão importante assim, mesmo tendo se esquecido de Squall e até mesmo de que um dia ela fora Rinoa, as marcas emocionas ainda estariam totalmente arraigadas em seu subconsciente, fazendo com que a escolha da casa de Edea tenha sido feita de forma natural, emocional.
Fragilidade, medos, promessa e a grande motivação
Rinoa ganhou os poderes de Edea logo após a batalha em Galbadia, tornando-se a feiticeira do presente. Desde então, ela começou a dar sinais de que não suportaria esse peso e Squall foi o seu ponto de apoio. Após os eventos que quase fizeram com que a mente de Rinoa fosse dominada por Ultimecia, fazendo com que ela quase ficasse perdida no espaço para sempre, essa fragilidade e medos ficaram mais à flor da pele ainda. Tanto é que, ao retornarem do espaço, a dupla teve um encontro no jardim da casa de Edea, onde houve o diálogo que aparece na abertura do jogo:
Squall “-Eu estarei aqui…”
Rinoa “-Porque?”
S “-Eu estarei “esperando”…Aqui…”
R “-Para que…?”
S “-Eu estarei esperando…Por você.. Então… Se você vier aqui, você me encontrará. Eu prometo.”
Embora Squall tivesse prometido a Rinoa que estaria esperando por ela, isso infelizmente uma hora não seria mais possível. Squall nada mais é do que um humano normal, iria envelhecer e morrer com o passar dos anos, já Rinoa é uma feiticeira, que veria seu amado passando por tudo isso. Isso aconteceria de forma irremediável e levaria Rinoa a um futuro onde todos os seus amigos não mais existiriam, dessa forma restando apenas pessoas que iriam lhe hostilizar e temer, lançando-a num mar de solidão e rancor.
Isso por si só, já seria motivos suficientes para buscar pela compressão do tempo, onde ela poderia viver novamente ao lado de Squall e também vingar-se de todos aqueles que a hostilizaram.
O contraponto disso é que, R/U, ao utilizar a junção com os Guardian Forces, teria perdido a memória, esquecendo até mesmo quem era Squall. De fato, esse uso causa perda de memória, mas não muda a personalidade. Então, ela teria sofrido com a solidão e sua personalidade e objetivos foram sendo moldados com base nisso e também no seu sofrimento por de ser uma feiticeira.
Dessa forma, embora talvez não se lembre de Squall na forma de pessoa a quem ela amou, sua memória afetiva fora preservada, pois ela faz parte da construção de sua personalidade.
Então, mesmo sem lembrar exatamente quem é Squall, ela ainda assim buscava por ele em algum lugar de seu passado, por saber que é justamente ao seu lado que ela teria todo o conforto e paz que precisava para poder continuar sua existência e amenizar a sua dor. Isso, fica mais evidente ainda quando Rinoa profere uma de suas mais célebres frases no jogo, logo após os eventos no espaço:
“-Eu não quero o futuro, eu só quero que o presente continue. Eu só quero ficar aqui com você…”
Essa frase pode muito bem ser usada como síntese para os objetivos de Ultimecia, que são também os desejos de Rinoa. E isso é ainda mais evidente, se além de tudo isso, também prestarmos atenção nas frases que Ultimecia solta durante a batalha final:
“Refletidos em voces…”
“Infância…”
“Suas sensações…”
“Suas palavras…”
“Suas emoções…”
“Tempo…”
“Ele não irá esperar…”
“Não mesmo…”
“…não importa o quanto você queira.”
“Ele irá se esvair…”
Fica mais do que evidente que Ultimecia estava passando por uma espécie de epifania, trazendo de volta as sensações, palavras e emoções de seu passado, levando ela à conclusão de que por mais forte que seja o desejo, o tempo irá passar e tudo ficará perdido nele.
Um pingo de bondade em meio ao mar de amargura
Ainda no jardim de Edea, onde Squall prometeu que esperaria por Rinoa, ela fez um pedido muito importante a Squall:
“Se eu não conseguir me controlar… você pode me matar, Squall. Mas somente você… Eu acho que tudo bem se for você…
Mais uma vez, mesmo considerando-se a perda de memória decorrente da junção com GFs, essa frase geraria um apanhado de emoções muito grande dentro do subconsciente de R/U para que ela esquecesse disso de forma completa.
Embora durante anos, décadas ou até séculos, Ultimecia tenha usado seus poderes para se vingar da humanidade, em dado momento pode perfeitamente ter havido um instante em que esse pedido dela a Squall veio a tona na forma de um flash, ou até mesmo uma fagulha emocional, levando-a a fazer a compressão do tempo para que Squall pudesse matá-la, já que era mais do que claro que ela havia perdido o controle sobre seus poderes, fazendo uso deles para o mal.
Temos aqui mais uma grande motivação, que pode perfeitamente ser aliada à que foi citada no trecho mais acima, de forma que não haveria apenas uma fincada em seu subconsciente, mas sim duas: o desejo de buscar pela paz ao lado da única pessoa que esteve ao seu lado nos momentos difíceis e a busca de fazer o que é certo levando-se em conta que ela perdera a tempos o controle sobre seus poderes, sendo dominada por eles.
A visão
Após a batalha derradeira com Ultimecia, Squall ficou perdido no tecido espaço/tempo, vagando sem saber aonde ir. Nessa hora, ecoam as palavras de Laguna dizendo que eles conseguiriam voltar para casa se visualizassem em suas mentes a imagem das pessoas que amam. Nesse momento, ele começa a desesperadamente buscar a imagem do rosto de Rinoa, lembrando dos momentos em que os dois tiveram juntos, mas, simplesmente não consegue enxergar o rosto de sua amada. No lugar, apenas borrões, imagens sem foco, escuras e distorcidas aparecem.
Durante a busca pela imagem de Rinoa, Squall vê Ultimecia em rápidos flashes (entre 4:10 e 4:25 do vídeo abaixo) e descobre a verdade: R=U. Nesse momento, acaba entrando em choque com a recente descoberta e o vemos derramando uma lágrima.
Conclusão
Tudo isso traz uma profundidade e um sentido muito maior a história de Ultimecia, Rinoa e até mesmo do jogo. A vilã passaria a ter motivações altamente pessoais e muito além da simples vingança: a busca pela paz e por aquele que outrora foi o seu grande amor.
Tudo isso fez com que ela, mesmo de forma quase inconsciente, buscasse a compressão do tempo, para novamente poder estar ao lado daquele que prometeu esperar por ela o tempo que fosse. Sua dor, amargura e rancor por viver em um tempo onde todos a temiam e a odiavam tornaram sua existência insuportável a ponto de ela usar todo o seu poder para controlar as feiticeiras do passado e presente para tornar o seu objetivo possível.
Rinoa, após se tornar uma feiticeira, demonstrou grande temor. Por saber do fardo que é ser assim, ela expôs suas fraquezas e medos, algo que somente Squall foi capaz de confortar. Uma vez que, no futuro, Squall envelheceu e morreu, suas fraquezas e medos voltaram à tona, tomaram conta dela, e isso aliado a seu enorme poder, foram pouco a pouco transformando-a em uma pessoa que transbordava rancor. Rancor por ter perdido seu porto seguro, rancor por ser odiada e temida por todos, rancor por sua crescente solidão, rancor que por fim acabou transformando-a naquela que conhecemos como Ultimecia.
A história ganha enorme profundidade com essa interpretação dos fatos. Além de tornar R/U uma personagem muito mais profunda, coloca Squall em uma situação extremamente complicada, pois, após derrotar Ultimecia e acabar com a compressão do tempo, ele descobre que R e U são a mesma pessoa. O que ele deveria fazer?
Cumprir sua promessa e ficar esperando por Rinoa o tempo que fosse, mesmo sabendo que no futuro ela viria a ser a responsável pela compressão do tempo e por uma série de eventos catastróficos, ou tomar alguma atitude como até mesmo matar sua amada para que no futuro o mundo pudesse viver sem ter que sofrer com os poderes de Ultimecia?
Justamente esse pensamento, que é quase uma epifania, pode ter levado o herói do jogo a derramar aquela tão dolorida lágrima na CG que dá fim a história. Por fim, vemos que Squall decide ficar ao lado de Rinoa e isso traz à história um ciclo infinito e triste, em que Ultimecia transfere seus poderes a Edea no passado, que no presente transfere seus poderes a Rinoa, que no futuro se torna Ultimecia, que comprime o tempo, é derrotada por Squall e antes de morrer inicia tudo novamente…