O que faz com que um dia seja considerado normal para você? É o fato de tudo ter corrido bem no trabalho e em casa? É a rotina consolidada, em 24 horas nas quais nada de grave ou complicado aconteceu? Como você se sentiria se, de repente, essa sensação de tranquilidade fosse arrancada de você? Seguiria o clichê das redes sociais, onde tenta parecer uma pessoa cheia de surpresas, ou sentiria falta do quentinho de sua zona de conforto?
O segundo episódio de Life is Strange 2, Regras, mostra os protagonistas Sean e Daniel em busca de algum resquício de vida normal após a tragédia que se abateu sobre eles, mesmo que esse seja um movimento inconsciente. Para os dois irmãos fugitivos, a jornada até a cidade de seu falecido pai, no México, passa antes por outro retorno ao centro da família, mas, desta vez, por parte de mãe.
Não que o caminho até lá seja fácil, muito pelo contrário. O capítulo já começa com tapa na cara, e o golpe vai além da situação lamentável vivida pelos irmãos, procurados pela justiça e vivendo de sobras e itens velhos, em uma casa abandonada onde antes havia uma família aparentemente estruturada, como era a deles. Não ficamos sabendo dos detalhes sobre estes desconhecidos, é claro, mas eles cumprem um papel importante: nos lembrar que, nesse mundo, não está fácil para ninguém.
Como já é habitual em Life is Strange, tudo desmorona de uma vez só, por mais que, em um momento, o game fizesse parecer que tudo iria acabar bem.
O mundo lá fora é cão, como o episódio faz questão de demonstrar logo em seus momentos iniciais. As paredes da casa abandonada são finas, o colchão é decrépito e um jogo de dados é a única diversão possível em meio a esse inverno literal e emocional. Todos sabem que é hora de ir embora, ao mesmo tempo em que tentam se agarrar às poucas raízes que restam.
A época de Natal, para os solitários, depressivos e párias da sociedade, é uma das que mais dói, não apenas pelo frio do interior dos Estados Unidos, mas pela falta de carinho. Tudo o que Sean e Daniel têm é um ao outro e, mais uma vez, é hora de ir embora em busca do que eles próprios nem sabem se será uma ajuda ou mais um revés entre tantos que eles vivem desde a tragédia.
Sabemos que os dois não têm uma boa relação com a mãe desde o primeiro capítulo, mas a chegada na casa dos avós maternos traz a normalidade a tranquilidade incrivelmente bem-vindas, as quais a dupla não sentia há algum tempo. Nem tudo, claro, são flores e, como o nome do episódio indica, certos limites não podem ser ultrapassados e existem regras rígidas a serem cumpridas.
Em nome da tranquilidade e da normalidade, entretanto, tudo é válido. Daniel e Sean encontram uma cama quente para dormir, um quarto aconchegante, pessoas que se preocupam com eles e até fazem um novo amigo, que também é um companheiro antigo de quem joga. Chris, o Capitão Spirit do episódio extra do game, está de volta e, finalmente, entendemos como a história dele se encaixa com a dos dois. Com ele, claro, vêm também os problemas, afinal de contas, estamos falando de Life is Strange, um game em que, como bem sabemos, nada nunca dura.
Mesmo encontrando um teto, ajuda e, possivelmente, um pouco de paz, tudo ainda assim parece esquisito. Afinal de contas, estamos falando de dois fugitivos da justiça abrigados pela parte da família com a qual eles não têm boas relações, um casal de idosos tradicionalista e pilares de uma pequena comunidade. Eles estão no meio do nada e tudo parece bem, desde que eles sigam as malditas regras, que como diz o clichê, foram feitas para serem quebradas.
Os protagonistas são dois adolescentes e, claro, normas desse tipo não representam nada para eles. Eles resolvem ir até o mercado local para mais atividades cotidianas e normais: comprar um pinheiro para Chris montar sua árvore de Natal e um presente para Daniel. Tudo tranquilo, não fosse o fato de o rosto dos dois estarem estampados nos jornais após a morte de um policial em Seattle.
A quebra em outra regra, da qual não falaremos aqui, é uma faca que corta muito mais dolorosamente e perto do peito. E é assim que percebemos, na realidade, o quanto a normalidade faz com que a gente siga em frente, mas, também, pode ser uma ilusão facilmente quebrada. Não que em algum momento tenha parecido que tudo ia ficar ok, mas, por um momento, as coisas estavam, sim, bem. E, novamente, como já é habitual em Life is Strange, tudo desmorona de uma vez só.
Os bugs são o último indício de um desenvolvimento apressado e problemático, que não deixou tempo para polimento das arestas. Felizmente, são falhas pequenas diante do grande foco de Life is Strange 2, que sempre foi o enredo.
As coisas desabam não só para os personagens, mas também para quem os circunda e o próprio jogador que, mais uma vez, se vê responsabilizado por decisões que ele nem imaginava que teriam tal desfecho. Mais uma vez, somos jogados na tristeza do inimaginável e daquilo que não pode ser mudado, ou até pode, mas a gente não sabia disso naquele momento. Mesmo que um veterano de Life is Strange jogue sempre preparado para o pior, o título sempre tem o dom de nos arrebatar. E, mais uma vez, a Dontnod mostra sua força.
Fora do aspecto da própria trama, entretanto, alguns outros elementos também soam esquisitos em Regras. O segundo episódio traz o belo estilo artístico de sempre e a modelagem facial interessante, com destaque para Claire, que chega até a destoar do restante. Entretanto, este também é um capítulo um tanto bugado, um de tantos indícios de que o desenvolvimento passou por seus problemas.
Chama a atenção a estranheza de termos um episódio passado no Natal, e que claramente foi criado para ser jogado naquela época, saindo exatamente um mês depois da data festiva. Tal aspecto se encaixa também com a demora fora do comum entre o primeiro e o segundo episódio, de quatro meses, o dobro do que víamos no primeiro jogo da franquia.
Os bugs são o último indício de um desenvolvimento apressado e problemático, que não deixou tempo para polimento das arestas. Durante nossa experiência, os controles simplesmente pararam de funcionar em um determinado momento, impedindo a continuidade da jogatina até que o joystick fosse desconectado e ativado novamente. Também registrados em nossa transmissão ao vivo do jogo estão o momento em que Daniel atravessa paredes e flutua, além de travamentos nas animações, falhas de movimentação e pelo menos uma situação notável em que personagens desapareceram, para depois se materializarem diante de nossos olhos.
Felizmente, são falhas pequenas diante do grande foco de Life is Strange 2, que sempre foi o enredo. Bugs desse tipo tiram a seriedade e quebram o tom de realismo cotidiano do game, mas não depõem contra o todo maior de uma história que não apenas se torna mais emotiva a cada capítulo, mas também mais complexa.
Ao final, a sensação é que toda a serenidade e tranquilidade de nada valeu e que os problemas de Sean e Daniel são grandes demais para serem resolvidos. E eles se envolvem cada vez mais em uma trama de dificuldades, enquanto a responsabilidade por tudo é colocada em nossos ombros. Mais uma vez, mal podemos esperar pela continuação dessa história, e, também, queremos mais do que nunca que tudo isso acabe bem, de preferência. Mas, de novo, isso aqui é Life is Strange. E sabemos que essa perspectiva é um tanto irreal.
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Square Enix. Esta análise também foi publicada no Canaltech