O calendário de lançamento de Life is Strange 2 é, no mínimo, esquisito para um jogo que, como todos sabemos, se baseia em cliffhangers e decisões difíceis para levar o jogador de um capítulo a outro. O peso de decisões morais complicadas e eventos impactantes se esvazia um pouco quando a Square Enix e a Dontnod levam mais do que três meses entre um capítulo e outro. Afinal de contas, estamos em um mercado agitado e muita coisa pode acontecer ao longo de um trimestre.
Talvez por isso mesmo que Wastelands, o terceiro episódio de Life is Strange 2, também nos leve adiante no tempo. Saímos do desespero de uma fuga nada planejada após a tragédia que recaiu sobre os irmãos Diaz para o que nem de longe pode ser chamado de conforto, mas sim, de uma relativa tranquilidade. A poeira dos eventos de Seattle já baixou para Daniel e Sean, que agora têm um plano e, escondidos, tentam o seguir.
O destino é Puerto Lobos, no México, mas o presente os coloca no meio de uma comunidade hippie e permite até a criação de novos laços, quem sabe, em uma esperança de substituir os que ficaram para trás. Assuntos como proximidade e companheirismo dão o tom do terceiro capítulo, que também pincela temas um pouco mais adultos que não são necessariamente pouco usais para a franquia, mas, aqui, aparecem mostrados de maneira muito mais clara e explícita.
Minigames chatos e repetitivos, papos desinteressantes e a falta de um sentimento de urgência transformaram Wastelands no episódio mais fraco e moroso de toda a série.
Não é a primeira vez que alguém, ao longo de todas as temporadas de Life is Strange, acende um baseado, mas a série jamais nos colocou no centro de uma plantação de maconha e nos fez, efetivamente, fazer parte da linha de produção da droga. Da mesma forma, questões sobre sexualidade aparecem desde o primeiro episódio do game inicial, mas Wastelands trata isso de maneira muito mais explícita e sem amarras, com relacionamentos se formando e até cenas de nudez.
Nada chocante, é claro, a não ser que a Dontnod efetivamente queira causar esse impacto. Da mesma forma em que os laços que se formam entre alguns dos protagonistas de Wastelands chegam a ser singelos, seja pela reação do protagonista ou pela liberdade que faz parte de uma comunidade hippie e que vive sem amarras, esse mesmo caráter descolado chama a atenção para outros elementos. Afinal de contas, nos episódios anteriores de Life is Strange 2, a forma como agimos influencia nas atitudes e entendimento de Daniel sobre o mundo. Aqui, entretanto, o garoto de nove anos também participa da poda da maconha, como qualquer adulto.
Esse é um dos elementos, entretanto, que denota uma mudança de foco para o título. Mais de dois meses depois dos incidentes em Seattle, muita coisa mudou e, claro, seus protagonistas também. Houve amadurecimento, mudanças de perspectiva diante de uma tragédia que obrigou todo mundo a crescer e, principalmente, uma maior formação de personalidades individuais para Daniel e Sean. De alcateia de dois, os irmãos Diaz passaram a fazer parte de um ecossistema um pouco maior e, ao fazerem isso, também se tornaram indivíduos, para o bem e para o mal.
Essa é mais uma das situações infernais em que Life is Strange 2, assim como os outros games da série, tira o controle das mãos do jogador. Por mais que seja um jogo baseado em decisões, incluindo aquelas tomadas pelo usuário nos jogos anteriores, a situação atual demonstra que Sean, mas, principalmente, Daniel, também podem seguir seus próprios caminhos enquanto não estávamos vendo. E, ao contrário da dupla de lobos que adorna as telas de loading do game, eles podem nem sempre correrem juntos.
Até agora, estávamos acostumados com Daniel e Sean Diaz dependendo, unicamente, um do outro para seguirem em frente, mas em Wastelands, essa é a primeira de tantas mudanças. O mais velho se aproximou da jovem Cassidy, se encantando com seus cabelos coloridos, enquanto o garoto é amigo de Finn e admira seu estilo divertido e descolado de ver o mundo. Na mesma medida, os laços de sangue entre os dois começam a mudar pois, como o episódio deixa bem claro logo cedo, certos traumas são difíceis de esquecer.
Da mesma maneira que a vida parece tranquila no meio do mato, mesmo para quem vive às margens da sociedade, os fantasmas dos amigos que ficaram para trás, do atropelamento de Chris e, principalmente, da morte do pai ainda rondam a dupla. E na medida em que tentam formar novos laços, os antigos continuam puxando no sentido contrário, com essa balança complexa de sentimentos levando a conclusões, atitudes e, principalmente, reações.
É mais um daqueles momentos em que Life is Strange 2 traz a história para mais perto de nós, por mais que seu ensejo seja, mais do que nunca, distante e ainda envolvendo, em grande parte, os poderes do pequeno. Reflexões sobre a atitude do outro são feitas e atitude são tomadas de acordo com os pensamentos individuais sem que, efetivamente, exista uma conversa. Sean e Daniel estão mais distantes, apesar de continuarem juntos, e a mudança de personalidade e interesse apenas demonstra cada vez mais um abismo entre a dupla que, na verdade, já dá seus sinais de existência desde o primeiro capítulo.
O papo pesado e cheio de complicações acompanha um dos bons reflexos da demora no lançamento de novos episódios. Os gráficos de Wastelands são os mais polidos da temporada até aqui, principalmente no que toca as expressões faciais e os movimentos dos olhos. O estilo artístico continua prevalecendo, com a melhoria visual não distorcendo uma das características mais bonitas da franquia, mas há, também, um pouco mais de realismo envolvido, o que acrescenta às discussões propostas.
Por outro lado, ao demorar um trimestre para lançar um novo episódio, a Dontnod também parece ter visto a necessidade de dar aos usuários um pouco mais para que eles joguem. Isso se traduz no chatíssimo e demasiadamente longo minigame de poda da maconha, que acompanha um papo simplesmente chato entre os personagens, e conversas secundárias que não adicionam muito ao andamento das coisas.
Existe certa sensação não de urgência, mas de prioridade em alguns eventos dos capítulos, mas em vez de nos deixar seguir direto ao ponto, o título faz questão de interromper, nem sempre adicionando de forma a fazer com que isso valha a pena. Momentos singelos e bonitos, papos que soam relevantes ou atraem a atenção do jogador são interrompidos ou cortados em prol de tarefas cotidianas ou cutscenes obrigatórias.
De alcateia de dois, os irmãos Sean e Daniel Diaz passaram a fazer parte de um ecossistema um pouco maior e, ao fazerem isso, também se tornaram indivíduos, para o bem e para o mal.
Muitas vezes, a vontade do jogador é de seguir em frente, pois algo que soa mais importante está acontecendo. Da mesma forma, e no sentido inverso, informações que o jogador gostaria de saber acabam recebendo pouca atenção, enquanto diálogos nada interessantes assumem o centro do palco. Ao lado das novidades positivas de Life is Strange 2, essa é uma sensação bastante negativa, que torna este o capítulo mais fraco não apenas deste game, mas de toda a franquia.
Essa é mais uma das balanças complicadas de Wastelands. Da mesma forma em que se apresenta como um dos episódios mais arrastados e problemáticos de toda a franquia, é ele, também, o responsável por apresentar alguns dos eventos mais importantes da temporada até aqui, pavimentando um caminho que seguiremos, provavelmente, até o fim. A compensação no desfecho interessa e instiga, além de representar o tipo de cliffhanger caótico a que os jogadores de Life is Strange 2 estão acostumados, mas nunca preparados.
Talvez, ao retornar à situação periclitante dos primeiros dois capítulos, Life is Strange 2 recupere um pouco da forma perdida neste terceiro episódio. E aí retornamos à questão inicial, sobre o calendário de lançamento. Wastelands chegou em 9 de maio, mas sua continuação dará as caras apenas em agosto, mais de três meses depois. Por mais que o gancho seja importante e impactante, chocante até, há um trimestre pela frente até que essa história continue e, até lá, muitos de seus aspectos deixarão de estarem frescos na cabeça dos jogadores.
Os eventos maiores podem até serem lembrados, mas para uma franquia com tanto foco na narrativa, esse não é exatamente um caminho desejável. Acima de tudo, a escolha equivocada em termos de calendário depõe contra a saga de Sean e Daniel Diaz, que fala de questões universais que precisam ser discutidas e questões particulares que fazem a ligação com o dia a dia de qualquer um. Mesmo que você jamais enfrente os dilemas maiores dos dois, e esperamos que não mesmo, é fácil se identificar com eles. Isso, claro, desde que você se lembre dessa dupla.
O jogo foi testado no PS4, em cópia cedida pela Square Enix. Esta análise foi publicada primeiro no Canaltech.