O caminho seguido por Life is Strange 2 é atribulado por si só, quase como uma ligação à própria saga de seus protagonistas, em uma fuga desesperada e nada planejada em busca da inocência. Lançado há mais de um ano, em setembro de 2018, o que começou com força teve uma temporada de altos e baixos marcada, principalmente, pela longa distância entre os capítulos, que minou o impacto de suas mensagens e histórias.
Em meio a um mercado lotado de lançamentos e grandes títulos, quando chegávamos a um novo episódio de Life is Strange 2, sempre quatro meses depois do anterior, nem mesmo nos lembrávamos direito do que tinha acontecido. Ao encerrar essa saga, entretanto, a Dontnod se mostra disposta a marcar, e consegue, entregando um dos capítulos mais poderosos da temporada, daqueles que não tem o menor medo de apontar o dedo ou o colocar na ferida.
Mais uma vez, temos um salto temporal que nos leva sete semanas após os eventos do episódio 4. Em Wolves, vemos Sean e Daniel Diaz em uma comunidade isolada em meio aos cânions do Arizona, a menos de um estado de distância do México, seu destino final. Mais uma vez, laços são criados e desatados quando o que começa com uma calmaria, novamente, se transforma em uma fuga.
Com Wolves, a Dontnod entrega um dos capítulos mais poderosos de Life is Strange 2, daqueles que não tem o menor medo de apontar o dedo ou o colocar na ferida.
Entre o uso dos poderes de Daniel para montagem de uma escultura de sucata e uma pueril caça aos tesouros que lembra os velhos tempos de brincadeiras entre os irmãos, quando tudo parecia mais simples, a desenvolvedora elenca, em conversas com os habitantes desse povoado, que todo mundo tem sua própria jornada e, também, seus conflitos.
A velha máxima de que todos estão lutando uma batalha que o outro não faz a menor ideia de qual é se prova verdadeira em uma das grandes surpresas de Wolves, que aparece logo no primeiro ato deste quinto capítulo. Reencontros inesperados fazem o coração ficar um pouco mais quentinho antes da inevitável partida que coloca Sean e Daniel na última corrida por suas próprias vidas.
Ainda sobre o primeiro ato deste season finale de Life is Strange 2, porém, é importante falar sobre os visuais de encher os olhos. Os irmãos Diaz, como dito, estão em uma região de cânions e a Dontnod aproveita isso para criar alguns dos cenários mais belos e os momentos mais inspirados de toda a franquia. Claro, alguns dos problemas de carregamento de texturas aparecem aqui e ali, mas o resultado, de maneira geral, é de encher os olhos.
Tudo isso serve para criar um sentimento de contemplação e, principalmente, melancolia. Toda a saga dos irmãos, que tiveram que deixar sua casa às pressas após um acidente, está relacionada à fuga para o México, em busca da liberdade, mas também, com a reconstrução da própria moradia. E ela foi encontrada em diferentes momentos, e da mesma forma, também teve que ser abandonada por circunstâncias, muitas vezes, fora da capacidade da dupla.
É a mesma dinâmica que vemos desde o começo da temporada, aqui em seu maior e melhor multiplicador. Da mesma forma que o bem parece ser a palavra de ordem no começo de tudo, a segunda metade de Wolves faz questão de nos lembrar da realidade, que vem como um soco bem dado por um punho de ferro.
Ao seguirem em sua jornada final, Sean e Daniel Diaz, mais uma vez, entram em contato com o que há de pior no ser humano. Não que alguém tenha se esquecido disso, mas o quinto capítulo faz questão de lembrar a posição de vulnerabilidade e dificuldade extrema em que eles se encontram. Eles são americanos, mas de descendência latina, e acusados do assassinato de um policial. A pior situação possível para se estar em um país que faz questão de demonstrar isso.
A realidade fantástica aparece para deixar isso claro quando Sean e Daniel se deparam com o que parece ser seu último obstáculo, o muro. A Dontnod deixa pouco para a interpretação quando coloca o pequeno para usar seus poderes e derrubar a barreira, liberando o que parece ser um caminho livre e ensolarado para a liberdade. O mundo real, porém, entra em jogo para mostrar que atos desse tipo jamais sairiam impunes.
E é aí que começam os discursos que, frustrantemente para muitos jogadores, pareciam terem sido deixados de lado nos capítulos anteriores. A desenvolvedora não massageia nada e, em seu roteiro, faz questão de demonstrar que as chances nunca estiveram tão desfavoráveis para a turma de fugitivos e que atitudes que fujam da normalidade pervertida ventilada por alguns cidadãos dessa América que passa longe do sonho não serão toleradas.
Além disso, claro, temos os desígnios da própria trama, com a irmandade renovada da dupla de protagonistas ao longo de toda a temporada servindo como o fio condutor do capítulo derradeiro. Daniel é poderoso e, aqui, faz pleno uso disso, mas o jogador rapidamente percebe, também, que suas decisões importam mais do que nunca e que, o que já era ruim, sempre pode piorar.
Os belos gráficos do primeiro arco do finale de Life is Strange 2 logo dão espaço para um soco bem dado pela mão de ferro da realidade. A dinâmica é a mesma dos anteriores, mas não ficou velha.
Isso se prova verdade mais de uma vez em um curto prazo, com a produtora parecendo manter um bom equilíbrio entre o discurso, com direito a opções que falam mais sobre o caráter do jogador do que dos próprios protagonistas, e o andamento da trama. A bola cai uma única vez, infelizmente, no momento mais importante, levando a um desfecho que é poderoso como todo o episódio, mas acaba motivado por atitudes que podem quebrar a relação tão próxima entre jogador e personagens.
Life is Strange 2 troca as viagens do tempo do primeiro por uma telecinese, mas como gostaríamos de poder voltar, como Max fazia. Mostrando sua excelência em jogos narrativos e baseados em escolhas que efetivamente mudam as coisas, a Dontnod faz aqui um compilado de todas as decisões relacionadas à jornada dos dois irmãos para abrir nada menos do que sete finais possíveis. E quem tem experiência sabe que não dá para esperar um desfecho absolutamente feliz.
Ao entregar o final, a empresa felizmente não repete o encerramento maniqueísta do primeiro game da série, mas também ensina uma lição importante. Assim como no caso de Sean e Daniel, muitas das circunstâncias deste final estão acima das capacidades do próprio jogador, que por mais que tenha que tomar uma decisão definitiva, verá todos os seus atos do passado colocados em ação quando as coisas saem do controle, como quase sempre acontece.
Finalizando sua obra, também, a Dontnod mostra o que a tornou tão relevante desde o início, por mais que o caminho seguido de lá até aqui não tenha sido dos melhores. Ficam lições tanto para quem joga quanto, esperamos, para quem produz, em um game difícil de engolir pelos motivos certos, mas que poderia ter sido muito maior se não fosse uma estratégia errada. Vida longa aos Lobos, e nos vemos por aí, quem sabe…
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Square Enix. Este review também foi publicado no Canaltech.