A essa altura do campeonato, já estamos cansados de saber que Life is Strange não é uma história feliz. Ela, sim, nos enche de amor e ternura, ao mesmo tempo em que soca ferozmente a nossa cara com uma dose de realidade cavalar. Chega a soar estranho, então, que o segundo capítulo do prequel Before The Storm siga o caminho inverso.
Não que as coisas terminem bem, já que, como dito, isso é Life is Strange. Mas em vez de seguir uma trajetória descendente, como o primeiro, este faz o inverso. Começamos com a protagonista Chloe Price próxima do chão, sangrando (não literalmente), e aos poucos vamos a vendo se reerguer enquanto ressignifica sua própria vida e todas as mudanças que aconteceram com ela nos últimos dois dias.
É, mais uma vez, uma história que se relaciona com todos nós, mais uma vez, a grande força da franquia como um todo. Quem nunca teve problemas em casa, perdeu entes queridos incrivelmente próximos ou viu a vida virar de cabeça para baixo em um minuto, de forma injusta? Ao mesmo tempo, que atire a primeira pedra aquele que nunca se apaixonou e, de repente, viu esse sentimento superar todo o resto e fazer com que tudo pareça estar leve e simples novamente.
É justamente essa miríade de emoções que faz com que, definitivamente, o game desenvolvido pela Deck Nine afaste, agora, definitivamente, a ideia de antes de seu lançamento. O temor anterior à chegada do primeiro episódio era de estarmos diante de um caça-níqueis, produzido por uma equipe que não a original para um jogo que não precisa de uma sequência. Depois, com o lançamento do capítulo inicial, uma possível ideia de que a história não teria a mesma consistência e profundidade.
Em Admirável Mundo Novo, entretanto, Life is Strange: Before the Storm se firma como um produto legítimo. E há, inclusive, quem argumente que ele é até mesmo melhor que o antecessor, pelo trabalho bem feito de sua desenvolvedora e, principalmente, a força de suas protagonistas.
Life is Strange: Before the Storm se firma como um produto legítimo. E há, inclusive, quem argumente que ele é até mesmo melhor que o antecessor.
Dá para entender o motivo disso. Já passamos do deslumbre inicial do primeiro capítulo, no qual Chloe conhece Rachel. Mesmo que um dia, apenas, tenha se passado, a protagonista parece mais madura aqui, é capaz de travar diálogos sem se perder nas palavras e, acima de tudo, questionar a nova companheira quando necessário.
Ela também aparece mais rebelde do que nunca, muitas vezes até mesmo passando da conta, principalmente na relação com a mãe. É interessante notar que, apesar de efetivamente controlarmos a protagonista e suas decisões, não estamos em pleno comando dela. Em Admirável Mundo Novo, ela toma atitudes que não necessariamente são a melhor solução para os problemas, mas também se mostram completamente compreensíveis.
Não dá para julgá-la, pois como dito, ela passa por uma situação plenamente real. Quando todo o mundo parece estar de ponta-cabeça, ela se agarra ao único resquício de normalidade e alegria de sua vida, a presença de Rachel.
Em um aspecto que pareceu meio deixado de lado no primeiro capítulo, Admirável Mundo Novo surge lotado de referências – enquanto as da primeira temporada de Life is Strange eram a filmes, séries, músicas e literaturas, as desta são ao próprio universo. Mais uma prova de que a desenvolvedora Deck Nine está fazendo a lição de casa direitinho.
Isso se dá em diversos momentos. Existem os menores, como o estoque gigante de feijão enlatado do traficante Frank ou o foco rápido na pulseira de Rachel Amber, que pode protagonizar uma das decisões importantes, ou os maiores, como o fato de Chloe aparecer vestida como um pássaro azul na montagem de Tempestade, de William Shakespeare. Esta é, inclusive, uma das cenas de maior significado da temporada até agora e também uma das mais bonitas de toda a franquia.
Quando todo o mundo parece estar de ponta-cabeça, Chloe se agarra ao único resquício de normalidade e alegria de sua vida. E, de repente, tudo parece estar bem de novo.
Uma das decisões mais pesadas de Before the Storm também aparece aqui. Pior, ela acontece sem que o jogador saiba exatamente o reflexo de cada uma de suas decisões, que podem gerar um resultado imediato e completamente negativo. Resta apostar no feeling e, mais uma vez, sentir falta dos poderes de viagem no tempo de Max, na primeira temporada.
Admirável Mundo Novo é um dos capítulos mais cheios de eventos da franquia, por mais que alguns momentos deixem um pouco a desejar. É o caso, por exemplo, do jantar na casa de Rachel, cujos pais subestimam Chloe por sua condição financeira e situação familiar. Fazê-la ficar indo e voltando em busca de pratos ou taças de bebida é uma maneira preguiçosa de mostrar que os Ambers a olham com desdém, algo que fica claro desde o começo do episódio e poderia ser evidenciado de formas mais sutis e rápidas, para que a trama pudesse continuar.
Se no primeiro capítulo acompanhamos o nascimento de um dos relacionamentos de maior importância no universo de Life is Strange, aqui vemos seu florescer. Observar o sorriso no rosto de Chloe sempre que ela interage com Rachel – e notar que isso é recíproco – traz um calor ao coração de qualquer um, mas principalmente, àqueles que já são apaixonados por essas personagens.
E, acima de tudo, um corvo espreita tudo. Ele aparece em um dos sonhos da protagonista e também em diferentes momentos do episódio, sempre de olho. Sempre um lembrete do que está por vir e de que não dá mesmo para ser feliz nesse universo.
Se pelo menos pudéssemos avisar as duas sobre o que vai acontecer e o triste destino que as aguarda. Ou, então, simplesmente aconselhá-las a curtir ao máximo o momento em que estão e a presença ao lado da outra, pois tudo está prestes a ir para o inferno. Mas, aqui, está nossa maior impotência enquanto jogadores. Só nos resta segurar firme e nos prepararmos para o pior que, sabemos com certeza, ainda está por vir.
O jogo foi testado no PlayStation 4.