As grandes histórias, cenas épicas e construções interessantes acompanham a história recente da desenvolvedora Crystal Dynamics. Estamos falando da empresa que nos trouxe uma nova versão de Tomb Raider em uma trilogia desbalanceada, mas instigante, responsável também por alavancar o interesse quando a Square Enix anunciou a empresa por trás de um novo game dos Vingadores. A expectativa era alta, mas a realidade é que Marvel’s Avengers não se parece um game que veio das mesmas mãos responsáveis pela nova faceta de Lara Croft.
Não se trata, apenas, da questionável ideia de deixar a narrativa e as grandes cenas épicas de lado, mas sim, do fato de o novo game dos heróis da Marvel parecer não saber exatamente o que deseja ser. O foco em uma mecânica de jogo de serviço, com cauda longa, atualizações de conteúdo e foco no multiplayer cooperativo é óbvio, mas ao mesmo tempo, o título parece não abraçar tais dinâmicas completamente em prol de uma campanha que não entrega tudo o que sabemos que a Crystal Dynamics é capaz de fazer.
Avengers parece não estar a par dos desafios técnicos e visuais impostos a si mesmo. Atualizações posteriores devem trazer melhorias, mas no momento de seu lançamento, provavelmente o mais importante, o game deixa muito a desejar.
Depois de um começo incrível, com uma batalha na ponte Golden Gate, em São Francisco, abrindo o caminho para uma história de opressão e representatividade contra forças corporativas do mal, o jogador é jogado em uma sucessão de missões pouco inspiradas, com objetivos e inimigos repetitivos. Marvel’s Avengers, ao longo das quase 10 horas de sua campanha central, até tenta respirar e mostrar a que veio, mas acaba com um todo chato, nada criativo e, principalmente, insuportavelmente repetitivo, tanto em seu cerne quanto na demonstração de sua falta de polimento e cuidado.
A experiência passa a impressão de um desenvolvimento atribulado, quase como se o título tivesse começado a ser desenvolvido com uma determinada ideia para mudar de direção no meio do caminho. O resultado de Marvel’s Avengers é um jogo que não aproveita as capacidades que possui nem abraça de verdade o estilo que apresenta, seja ele o de um jogo de serviço ou de um título narrativo. Ao ficar no meio do caminho, acaba decepcionando a todos os jogadores, estejam ele buscando um caminho ou o outro.
Em vez de Tony Stark, Thor ou Bruce Banner, Marvel’s Avengers prefere ter Kamala Khan como personagem central. Ela serve tanto como um sangue novo para a própria história, que traz os Vingadores separados e destruídos após os eventos traumáticos de São Francisco, quanto como um avatar do próprio jogador e uma forma de nos introduzir devagar e de forma orgânica a um universo estabelecido e muito maior.
No chamado Dia A, uma missão fracassada dos heróis transformou a cidade americana em uma zona restrita e milhares de pessoas foram transformadas em Inumanos após a queda do porta-aviões dos Vingadores, que testava uma forma de energia alternativa. Khan é uma dessas vítimas, mas não se vê como tal; pelo contrário, ela jamais perdeu a esperança e é com base nela que acaba encontrando um fiapo de conspiração nos eventos de cinco anos antes, que acaba por unir os heróis novamente.
É de uma batalha épica e que ecoa totalmente aos momentos que vivemos nos cinemas que somos jogados no coração das mecânicas de Marvel’s Avengers, que não correspondem à empolgação inicial. Em um primeiro momento, o título chega a lembrar outra franquia querida da Marvel, a série Ultimate Alliance, mas logo essa noção também cai por terra quando notamos que, após uma pequena história introdutória, estamos diante de algo muito aquém do esperado e do que é montado pelos momentos iniciais e o começo da jornada de Khan.
O game parece não saber exatamente o que deseja ser. O foco em uma mecânica de jogo de serviço é óbvio, mas ao mesmo tempo, o título parece não abraçar isso completamente em prol de uma campanha que não entrega tudo o que sabemos que a Crystal Dynamics é capaz de fazer.
A luta para provar a verdade e reunir os Vingadores encontra como obstáculo a AIM, que incorporou o que restou da SHIELD e da Stark Industries para impor uma ordem pela força e perseguição aos inumanos, nos quais é aplicada uma violenta cura para o que chamam de doenças. Ao longo dessa batalha pela verdade, momentos fortes e importantes saltam aos olhos, como a invasão da Viúva Negra a uma prisão dos mutantes, que serve como introdução da personagem, ou o diálogo entre Tony e Bruce, ainda não se entendendo em um momento no qual tudo o que precisamos é união.
As piadas e os diálogos também levam a história adiante, assim como as mensagens de representatividade e pertencimento embaladas por um elenco de qualidade tanto na versão localizada para o português quanto no original em inglês, ambos elencos com vozes conhecidas dos fãs e que adicionam a um trabalho visual bem feito, nas cutscenes. Há de se levar em conta, porém, a estranha decisão de não traduzir os nomes dos heróis para nosso idioma, da mesma forma que aconteceu com o recente game do Homem-Aranha para PS4. Ouvir Avengers, Black Widow e Abomination em meio a falas em nossa língua nunca deixa de soar estranho.
O problema, que também se aplica à permanência da localização, está na desastrosa parte técnica do título. Mais do que os robôs da AIM, jogar Marvel’s Avengers parece ser o maior obstáculo à frente dos heróis da Casa das Ideias. O game traz uma mistura de dificuldade desbalanceada com uma repetição absurda de objetivos e um caos, no mau sentido, em seus combates corriqueiros, que rapidamente se transformam em uma maçaroca desorientadora. A cada momento interessante, como uma visita à casa de infância de Tony Stark ou a um satélite espacial na órbita da Terra, temos uma parede de obstáculos formada por sequências de combate sempre iguais em ondas que parecem não ter fim, envolvendo dominar um local, destruir geradores ou enfrentar hordas até o fim.
O título até tenta, e consegue, variar os cenários e ambientações, bem como conta com uma árvore de habilidades grande e individual a cada protagonista, mas sempre vai apresentar desafios idênticos em sucessão, resolvidos das mesmas formas, ainda que cada herói tenha suas próprias características, poderes e estilo de combate, aparecendo bem representados em duas peculiaridades e personalidades, ainda que exploradas de forma simplória na trama.
Ao usuário, cabe escolher seu preferido e seguir em uma experiência que, não importa qual seja a seleção, deve acabar se resumindo a pressionamentos sucessivos de botões de ataque e muito ódio quando a tela simplesmente for tomada de elementos, sem que não seja possível enxergar o que está acontecendo. A ideia de que os heróis podem estar fracos para os objetivos a seguir fica clara, exigindo uma visita às missões adicionais que apenas adicionam ao marasmo e, em muitos casos, ao martírio.
Fica difícil indicar qual dos elementos técnicos mais incomoda em Marvel’s Avengers, mas para muitos, com certeza, será a taxa de quadros por segundo inconstante. As quedas são frequentes, principalmente nos múltiplos momentos em que a tela é tomada de inimigos, e nas cenas mais críticas, principalmente nas que antecedem o final do game, o título chega a travar. Usamos o PlayStation 4 base para nosso processo de análise, o que deixou ainda mais claros os problemas de otimização do jogo.
Bugs que impedem o progresso também servem como um inimigo maior do que qualquer robô de combate da AIM. Em nossos testes, uma missão ainda nas primeiras horas envolvida permanecer em um círculo indicado no cenário até que Jarvis, a inteligência artificial dos Vingadores, hackeasse o sistema. Pense na missão como uma fase de conquista de território em Overwatch ou Battlefield, e entenda o desespero quando os oponentes sempre começavam com 90% de domínio, dando pouquíssimo espaço para manobra. Não se trata de uma característica da missão, e sim, de uma falha no game, que tornou cumprir o objetivo quase impossível.
Ao longo da aventura, serão incontáveis as vezes em que prompts de interação com painéis ou objetos não aparecerão ou que uma onda de inimigos que devem ser derrotados como objetivo obrigatório não carregará. Acostume-se a personagens saltadores presos nos cenários ou portas que não abrem, mas escondem loot do outro lado. E em quase todas as vezes em que o jogo bugar, será necessário fechar e abrir de novo, o que também significa repetir os objetivos já cansativos novamente.
Fica difícil indicar qual dos elementos técnicos mais incomoda em Marvel’s Avengers, mas para muitos, com certeza, será a taxa de quadros por segundo inconstante.
Ao ligar o console e iniciar Marvel’s Avengers com a dublagem em português, lembre-se de, antes de começar, ir à tela de configurações para ativar o idioma inglês e, depois, retornar ao nosso, caso contrário, todos os personagens passarão a falar na língua original. Caso não tenha serviços que fazem o backup de saves na nuvem, é melhor ter um pendrive à mão para não correr o risco de ter seus dados corrompidos e se ver obrigado a começar tudo de novo.
Mesmo quando as mecânicas funcionam, o título da Crystal Dynamics se transforma rapidamente em uma bagunça completa. Impressionantemente, a empresa entrega a promessa de que é possível jogar sozinho tanto quanto com os amigos, trazendo uma IA responsiva para os companheiros controlados pelo computador. Entretanto, nem mesmo toda a força dos Vingadores poderá fazer algo quando todos os oponentes sabem quem é o jogador ou não, atacando apenas ele e o espancando de um lado para o outro sem possibilidade de reação.
Hora, então, de rever a lista de equipamentos disponíveis, como se um prompt gigantesco na interface poluída não fosse lembrança o suficiente com sua insistência de interromper diálogos e legendas para indicar que existem itens de poder mais elevado no inventário. Ao jogador, cabe deixar de lado a frustração de que todos aqueles braceletes, armaduras e luvas biônicas não geram alteração nenhuma nos protagonistas, com a sensação de evolução nos poderes deles sendo meramente numérica. Você percebe que está mais forte quando os inimigos morrem mais rápido, mas não colhe os louros dessa evolução em mudanças reais.
As alterações de aparência acontecem por meio do cumprimento de objetivos e missões adicionais, enquanto, como não poderia deixar de ser, o dinheiro de verdade também pode ser usado para acelerar esse progresso. Aqui, porém, mais um ponto positivo para a Crystal Dynamics que, apesar do foco em tornar Marvel’s Avengers um jogo de serviço, não caiu no abismo fácil de o transformar em uma experiência pay-to-win. Pacotes gratuitos de expansão com novos personagens e o fato de este não ser um game competitivo ajudam nesse sentido, tirando um pouco do gosto amargo trazido pela abordagem.
Acabar com esse sabor completamente, porém, é tarefa difícil para um game que parece não estar a par dos desafios técnicos e visuais impostos a si mesmo. Há de se levar em conta que, em um título de cauda longa, atualizações posteriores não apenas trarão novos conteúdos como, também, melhorias de performance. No momento de seu lançamento, provavelmente o mais importante de toda essa jornada, Marvel’s Avengers deixa muito a desejar, ainda que a gente perceba que, no fundo, ele poderia ser muito maior se as decisões adequadas tivessem sido tomadas.
O jogo foi testado no PS4, em cópia cedida pela Square Enix. Esta análise também foi publicada no Canaltech.