Far Cry Classic

Far Cry Classic

por Felipe Demartini

Memórias de férias distantes

Há dez anos, a Ubisoft se unia a uma ainda iniciante Crytek para criar Far Cry, título que misturava uma história de ficção científica e conceitos de manipulação genética com a sobrevivência na selva de filmes como “Rambo” ou “Predador”. O sucesso foi gigantesco e a franquia arrebanhou uma multidão de fãs, dando origem a sequências e spin-offs.

Avance a fita para 2012, quando temos o lançamento de Far Cry 3 e seu mundo aberto, onde o turista Jason Brody aprende a sobreviver com violência enquanto escapa das garras de Vaas, um dos melhores vilões dos games recentes. O título foi considerado um dos melhores do ano e ganhou ares ainda mais interessantes com sua expansão, Blood Dragon, que utilizava a mesma forma mas a aplicava às galhofas da ficção científica dos anos 80.

Foi se aproveitando desse sucesso que a Ubisoft decidiu lançar a coletânea digital Far Cry: Wild Expedition e, com ela, anunciar uma remasterização do primeiro título da franquia. Com Far Cry Classic, a empresa pretende dar aos jogadores um olhar sobre como tudo começou e permitir que os jogadores de consoles também tivessem acesso às origens de tudo. O problema é que, da mesma maneira que as viagens que fizemos quando crianças, esse tipo de revisita nem sempre é interessante.

Parceiro oculto

Ao contrário do que se espera de uma remasterização de um game com dez anos de idade, Far Cry Classic tem um desempenho abaixo do visto em seu lançamento original.

Quando se fala em Crytek, as imagens que vem à cabeça são da excelência gráfica da série Crysis, com os visuais de explodir a cabeça e torrar placas de vídeo. Tais aspectos também estiveram presentes em Far Cry, game que surpreendeu a todos com a gigantesca draw distance vista na paradisíaca ilha e a quantidade de elementos como casas, pedras, árvores e todo tipo de aspecto natural para compor o ambiente.

Na remasterização, porém, o nome da Crytek acabou sendo completamente omitido. E no que poderia parecer uma sacanagem em um primeiro momento, com certeza virou motivo de comemoração quando os executivos da empresa viram que seu nome passou longe de uma versão com desempenho tão baixo e diversos problemas gráficos.

Ao contrário do que se espera de uma remasterização de um game com dez anos de idade, Far Cry Classic tem um desempenho abaixo do visto em seu lançamento original. Nos consoles, o título roda a menos de 30 quadros por segundo e ainda apresenta quedas frequentes nessa contagem, enquanto texturas demoram a carregar e tornam o pop-in o pior inimigo do jogador.

Memórias de férias distantes

Não serão raras as vezes em que você verá seu personagem travado em uma barreira invisível, percebendo momentos depois que ali está uma pedra ou caixa que, por qualquer motivo, não foi carregada com o restante do cenário e precisou de mais alguns segundos para “surgir”. Em outros, você estará se aproximando furtivamente de uma base inimiga quando tem seu plano de visão totalmente bloqueado por plantas que parecem ter acabado de nascer.

Já os visuais dos personagens passam uma impressão de preguiça. Claro, não dá para esperar visuais refinados de um título de 2004, mas Far Cry Classic simplesmente aumentou a resolução das texturas e transformou os personagens já quadradões em algo ainda mais bizarro, sem nenhum tipo de sutileza ou suavidade. Essa remasterização não faz questão de esconder suas raízes, mas aqui, faz isso de uma forma ruim.

Esqueça a precisão e parta para a porrada

Far Cry Classic marca a primeira vez que o game original da série chega aos consoles. Tal novidade, claro, exigiu modificações no sistema de comandos, em uma tentativa da empresa de aproximar a fórmula não apenas de seus irmãos mais recentes, mas também da dinâmica geral dos jogos de tiro em primeira pessoa.

O que pareceu preguiça quando se toca a parte gráfica também surge aqui como um problema. Uma equipe competente de testes poderia ter facilmente percebido as falhas no sistema de controles, com atraso na resposta aos comandos e um sistema pouco prático para troca entre granadas e armas.

Um sistema de saves bastante invasivo interrompe a ação a cada meia dúzia de passos dados pelo personagem. Muitas vezes, a gravação de checkpoints é ativada em meio às cenas de ação, causando um travamento de alguns segundos e não apenas prejudicando o jogador, como cortando o clima de combate e destruição que tornou Far Cry um título tão significativo. É mais um daqueles aspectos da remasterização que não dá para entender, levando-se em conta o poder superior dos consoles e PCs em relação ao lançamento original do game.

Mas o pior de tudo são as tão mal faladas deadzones, que constituem o terror de quem gosta de ser preciso em jogos de tiro. Experimente mover o analógico apenas alguns milímetros para perceber que o personagem não corresponde ao comando, e apenas modifica a mira quando a inclinação já é grande demais para o ajuste necessário. Usar assistência de mira é coisa de criança, mas em Far Cry Classic, ela será de grande ajuda.

Memórias de férias distantes

Tais aspectos tornam a furtividade tão importante em Far Cry 3, por exemplo, em um fator dispensável. O título, efetivamente, se tornará mais difícil caso você tente passar pelos inimigos sem ser percebido. O melhor é aproveitar a imbecilidade da inteligência artificial, que parece ainda pior nessa remasterização, e sair atirando em tudo e todos, enquanto os inimigos correm para lá e para cá como animais assustados.

Shooter das antigas

Mesmo com todos esses problemas, Far Cry Classic pode se tornar interessante para quem é fã de jogos de tiro em primeira pessoa e quer conhecer um dos títulos que ajudaram a definir o gênero. Elementos que não existem mais nos títulos de hoje, mas eram padrão antigamente, aparecem aqui e ajudam a relembrar que morrer nem sempre era algo tão simples.

Quem passou horas em frente ao computador durante o final dos anos 90 e o início da década seguinte ainda será capaz de enxergar além das muitas falhas de Far Cry Classic e relembrar os velhos tempos.

O cuidado com a quantidade de munição deve ser constante, mas não é mais importante que a atenção ao nível de energia. O primeiro Far Cry, como a maioria dos outros jogos de sua época, não apresenta regeneração automática, ou seja, cada tiro sofrido pode significar a diferença entre viver ou morrer mais adiante. O sistema de checkpoints tenta mitigar um pouco essa preocupação, mas ainda assim, ela se mostra bastante presente.

Aqui também não existem longas e explicativas cutscenes, com boa parte do desenvolvimento do enredo acontecendo de maneira simultânea à jogabilidade. Isso dá a impressão de que o jogador participa mais ativamente da história e não está simplesmente participando de cenas de ação desconexas que devem ser completadas de forma a habilitar a continuação da história.

Quem passou horas em frente ao computador durante o final dos anos 90 e o início da década seguinte ainda será capaz de enxergar além das muitas falhas de Far Cry Classic e relembrar os velhos tempos. Ainda assim, todos os problemas transformam a experiência de saudosista em irritante muito rapidamente. Você provavelmente não vai conseguir passar horas jogando esse game ininterruptamente.

De maneira geral, vale como curiosidade e, no máximo, um presente não muito interessante para os fãs. Mas o jogador, com certeza, vai sentir mais vontade de voltar a Far Cry 3 do que permanecer na ilha paradisíaca dessa remasterização.

Este jogo foi testado no PlayStation 3.