The Evil Within chegou ao mercado envolto em discussões. Seu criador, Shinji Mikami, falava em alto e bom som que criou o game – seu último na cadeira de diretor – como uma forma de trazer o saudoso Survival Horror de volta aos video games. Por outro lado, há quem diga (eu inclusive) que o movimento de ação que potencialmente acabou com o terror nos jogos foi iniciado por ele mesmo, em Resident Evil 4, que mudou totalmente as bases da outrora principal série do gênero no mercado.
Dez anos se passaram e o destino de RE é um assunto já amplamente discutido e que não cabe aqui. Mas agora temos The Evil Within nas mãos e dá para dizer em alto e bom som: o terror voltou! Shinji Mikami está de volta, em melhor forma e trazendo de volta lembranças que nem sabíamos ter saudade. Por outro lado, voltando com elas também aquelas que deveriam ter sido deixadas para trás, pois ninguém sentia falta delas.
Se tivesse sido realizado por outra pessoa, The Evil Within poderia ser considerado como uma grande homenagem à vida e obra de Shinji Mikami. Como foi feito pelo próprio, exibe a clara predileção do criador por determinados temas, que estão presentes em seus títulos desde os primórdios de Resident Evil.
Estão aqui, por exemplo, os inimigos ágeis e implacáveis, mas ao mesmo tempo previsíveis e debilitados. Também aparecem as cenas em que o terror vem de dentro do próprio protagonista, como uma infecção ou uma maldição. Temos os cenários fechados e claustrofóbicos e também as áreas abertas que são, ainda assim, sinônimo de clausura. Vilas devastadas, instalações destruídas e um clima de desolação assombram todo o título. Rolam até mesmo as salas de save, com musiquinha e tudo.
Os erros presentes nos jogos anteriores também aparecem aqui. Assim como em RE4, existem os momentos em que o terror e tensão são substituídos por uma ação quase descerebrada. Temos também momentos repetitivos e cenários que parecem sempre iguais, com poucas características únicas. Tais momentos não são exceções, mas felizmente, constituem porções pequenas da experiência completa.
Absolutamente qualquer coisa está ali para te matar e nada é o que parece. Você pode apenas seguir em frente, esperando que tudo aquilo, algum dia, chegue ao fim.
Quem jogou Resident Evil 4, o remake do primeiro game da série ou Shadows of the Damned vai se sentir totalmente em casa. Mas nunca, jamais, sabendo o que esperar. The Evil Witihin pode ser uma grande mistura de gêneros, ideias e concepções já exploradas por Mikami, mas ele, pelo menos em termos de jogabilidade, nunca é previsível.
É aqui, inclusive, que está sua principal característica. A mistura de assuntos já abordados antes podem até dificultar que o título tenha uma identidade própria, mas com certeza, não diminuem seu valor quando o assunto é o terror. Se você disser que, em nenhum momento ficou tenso, caiu em uma armadilha, passou um perrengue com um inimigo mais poderoso ou simplesmente teve vontade de jogar o controle na parede, desculpe, mas você está mentindo.
O grande trunfo de The Evil Within pode ser, para muita gente, também uma de suas principais falhas. Desde o início do primeiro capítulo, o jogador é levado em uma espiral de loucura, violência e muito metal afiado, tudo isso temperado com sangue, armadilhas e corpos destroçados. Absolutamente qualquer coisa está ali para te matar e nada é o que parece. E você, na pele do detetive Sebastian Castellanos, pode apenas seguir em frente, esperando que tudo aquilo, algum dia, chegue ao fim.
O problema disso é que The Evil Within aposta apenas no “terror pelo terror”, sem apresentar uma trama poderosa que sirva como plano de fundo para tudo e possa tornar as coisas ainda mais assustadoras. Existe uma trama sim e ela é contada não apenas pelas cutscenes, mas também por arquivos encontrados no game e sutilezas nos cenários, diálogos e situações pelas quais o protagonista passa durante o game.
Quem jogou Resident Evil 4, o remake de RE1 e Shadows of the Damned vai se sentir totalmente em casa.
A questão é que tudo isso é costurado apenas por um pequeno fio. Por mais que o jogador consiga enxergar coincidências e até mesmo temas comuns, como o fogo ou a queda, há muito pouco de enredo para ligar uma coisa à outra e a história só começa a ser contada de verdade da metade para o final do título.
Temos aqui, então, o lado negativo de simplesmente seguir em frente. É claro que agir sem saber o que está adiante nem o que está acontecendo é um dos elementos principais do horror – e até uma característica teórica para o Survival Horror. Por outro lado, quando esse tipo de experiência começa a se estender por um jogo com mais de uma dezena de horas, é fácil deixar que os temas comecem a se repetir e as interrogações comecem a tomar o lugar da tensão, deixando tudo um tanto quanto vazio.
Sendo assim, The Evil Within acaba se assemelhando mais a uma montanha russa do que a uma experiência densa, pelo menos em termos de história. Os sustos são diversos e os momentos épicos, também. Mas não espere tirar algo mais profundo de tudo isso além destas sensações propriamente ditas.
Vamos voltar ao já citado fato de que tudo, em The Evil Within, está lá para te matar, pois é exatamente assim que as coisas funcionam. O game traz uma sucessão de momentos de tensão e morte iminente, de forma que Castellanos não tenha um minuto de sossego. Acabou de matar aquele boss gigantesco? Pois fique atento que logo mais vem aí uma horda de demônios arrancar a sua cabeça, ou então, uma armadilha será ativada para acabar com a sua vida.
A tela vermelha que indica a morte do protagonista será vista por você inúmeras vezes, e pelos mais diferentes motivos. Mas ao contrário do que se pode imaginar, não temos aqui um game punitivo. As mortes causadas por inimigos ou elementos do cenário existirão em gigantesca quantidade, mas você sempre cairá sabendo que poderia ter agido diferente e que aquilo só aconteceu por incompetência sua. “Agora vai”, você vai dizer, antes de morrer novamente ou, então, passar do trecho e ser assassinado logo na sequência.
A mistura de assuntos já abordados antes podem até dificultar que o título tenha uma identidade própria, mas com certeza, não diminuem seu valor quando o assunto é o terror.
Isso torna a jogabilidade de The Evil Within quase como um jogo de tentativa e erro. Foram inúmeras as vezes em que gastei toda a munição em um monstro antes de descobrir que balas eram simplesmente ineficazes. Então, aproveitei o restinho de vida que ainda tinha para andar pelo cenário em busca de esconderijos de itens, alavancas escondidas ou outros meios de seguir adiante, votando mais preparado na próxima vez. É um nível de desafio que há muito não se via.
Esse elogio, porém, só vale para 90% das vezes. Existem, sim, os momentos punitivos, em que Shinji Mikami perdeu a mão. Um exemplo disso acontece quando Ruvik, um dos principais antagonistas, utiliza um poder de teleporte para saltar pelo cenário e perseguir o personagem. Correr dele não significa segurança, já que em muitos momentos, ele é capaz de aparecer ao lado do protagonista, sem que o jogador possa fazer nada a não ser morrer. Felizmente, essa mecânica aparece apenas uma vez e é o único momento em que simplesmente não há o que fazer para evitar a tela vermelha.
Aqui, cabe também uma outra crítica relacionada à jogabilidade. Todo mundo sabe que uma das bases do Survival Horror é o conceito de vulnerabilidade, com o jogador sabendo, o tempo todo, que está em uma posição de inferioridade em relação a seus inimigos. Os oponentes são sempre mais fortes, bem preparados e violentos do que você. Essa característica é usada e abusada em The Evil Within. Muitas vezes, ela fará com que você se encolha pelos cantos, tentando passar furtivamente pelos inimigos para economizar munição, ou corra desesperadamente para fugir quando perceber que suas balas acabaram.
Em outros, porém, fará com que você passe raiva pela falta de leveza nos controles, uma herança que vem desde os anos 90 e sua jogabilidade tanque. Golpes físicos, por exemplo, estão totalmente fora de questão, não apenas por serem inúteis contra ameaças do inferno, mas pelo fato do protagonista demorar muito para realizá-los. Não, eu não gostaria de sair na porrada com os zumbis, mas não seria nada mal contar com um ataque que permitisse afastá-los de mim, abrindo espaço para um tiro bem dado ou a fuga.
É melhor pensar bem antes de fugir por uma porta, já que você perderá totalmente o controle do personagem por alguns segundos, enquanto ele realiza a ação. Nesse meio tempo, inimigos podem se aproximar, atacar e até te matar, acabando completamente com a vantagem estratégica. Coletar itens que podem ser a salvação também é uma ação a ser feita com cuidado devido à lentidão nos movimentos de Castellanos, mais uma vez deixando-o à mercê dos oponentes. Leve isso em conta na sua estratégia de confronto, para não se fustrar.
Infelizmente para muitos, The Evil Within só é quase impecável no aspecto horror até pouco mais de sua metade. Depois, desbanca para a ação e começa a apresentar inimigos com metralhadoras, pistolas e até bestas similares à do personagem. Aqui, os movimentos travados cobram seu preço e transformam o jogador numa peneira, enquanto os oponentes altamente treinados não erram um tiro sequer nem sofrem com as falhas de jogabilidade com as quais o usuário deve lidar. Armadilhas se tornam mais difíceis, muito mais punitivas, e causam a morte instantânea sem que o jogador nem mesmo saiba onde errou. No fim das contas, nestes trechos que duram mais do que deveriam, The Evil Within acaba se tornando uma cópia mal feita de qualquer shooter genérico – um contraste absurdo com as declarações de Mikami antes do lançamento.
A densidade dos cenários e a quantidade de elementos de The Evil Within é um dos grandes aspectos para a construção do terror no game. Muitos dos ambientes são extremamente escuros e o jogador passa a maior parte do tempo de posse de um lampião, que ajuda um pouco a enxergar o que vem adiante. Aqui temos o grande fatos para montagem do clima que permeia todo o título.
Sua maior aliada, felizmente, é infinita, mas isso não significa que ela pode ser usada o tempo todo. A luz chama a atenção dos inimigos e os atrai até você, enquanto sombras criadas pela luz crepitante podem assustar sem que não exista nada à frente. Por via das dúvidas, é melhor andar com cautela.
Tal aspecto, porém, não será sentido com tanta fidelidade no PlayStation 3 e no Xbox 360, consoles com menor poder de processamento e que apresentam diferenças sensíveis no conjunto gráfico. A luz ainda será um aspecto importante, mas aqui, aparecerá com um contraste bem menor e fazendo menos diferença. O mesmo vale para as texturas, chapadas e pouco definidas, minando um dos aspectos mais interessantes do título.
Em poucos momentos, The Evil Within acaba se tornando uma cópia mal feita de qualquer shooter genérico – um contraste absurdo com as declarações de Mikami antes do lançamento.
Na nova geraçao, porém, existem também seus problemas gráficos. Quedas na contagem de quadros por segundo acontecem a todo momento, principalmente quando não devem, nas cenas de maior tensão e com mais elementos aparecendo na tela. Além disso, temos um pop in constante, com elementos do cenário sendo literalmente carregados diante dos nossos olhos, enquanto uma cutscene está rolando.
É o mal de todo título cross-gen, que abre mão de fidelidade e qualidade gráfica em prol dos consoles do passado, na mesma medida em que cria problemas de compatibilidade e funcionamento nos aparelhos mais modernos. A dica, portanto, é jogar no PlayStation 4, Xbox One ou em um PC poderoso para obter a experiência completa. Caso contrário, The Evil Within continuará assustador, mas você estará perdendo muitos dos elementos que o tornam único.
The Evil Within tem muitos problemas, mas no final das contas, seu saldo é bem positivo. O terror e a tensão são profundos o bastante para justificar a existência de mecânicas pouco intuitivas ou punitivas. Até mesmo a falta de um enredo pode ser deixada um pouco de lado pela sucessão de momentos simplesmente horripilantes, que poderiam muito bem render internação a Mikami em uma cela bem ao lado da de Castellanos.
O nível de sustos e tensão, claro, é extremamente individual e cada jogador passará pela experiência de uma maneira diferente. O título também está longe de representar a obra-prima do criador, mas com certeza, vai figurar entre os melhores expoentes do gênero que representa. Seja bem-vindo de volta, Survival Horror. Nos estávamos com saudades de você.
O título foi avaliado no PlayStation 4.