Metro Exodus

por Caio Vicentini

Corações radioativos

Metro Exodus é o terceiro jogo da franquia que adapta a série literária Metro 2033. A série surpreendeu não só pelo sucesso a cada nova entrada, mas com uma curva crescente e constante na qualidade de sua ambientação e mecânicas.

O início do jogo é semelhante para aqueles que conhecem um pouco dos antecessores, explorando uma miríade de metal contorcido e concreto que foi a capital russa depois da guerra nuclear. Elementos já familiares aparecem, como sua fiel prancheta e a lanterna que precisa ser carregada de tempos em tempos com uma válvula pneumática. Essa aparência improvisada e reaproveitada dos equipamentos já auxiliam na construção do ambiente ao redor.

Ambientação que aliás, tem como seu maior trunfo a construção de contrastes entre os lugares que você acessa. Caminhar por terrenos baldios de noite com uma lanterna que mal ilumina um palmo à sua frente garante uma boa dose de calafrios, enquanto voltar para a Aurora depois de passar um dia inteiro em busca de objetivos secundários é um alívio comparado ao de encontrar uma fogueira após um trecho difícil de Dark Souls.

A Aurora é feita para ser um local seguro, e tudo ao redor dela transmite isso. Seus colegas de equipe que o cumprimentam e comentam sobre seus feitos recentes, assim como sua crescente trupe de refugiados que são resgatados e integram a família por acaso do trem.

Metro Exodus é uma surpresa agradável depois de tantos jogos de sobrevivência, sabendo dosar momentos de terror com situações de conforto e personagens interessantes.

Apesar de ser necessário gastar algumas linhas para repetir o que é dito em todos os lugares, a ambientação da Rússia devastada é um trabalho estelar por parte da equipe da 4A Games, com atenção em cada objeto deixado de lado, contando uma narrativa inerente por trás de cada casa devastada, cada túnel abandonado e cada prédio derrubado pelas bombas atômicas.

Os monstros têm comportamentos distintos que são interessantes só de se olhar, mas não de muito perto. Andar em meio a uma teia de aranha e ver algumas percorrendo pelo seu capacete são detalhes (completamente nojentos) que não fariam falta, se retirados, mas que fazem o jogo transbordar de personalidade.

Personalidade essa que você também encontra nos personagens que percorrem os trilhos tortuosos da Rússia com você. Os Espartanos, como são chamados seus companheiros do trem, contém maneirismos específicos e de tempos em tempos arrancam risos com suas conversas. O jogo faz um bom trabalho em fazer você se importar com seus colegas de trem, desde sua esposa Anna até o personagem menos evidente durante a campanha, como sua pequena família disfuncional do apocalipse.

E os personagens são uma parte vital para a campanha, pois você cada vez mais se empenha em encontrar um local seguro para eles em meio a tanta destruição e perigo pelo jogo. O início do jogo muda completamente paradigmas estabelecidos pelos anteriores, criando uma sensação de que o mundo agora é muito além dos túneis cheios de ratos radioativos, a quebra de expectativas sobre o que o enredo estabelece não para por aí, nunca deixando a história se tornar morosa ou previsível demais.

As mecânicas de sobrevivência te pressionam na medida certa, sendo o suficiente para nunca deixar o jogador confortável e confiante o bastante para ser descuidado com seus suprimentos. O mundo de Exodus é impiedoso e não tem muito espaço para erros, mas, felizmente, as mecânicas de stealth do jogo permitem uma atitude mais regrada do jogador, sem a necessidade de entrar em conflito com os inimigos o tempo todo.

Jogando na dificuldade normal, o protagonista pode levar uma quantidade de tiros antes de cair duro no chão, mas bastam apenas dois a três golpes de monstros para deixá-lo em estado crítico. Fugir e viver mais um dia se torna um mantra após algumas horas na campanha.

Isso, aliás, exemplifica como o aspecto de sobrevivência de Exodus é melhor pensado que em relação a outros jogos semelhantes (olhando pra você, Fallout 76), que é manter-se vivo usando a inteligência e paciência e não apenas angariar recursos repetidamente durante horas. Você não é obrigado a encarar alguns encontros com inimigos, sejam eles humanos ou monstros, e mesmo se isso acontecee, normalmente existem maneiras diversas de encarar esse problema.

Jogando no PS4, com uma mira um pouco dura demais às vezes, isso me fez escolher muito bem as batalhas que eu me envolvia, preferindo apenas passar sorrateiro pelos carros e pela grama alta. Gosto de entender que, considerando a óbvia diferença entre jogar um FPS no PC e no PS4, a jogabilidade mais pesada do jogo, em que o personagem não dá saltos de 10 metros e tampouco corre pelas paredes, foi uma decisão consciente da 4A Games para um protagonista que não é um super soldado nem carrega uma infinidade de equipamentos consigo, sendo compreensível uma movimentação mais truncada pela campanha.

Os monstros afetados pela radiação ficaram ainda mais espertos e com uma variedade maior dessa vez. Todos são versões de um pesadelo muito ruim de animais conhecidos. Ursos radioativos, aranhas gigantes e um morcego que mais de uma vez me fez saltar da cadeira por não ouvido o rasante feito na minha cabeça. Todos são modelados e sonorizados para serem os mais amedrontadores e asquerosos o possível, e com comportamentos distintos dependendo de cada tipo que você encontra.

Ainda que os monstros sejam bem feitos, os inimigos humanos deixam um pouco a desejar. Mais de uma vez eu estava no campo de visão de um deles, que simplesmente não me percebia de jeito algum, se dando conta só depois de ter um colega morto no chão com um tiro na cabeça. Os humanos levam a crer que seriam os combates mais estratégicos pela capacidade deles se organizarem, principalmente por você acabar enfrentando boa parte deles sozinho no jogo, mas sua inteligência artificial os torna apenas alvos desprotegidos esperando para levar um balaço na cabeça.

Outra crítica no aspecto técnico são os loadings, que beiram os absurdos vistos em Sniper Ghost Warrior 3, demorando até mais de um minuto para carregar o jogo novamente após um game over. Isso é amenizado pelo fato que o jogo não requer que você transite entre cenários com frequência, assim, apenas morrendo que você terá de esperar um tempinho até voltar para o batente.

As armas do jogo são seu último recurso boa parte do tempo, quando se esconder ou fugir deixam de ser opções, mas felizmente existe uma gama enorme de maneiras de adaptar as armas às suas necessidades e estilo de jogo. Pela minha predileção por stealth, eu customizei pesadamente meu revólver com silenciadores e suportes para melhorar minha precisão, e por minha falta de habilidade com stealth, customizei uma carabina com um pente de munição grande para quando ser sorrateiro desse errado.

O jogo permite mudanças tão profundas com as armas que elas se tornam novos brinquedos com os equipamentos certos. Um revólver pode se tornar um rifle de precisão, enquanto uma espingarda pode se tornar um rifle semiautomático. Eu, como um fã de jogos que alteram a estética das coisas ao customizar com peças novas, fiquei muito feliz com o empenho que a 4A Games teve nesse sistema.

Metro Exodus é uma surpresa agradável depois de tantos jogos de sobrevivência. Junto com Resident Evil 2, traz do seu jeito uma experiência densa que não favorece o jogador e sempre o desafia a superar um ambiente hostil em que tudo quer te matar de alguma maneira. Seu foco em recompensar cautela e habilidade de se adaptar do jogador, ao invés de ficar vagando por horas no cenário em busca de suprimentos, cria uma experiência tensa e poucas vezes monótona.

É um jogo que sabe dosar momentos de terror e desespero com situações de conforto em meio à personagens que você se afeiçoa no decorrer da campanha. É uma história com um coração, mesmo que cheio de radiação e com dentes afiados.

O jogo foi analisado no PlayStation 4 com uma cópia cedida pela Deep Silver