Em um enredo digno das melhores histórias de espionagem, você é convidado a um luxuoso navio, com gente de todo tipo a bordo. O anfitrião misterioso, entretanto, tem mais do que canapés e drinks planejados – ele quer ver sangue. E, ao chegar, te indica um alvo, que deve ser assassinado da maneira mais elegante e sorrateira possível. Isso, claro, se ninguém te matar antes já que, assim como caçador, você também é a caça.
Essa é a trama básica de Murderous Pursuits, primeiro game original da desenvolvedora escocesa Blazing Griffin. No título completamente focado no modo multiplayer, a ideia é colocar o jogador para agir com calma e de maneira furtiva, ao contrário do pedido pela maioria dos títulos competitivos online, onde o que impera é a correria, a matança desenfreada e o dedo rápido no gatilho.
Não que a habilidade não interesse aqui, ela é apenas aplicada de uma maneira diferente. No título independente, a ideia é que o jogador não revele sua posição e, ao mesmo tempo, fique de olho no ambiente em busca de atos que indiquem a presença de um jogador humano. É uma brincadeira de “quente e frio” em que vence o mais espertinho dos assassinos, que souber melhor aproveitar as oportunidades e, também, tiver um pouco de sorte.
O game traz algo de diferente, mas não necessariamente inovador, em um mundo dominado por Battle Royales, tiroteio e correria. Um necessário sopro de ar fresco.
Em um mundo dominado por Battle Royales, multiplayers frenéticos com mata-mata convencional ou defesa de objetivos, Murderous Pursuits chega como algo de diferente, mas não necessariamente inovador. Tanto como forma de atrair jogadores quanto como uma maneira de solidificar suas bases sólidas, o título não nega suas influências e origens.
A principal delas é um título de 2006 chamado The Ship: Murder Party, do qual Murderous Pursuits é um sucessor espiritual. A Blazing Griffin foi a responsável por uma remasterização do obscuro título, lançada em 2016, e agora conta com muitos membros do time de desenvolvimento original para entregar uma nova experiência, que melhora o que havia no passado e traz algum tempero à fórmula.
Esse tempero vem na forma de outro modo multiplayer conhecido pelos fãs de Assassin’s Creed, mas que soa um tanto esquecido. Introduzido em Brotherhood, o modo competitivo do título apresentava um funcionamento mais ou menos semelhante, assim como Watch Dogs, que em vez de assassinato, exigia que o jogador ficasse por perto de seu alvo para completar um processo de hacking.
São fontes cristalinas e interessantes, que não recebem tanta atenção quanto deveria, assim como o próprio Murderous Pursuits, que tem a falta de jogadores como principal problema. Seja pela pouca divulgação do título – nós mesmos jamais ficaríamos sabendo sobre ele, não fosse um sistema de assessoria de imprensa – ou pela falta de tradição da produtora, a verdade é que, em um título que almeja ser online, é bastante difícil encontrar uma sala cheia de jogadores humanos.
Nestes casos, a inteligência artificial preenche os espaços vazios, para que o matchmaking não demore tempo demais. Ela também pode ser enfrentada em um modo single player, sem dificuldade crescente nem objetivos especiais, muito menos um enredo. O que é disponibilizado aqui é a mesma jogabilidade do mundo online, mas desconectada e com oponentes virtuais para que o jogador aprenda como tudo funciona ou, então, evite interagir com seres humanos.
Engana-se, porém, quem acredita que esse é uma espécie de “modo fácil” de Murderous Pursuits. Primeiro, porque ele não acrescenta pontos ao perfil do usuário, e segundo pois, em um game no qual o objetivo é fingir ser um NPC, você está jogando contra, efetivamente, personagens controlados pelo computador. A inteligência artificial é apurada para dar ao jogador a colher de chá necessária, mas sem soar entreguista, ao mesmo tempo em que não usa o próprio sistema contra eles.
Murderous Pursuits é direto ao ponto, sem grandes tutoriais ou explicações. Após uma breve cutscene introdutória, somos jogados direto na ação, temos um alvo apontado e, também, nos tornamos o objetivo de outro jogador. A partir daí, que vença o melhor fingidor e, também, o maior oportunista da partida.
O título traz uma boa mistura entre tensão e agilidade, aliadas à calma e observação. Podem parecer termos discordantes quando colocados assim, mas que se encaixam perfeitamente em um título no qual saber se portar é o principal caminho para a vitória e, também, o desafio diante de todos. De nada adianta correr loucamente pelos cenários, revelando sua essência humana a todos, enquanto ficar parado esperando uma oportunidade também não é a melhor ideia.
Murderous Pursuits coloca os jogadores para se moverem por meio de um sistema de rotação de armas. Como na maioria esmagadora dos jogos de tiro, cada morte vale pontos, que são multiplicados pelo uso de equipamentos que vão desde um soco inglês até uma elegante espada de esgrima. Elas estão espalhadas a todo momento e são ranqueadas de maneira temporária, obrigando os usuários a não apenas caçarem suas vítimas, mas também buscarem as melhores formas de fazer isso.
Murderous Pursuits não esconde suas influências e deve seguir o caminho de muitas delas, passando despercebido não pela falta de qualidade, mas de divulgação.
Vantagens especiais tornam tudo ainda mais movimentado. Uma delas, por exemplo, permite que o jogador se disfarce de um outro NPC, permitindo que ele saia de fininho das proximidades de um assassino, enquanto outra permite contra-atacar o oponente. Uma terceira revela todos os personagens nos arredores e deixa flagrar alvos escondidos em plena vista.
Toda essa ação, porém, acontece em poucos cenários e com um layout semelhante. São grandes salas ou porões abertos, conectados por corredores ou quartos menores onde estão as armas e, também, as melhores oportunidades para abater um oponente sem ser localizado pelo caçador. Mesmo em um mapa novo, você não terá problemas de localização, o que é bom, mas também ruim pela falta de novidades.
Levando em conta o visual inspirado, com gráficos ao estilo cartunesco cinquentista que tornaram BioShock Infinite um ícone, chega a soar como trágico que não tenhamos um modo campanha. Os ares de Murderous Pursuits são de fineza, espionagem e ousadia, como bons livros policiais ou filmes antigos. Não passa disso, porém – uma aparência, que apesar de conferir ao game um aspecto interessante e único, não representa muito mais além.
Tal aspecto corta muito do valor do game, principalmente, por termos um ensejo que não é apenas um plano de fundo. Afinal de contas, nosso navio é capaz de viajar pelo tempo e espaço, nos levando à era dos dinossauros e dando um vislumbre do futuro. Seu controlador, o misterioso Sr. X, controla o baile da morte, mas quais são suas intenções? Nada disso é explorado.
A ausência de uma campanha só é um dos maiores aspectos da falta de opções apresentada por Muderous Pursuits. O game traz uma proposta diferente e interessante, mas tudo isso se revela em meia dúzia de partidas. Após as primeiras duas horas, você já descobriu tudo o que há no game, restando, apenas, o apelo de sua jogabilidade, em si, para se manter conectado.
E é aí que, de novo, entra a citada ausência de jogadores online, além de problemas nos servidores que fazem com que o lag sofrido por humanos seja mais responsável pelos flagrantes do que uma corridinha como quem não quer nada ou um assassinato cometido no meio da galera. Para nós, brasileiros, a falta de servidores locais pode ser uma explicação para isso, que justifica o problema, mas não o torna menos pior em um game dessa categoria.
Murderous Pursuits apresenta ideias interessantes e bem aplicadas, que podem até não serem inovadoras, mas apresentam um necessário sopro de ar fresco em uma indústria que sempre parece caminhar por rotas semelhantes. Entretanto, o jogo parece fadado a seguir um destino semelhante ao de muitas de suas referências, passando completamente despercebido, primeiro, por não ter o alcance necessário e, segundo, por ter pouco a mostrar. Uma pena, pois o título merecia mais, tanto em atenção quanto em conteúdo.
O jogo foi analisado em cópia cedida pela Blazing Griffin.