Esta é mais uma daquelas histórias em que a forma não reflete o conteúdo. Quem olhar de relance as imagens de Mutant Year Zero: Road to Eden vai achar estar diante de um jogo cartunesco ou bizarro, com animais falantes em um mundo fantástico ou meio esquisito. As artes têm cara de sátira enquanto o design de personagens lembra coisas vistas nos tempos surreais da Marvel ou no bom passado das Tartarugas Ninja.
Mas é só a aparência mesmo, e por trás da produção da produtora de nome igualmente bizarro, a The Bearded Ladies Consulting, há um valor que vai além de uma boa aplicação das mecânicas vistas em XCOM. Sim, se você observou o game e pensou estar diante de uma mera cópia do título de estratégia, aí sim, você está certo. O que muda, aqui, é a forma como as mecânicas são utilizadas em um universo que, na verdade, foi criado para ser o nosso.
Os protagonistas são Dux e Bormin, um pato e o javali humanoides que lembram as figuras citadas no início do texto. Eles são combatentes da Arca, o último refúgio de humanidade e tranquilidade em um mundo devastado por armas nucleares. Os humanos acabaram e, em seu lugar, estão criaturas violentas que se espalharam pela Zona, como agora se chamam nossas ruas, prédios e construções, que só querem espalhar o caos e coletar sucata, não importa o que isso signifique.
O game usa a jogabilidade reconhecida da série XCOM em todos os seus aspectos, mas adiciona novas mecânicas que funcionam quase todo o tempo. O que mais chama atenção, porém, é o universo.
Figuras como eu e você formam os Antigos, os sobreviventes do apocalipse com ares míticos e misteriosos. Nossos artigos cotidianos, como o computador em que escrevo este review ou o celular no qual você a lê, se tornaram artefatos preciosos e, muitas vezes, ininteligíveis. O símbolo da Maçã na traseira do aparelho, por exemplo, só poderia significar o pertencimento a um grupo de agricultores, por exemplo. É esse o nível de destacamento em relação ao universo que compartilhamos.
E é assim, meio sem entender o que está acontecendo mas sabendo mais ou menos onde estamos, que seguimos pelo mundo, captando recursos e retornando à Arca para melhorar nossas habilidades. Enfrentamos oponentes e perigos no caminho para o Éden, a mítica cidade em que tudo funciona e é tranquilo, existente em praticamente todas as fábulas apocalípticas e, também, um dos únicos pontos clichês em uma história que se mostra mais interessante e até fora do comum na medida em que se vai descobrindo sobre ela.
Os próprios Dux e Bormin não sabem exatamente quem são e a história deles se mistura à do próprio mundo e sua devastação. Você até entende as mutações pelas quais eles passaram, principalmente quando nota que os humanos também enfrentam os mesmos processos e outros animais semelhantes também podem ser encontrados por aí. O que exatamente aconteceu, entretanto, faz parte da jornada.
Essa mistura do conhecido, do imaginado por conta da experiência com outras produções do título e do novo também aparece na jogabilidade de Mutant Year Zero: Road to Eden. A já citada jogabilidade retirada completamente de XCOM, com direito aos mesmos recursos, funcionamento por turnos, condições especiais e até mesmo ataques exclusivos de alguns personagens ganham um novo caráter com a adição de um elemento de furtividade.
O posicionamento estratégico começa antes mesmo das batalhas em si, com o jogador tendo a oportunidade de limpar o mapa criando pequenos combates e usando armas silenciosas ou realizar um grande assalto, com tudo, a partir de poderes dos mutantes e posições privilegiadas. Da mesma forma, os oponentes também são capazes de enxergar os combatentes, com um passo errado ou posicionamento mal feito significando um começo desvantajoso.
Há descobertas a serem feitas aqui, mas muitas lacunas que precisam ser preenchidas pelo jogador, também, tanto em termos narrativos quanto de jogabilidade. Mutant Year Zero: Road to Eden acaba soando meio inadequado como seus próprios personagens principais.
Existem, também, escolhas para serem feitas. Em alguns momentos, é possível passar por grupos de inimigos sem entrar em conflito, mas aglomerações de oponentes também costumam contar com itens especiais. Além disso, a vitória nos combates garante pontos de experiência e melhorias para os protagonistas, de forma que eles possam encarar de maneira melhor os desafios que estão adiante. Há, ainda, decisões menores, como a de cuidar primeiros de adversários que possam chamar reforços, o que tornará o combate mais fácil, mas, também, menos lucrativo, uma vez que, quanto mais rivais mortos, maior a quantidade de loot.
E, acredite, o gerenciamento da dificuldade dos combates é um ao qual você deverá dar muita atenção, mais até do que a concedida à história e seus personagens. Por mais que tenha uma mecânica um pouco mais aberta que a de XCOM, Mutant Year Zero tem uma dificuldade tão alta quanto seu irmão de estratégia, a níveis punitivos, muitas vezes.
Mesmo jogando no Normal, até mesmo os jogadores mais acostumados com o estilo poderão se ver em maus lençóis diante de alguns desafios iniciais do título. A dificuldade pode ser reduzida a qualquer momento e os desenvolvedores tentam compensar o aspecto muitas vezes brutal das combates com um sistema de salvamento automático, que reconhece momentos cruciais e permite retornar a eles caso qualquer problema aconteça mais adiante.
Essa ideia, entretanto, pode deixar o jogador em maus lençóis em alguns momentos, seja por um reconhecimento de oportunidade errado ou por não funcionar direito. Durante nossos testes com o jogo, um destes salvamentos foi feito logo após a morte furtiva de um oponente, mas também em cima do raio de visão de um outro, capaz de chamar reforços. Uma estratégia mal feita nos colocou nessa situação, enquanto o sistema que deveria dar uma colher de chá ao jogador acabou por perpetuar o erro e tornar tudo mais difícil.
Mutant Year Zero também flerta com uma mecânica que soa meio inadequada. Ao contrário de jogos como Bloodborne, por exemplo, em que seguir em frente cheio de itens pode significar perder todos ao morrer, Road to Eden não conta com esse tipo de dinâmica, mas ainda assim obriga os jogadores a retornarem ao quartel-general para trocar artefatos, comprar itens e realizar melhorias. Felizmente, há fast travel aqui, pois uma vez limpos, os cenários não voltam a se encher de inimigos e, na medida em que o mapa vai sendo aberto, trafegar por esse grande vazio não se torna tarefa das mais interessantes.
A cada retorno à Arca, ouvimos uma nova história do Ancião, mas somente se o jogador quiser e efetivamente o visitar. Essas idas e vindas em meio a loading tornam o título, principalmente em seus estágios mais avançados, um bocado monótono e limitado, pois os retornos à base se tornam constantes na medida em que vamos avançando e os inimigos se tornam mais poderosos.
Mutant Year Zero: Road to Eden acaba soando meio inadequado como seus próprios personagens principais. Eles estão em um mundo que reconhecemos, mas, ao mesmo tempo, parecem não se encaixar tão bem ali, assim como algumas das mecânicas criadas para transformar o game em mais do que uma simples cópia de XCOM. Há descobertas a serem feitas aqui, mas muitas lacunas que precisam ser preenchidas pelo jogador, também, tanto em termos narrativos quanto de jogabilidade.
Quem conseguir lidar bem com os problemas e for comprado pelo objetivo maior totalmente clichê, entretanto, vai degustar um título daqueles bem interessantes, que não ganham tanta atenção assim por virem pelas mãos de empresas pequenas. Em um mundo em que jogos de estratégia não são necessariamente uma constante, é interessante ver iniciativas como estas surgindo e, só por tentarem fazer um pouco diferente do comum, já são merecedoras de, pelo menos, um olhar.
O jogo foi testado no PC, em cópia cedida pela Funcom.