A era de ouro dos RPGs japoneses, ou JRPGs, se estendeu basicamente por toda década de 1990. De lá para cá, foram muitos altos e baixos que demonstraram o quanto o gênero estava desgastado e se arriscava pouco na tentativa de evoluir a fórmula.
Ni no Kuni: Wrath of the White Witch, primeiro jogo da série, de 2011, é o que acredito ser o primeiro da era de bronze dos JRPGs, se beneficiando muito do que foi aprendido com os jogos do gênero lançados a partir dos anos 2000 (era de prata), mas ainda tentando entender como lidar com os consoles da época e também as novas tendências voltadas para um público mais global.
Entre erros e acertos, muito foi aprendido, culminando na mais recente obra da parceria entra a Level-5 e o Studio Ghibli. Ni no Kuni II: Revenant Kingdom é um jogo amadurecido dentro de seu gênero, que se arrisca se abandonar as raízes e, com isso, acaba por sofrer de pequenos tropeços.
Em uma larga avenida, um comboio de carros pretos escoltam uma longa limousine adornada com pequenas bandeiras de estado, flamulando acima de seus faróis frontais. Em seu interior, um pomposo senhor de meia idade, engravatado, acompanha o passar das luzes que iluminam a via com um olhar um tanto distante e pensativo. Ao longe, na direção em que os carros se movem, um grande cidade se ilumina, seus arranha-céus envidraçados refletindo as luzes das ruas e demais prédios.
Ni No Kuni II: Revenant Kingdom é um belo jogo, com coragem para apostar em novas mecânicas e formas de interação sem abandonar as raízes fundamentais de um JRPG.
Não mais que de repente, uma ogiva nuclear cruza o campo de visão do homem dentro da limousine, se dirigindo inevitavelmente para a cidade logo à frente. Com um clarão, o aparato bélico se desfaz, levando a imponente e luminosa cidade às cinzas. O comboio que seguia pela via é atingido pela onda de choque, fazendo com que os carros sejam arremessados como brinquedos, sem chance alguma para seus ocupantes.
Nenhuma introdução poderia ser mais inesperadas para um jogo com temática medieval do que a descrita acima, uma quebra de expectativa surpreendente e muito bem vinda. Mas, nem tanto, se levarmos em conta a trama do jogo anterior da série e também os clichês do gênero JRPG. Não me entenda mal, isso não é um ponto negativo, mas sim uma excelente forma de usar um clichê de modo a capturar a atenção da audiência. O significado da cena acima, bem como a maneira com que ela se liga à trama principal é algo muito interessante de se vivenciar durante o gameplay, por isso, nada de spoilers aqui.
De fato, a trama de Ni no Kuni II: Revenant Kingdom gira em torno do jovem e recente rei Evan que, logo apos assumir o trono devido à morte do pai, sofre com um golpe de estado. Devido à sua inexperiência, não possui o apoio, sabedoria e as forças necessárias para enfrentar tal situação.
Nesse momento de extrema fragilidade, Evan conhece o enigmático Roland, que rapidamente se mostra confiável e portador de grande experiencia no que diz respeito a governar uma nação, bem como disposto a o apoiar incondicionalmente em sua jornada de reconstrução do reino de Evermore.
É inegável que o design do mestre Hayao Miyazaki, nome mais conhecido do estúdio de animação japonesa Studio Ghibli é inconfundível e, com louvor, empresta toda uma identidade visual para o game da Level-5. O título, provavelmente, teria muito a perder ao usar um outro design de personagens qualquer, afundando e passando desapercebido em um mar de RPGs de ação japoneses tais como as séries Tales ou Shining.
Desde o game anterior, já era possível ficar impressionado com a qualidade e beleza dos gráficos em cel shading, imitando à beira da perfeição um anime em forma de jogo. Com o poder da atual geração colocando tudo na tela em altíssima resolução e grande taxa de quadros por segundo, os detalhes dos mundos, cidades, cavernas, itens e personagens saltam as olhos de uma forma sem igual.
Personagens interessantes e batalhas dinâmicas são emoldurados por gráficos exuberantes. Um game merecedor de nosso escasso tempo.
Toda essa beleza tem um custo. A exploração e desenrolar da aventura são divididos basicamente em três ambientes: as cidades em que interagimos com os demais personagens coadjuvantes e NPCs e as dugeons em que a exploração e combates contra inimigos se dão em tempo real, sem transição para telas de batalha, ambas com câmera em terceira pessoa.
Por fim, já no mapa entre as cidades e reinos principais, a exploração se dá com personagens em formato SD, que passam para o modo de batalha descrito acima ao encontrarem um inimigo, uma herança da era dos 8 e 16-bits que ainda assombra as obras atuais. Particularmente, um desserviço ao gênero.
Tais transições entre ambientes e telas de batalha resultam em um número elevado de loadings, quebrando o ritmo da aventura, além de darem a impressão de muita repetição no decorrer das ações. Por mais belo que o design do jogo seja, o ato de jogar é bem cansativo.
A evolução no sistema de combate em Ni No Kuni II é nítida em comparação ao jogo anterior, seguindo tendências e lições também aprendidas por outros títulos do gênero de RPGs japoneses, tais como Persona 5 e Bravely Default, com seus sistemas de batalha dinâmicos e extremamente recompensadores.
Abandonando o enfadonho estilo “batalha Pokémon”, aqui temos um sistema em tempo real com comandos específicos para cada ataque, mapeados nas combinações de botões; possibilidade de trocar o personagem a ser controlado no decorrer da batalha, entre os três disponíveis, assim possibilitando um confronto mais estratégico, além poder contar com a ajuda de criaturas elementais que obedecem aos comandos do jogador, seja atacando ou agindo como suporte ao grupo.
Por mais dinâmica e divertida que seja a batalha, as configurações e opções de itens e equipamentos são um ponto fraco, seja pelo menu pouco amigável ou pela quantidade absurda de itens que podem ser adquiridos rapidamente, adotando a politica de “loot” bastante comum em MMORPGs. A exagerada quantidade de artigos chega a ser dividida em categorias como comum, raro, lendários e outros, em uma política que só serve para inflar o tempo que passamos comparando estatísticas e fundindo objetos, equipando e formatando o grupo de heróis.
A conquista de territórios e a construção propriamente dita de um reino são outros dois aspectos incluídos no game com a melhor das intenções, mas que não funcionam bem ao parecerem deslocados do restante. Ambos são baseados em mecânicas saídas diretamente do gênero RTS (estratégia em tempo real), mas aqui, têm suas dinâmicas extremamente simplificadas.
Por mais que ambas as mecânicas façam sentido dentro da trama do game, nenhuma é profunda ou divertida o suficiente para prender o jogador, se tornando apenas um transtorno obrigatório pelo qual temos de passar.
Ni No Kuni II: Revenant Kingdom é um belo jogo, com coragem para apostar em novas mecânicas e formas de interação sem abandonar as raízes fundamentais de um JRPG. Infelizmente, nem todas essas novidades se traduziram em diversão, acabando por destoar da parte principal do game. Personagens interessantes, batalhas dinâmicas e divertidas, emoldurados por gráficos exuberantes ainda fazem deste game um obra que merece nosso escasso tempo. Jogue do início ao fim, mesmo com os pontos baixos.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Bandai Namco.