Vamos deixar uma coisa bem clara antes de tudo: eu não gosto de RPGs. Não tenho paciência com a administração de equipes, o uso de magias, o gerenciamento de diversos itens ao mesmo tempo e, menos ainda, com os temas medievais e fantásticos que normalmente permeiam esse tipo de título. Ainda assim, escolhi analisar Chroma Squad por um simples motivo – a Behold já havia me feito engolir minhas palavras antes, e eu esperava que fizessem isso novamente.
Deixando de lado o mundo totalmente focado de Knights of Pen and Paper, título com o qual chamaram a atenção do mundo, os desenvolvedores ganham agora novos ares e uma influência ainda maior nas costas de gigantes. Não estamos falando apenas da Sony, que aparece agora como uma publicadora do título, mas também, dos robôs dos seriados japoneses e dos personagens megapoderosos dos tokusatsus. Quem nunca sonhou em ser um deles? Bem, agora você pode.
Mais uma vez, temos um game que ultrapassa as barreiras da realidade. Assim como em seu antecessor, toda a trama é bastante mundana – o jogador controla uma equipe de atores que, insatisfeitos com o rumo de seu trabalho, decidem partir sozinhos para criar seu próprio seriado de TV. Como sempre, eles começam por baixo, usando espadas de plástico e material de papelaria para criar roupas, armas e cenários.
Na medida em que a trama vai se tornando maior e envolvendo mais elementos, porém, essa barreira de improvisação começa a se tornar mais e mais volúvel. Não serão raras as cenas em que você vai se perguntar como aquilo está acontecendo e se estamos falando de ficção pura. Será que os monstros ou aliados são reais? Temos aqui uma produção que está se mostrando muito além da encomenda ou, no final, descobriremos que os protagonistas estão todos presos dentro de um sanatório?
Não se deixe levar pela cara de “game pixel art igual a um monte de coisa que você já viu antes”. Há diversão genuína aqui.
E é esse o fator que torna a experiência com Chroma Squad extremamente lúdica. Por trás de armaduras de papelão e monstros criados com isopor, estão os elementos mais básicos dos RPGs clássicos. Ou vice-versa. Só que, aqui, explosões acabam sendo reais e o monstro enfrentado pode ser o nosso cachorro com um esfregão na cabeça. Ou não.
Toda essa mistura transforma o título em uma experiência bastante satisfatória, seja você um fã ou não do gênero, um saudosista ou alguém que nunca teve contato com tokusatsus. São várias as nuances aqui, e tem para todo mundo. Logo de início, um seletor de dificuldade separa os jogadores em categorias, de forma a entregar uma experiência adequada desde os mais casuais até os gamers hardcore, que levam os RPGs muito a sério.
Esse tipo de segmentação, inclusive, é essencial aqui. Em Chroma Squad, não são apenas os personagens que evoluem em termos de habilidade ou desempenho; o jogador também precisa sempre seguir adiante, melhorando sua maneira de jogar, tornando-se mais estratégico e entregando aquilo que os fãs querem.
Tudo por causa da famigerada audiência. É ela a grande moeda do game, responsável por trazer dinheiro para a produtora, fãs que apoiarão o seu trabalho e novos elementos para a trama dos capítulos. E, da mesma forma que a Behold Studios apresenta um título que atende a todos, você também vai ter que se virar para dar conta dos interesses de executivos, agências de marketing, fãs e da própria conta bancária. Dá para ser mercenário e vender bonequinhos adoidado, ou então, se conectar diretamente à comunidade e entregar exatamente aquilo que eles querem ver. Só que isso dá menos grana, e saber gerenciar tudo isso é, ao mesmo tempo, o principal destaque e desafio do título.
Fora dos menus de administração, a jogabilidade se dá por um sistema de grids, como os antigos RPGs táticos. O posicionamento de seus heróis é essencial pois, assim, é possível desferir ataques especiais, combos devastadores ou utilizar armas, além de cobrir todo o cenário em menos turnos, evitando ser atacado pelos inimigos.
Nos momentos iniciais, a inteligência artificial deles deixa a desejar, jogando o desafio lá embaixo mesmo nas dificuldades mais altas. O começo de qualquer jogo, claro, é tempo de se acomodar, mas para os veteranos do estilo, essa demora para engrenar pode ser um tanto monótona, já que, mesmo jogando de qualquer jeito, você provavelmente terá sucesso, mesmo que não consiga cumprir todas as ordens do diretor.
Por trás de armaduras de papelão e monstros criados com isopor, estão os elementos mais básicos dos RPGs clássicos.
Outra crítica se relaciona ao posicionamento dos menus, que eventualmente, podem se sobrepor a personagens e elementos importantes. Como as batalhas se expandem por todo o “tabuleiro”, eventualmente, pode ficar difícil saber exatamente quem está atacando, e onde, principalmente quando inimigos e personagens estão muito encostados uns nos outros.
No PC, onde temos o velho e preciso mouse, é preciso atenção, e fica a dúvida de como tudo vai funcionar quando Chroma Squad chegar aos consoles.
Chroma Squad representa o melhor em termos de produção independente de jogos, e o melhor de tudo, é um título brasileiro. Isso não apenas significa que teremos um game muito bem localizado para o nosso idioma, mas também que as piadas e referências farão todo o sentido. Mas, mais do que isso, é extremamente empolgante ver que um game com tal patamar de qualidade está ganhando o mundo depois de sair das mãos de nossos conterrâneos.
Não se deixe levar pela cara de “game pixel art retrofoda-se com a mesma cara que você já viu antes”. Há diversão genuína e, acima de tudo, criatividade aqui, elementos que foram suficientes para que alguém teimoso como eu conseguisse passar horas e horas plugado a um RPG. Se você é fã do gênero, de tokusatsus ou simplesmente procura algo interessante para jogar, Chroma Squad é uma bela escolha.
O game foi analisado no PC, em cópia cedida pelo Splitplay.