Aperte △.
Galahad pega um pedaço de papel qualquer e observa. Não fala nada. No canto da tela, uma pequena mensagem explica que é possível usar o analógico do controle para olhar o objeto sob outros ângulos. A folha mexe alguns ângulos, revela alguns detalhes, mas nada significativo acontece. Afinal, é apenas um pedaço de papel e tudo o que o personagem faz é contemplá-lo.
Pode parecer a descrição de uma passagem banal do jogo, mas a cena acima traduz muito bem aquilo que a Ready at Dawn fez com The Order: 1886. Depois de um ano e meio de expectativa, promessas e muito hype, o tão aguardado game é como a folha de papel – ou como qualquer outro item que você vai encontrar – nas mãos de Galahad: algo para ser contemplado, mas de pouca serventia.
Como os itens que você encontra pelo game, The Order: 1886 é aquele jogo que serve mais para você admirar do que aproveitando de verdade. Ele é lindo, mas assustadoramente vazio.
E, embora eu esteja sendo um pouco duro se me referir ao jogo desta forma, é inevitável você não se sentir frustrado ao ver os créditos finais subirem na tela. Não pela curta duração do título, como muita gente tratou de reclamar antes mesmo do lançamento, mas pelo modo como a produtora conseguiu fazer com que um produto com tantas possibilidades se transformasse em algo pobre, vazio e desinteressante.
O principal problema de The Order é apresentar um universo rico que não só é mal aproveitado como ainda nos impede de vivê-lo. Na cada vez mais tênue linha que separa jogos de experiências cinematográficas, a Ready at Dawn cometeu o erro básico de tirar o controle da mão do jogador e transformá-lo apenas em um agente passivo à toda ação. E, da pior forma possível, ela descobriu que não basta ser bonitinho para deixar de ser ordinário.
Aperte △.
Uma nova cena. Nela, uma Londres retrofuturista se desenha até onde a vista alcança, misturando a decadência da cidade no fim do século XIX com a peculiar tecnologia steampunk. Prédios decadentes e a miséria nas ruas contrastam com os dirigíveis que patrulham os céus e o luxo da aristocracia local. É um mundo rico, vasto e intrigante, mas porcamente explorado.
Apesar de toda essa ambientação incrível e que conquistou todo mundo, The Order: 1886 comete uma série de erros que simplesmente mina aquilo que ele tinha de melhor. Em vez de dar ao jogador a possibilidade de mergulhar nesse universo único que ele propõe, o game segue por um caminho totalmente oposto, genérico e meramente medíocre.
A curta duração não é um problema, mas um sintoma do quanto ele é um jogo vazio e sem profundidade em nenhum aspecto. Sua única preocupação é ser bonito e cinematográfico – e só.
E não digo apenas por conta do level design absurdamente linear e simplório ou da jogabilidade extraída de Gears of War. Isso é o de menos. O que realmente incomoda por aqui é o quanto a Ready at Dawn tira o controle de nossas mãos para destacar como seu jogo está bonito – e nada mais.
Assim como a folha de papel que Galahad contempla, The Order é um título cujo propósito maior não é ser jogado, mas admirado. As dezenas de vezes que jogo simplesmente para para você ficar observando um objeto qualquer já mostra o quanto a produtora estava mais preocupada em encher seus olhos do que rechear seu game com conteúdo relevante.
The Order tira o controle da mão do jogador a todo o instante, seja com longas cutscenes ou com o excesso de QTE. Ele limita suas ações e ainda subestima sua inteligência.
Isso fica ainda mais evidente à medida que você avança e percebe que há capítulos que são apenas grandes cutscenes e, sobretudo, na absurda quantidade de Quick Time Events, o que simplesmente reduz a ação e os grandes momentos a apertar ☐ ou △ nos momentos certos. E é mais do que frustrante ver todo esse potencial ser jogado fora apenas para reforçar o aspecto gráfico.
Esse desvio de foco acaba engessando o jogador, que se vê obrigado a fazer exatamente aquilo que o game espera que ele faça. Correr só é permitido em momentos específicos e sacar sua arma apenas em momentos de necessidade. Não faz sentido ele te deixar caminhar por um longo corredor se não há liberdade para explorá-lo.
É o mesmo tipo de coisa que aconteceu com Remember Me. Ao tirar o controle do jogador, tanto a Dontnod quanto a Ready at Dawn ofuscaram os ricos universos criados, jogaram no lixo todo o potencial existente e se concentraram em aspectos menores e de pouco interesse.
Apesar de tentar ser o Gears of War da Sony, The Order se parece mais com Remember Me do que com o clássico da Epic.
E, para completar o pacote, ambas as produtoras ainda subestimaram o jogador ao tratá-lo como um imbecil. Nos dois casos, a simplicidade dos games é maquiada por um didatismo desnecessário que mais incomoda do que instrui. A todo o momento você é bombardeado com pequenos tutoriais de coisas que você vem fazendo desde o início da trama.
Afinal, qual a necessidade de explicar para o jogador que o analógico direito serve para girar a câmera depois da metade do jogo? No caso de The Order, a impressão que fica é que essas pequenas “lembranças” servem apenas para indicar que a cutscene acabou e que aquele momento já é jogável. E é irônico ver que essa preocupação em criar algo tão ultra-realista acabe resultando em algo tão ridículo quanto isso.
O exclusivo do PS4 é repleto dessas “quebras” que, apesar de pequenas, se transformam em grandes incômodos quando acumuladas. O resultado disso é que, apesar da experiência cinematográfica, todo o enredo envolvendo uma ordem milenar, conspirações e lobisomens acaba se tornando lenta, sem ritmo e cansativa. Ela demora a se desenvolver e, quanto finalmente começa a engatar, o jogo acaba.
Eu realmente queria ter gostado mais de The Order: 1886. De verdade. Entretanto, apesar de gostar da ambientação e ainda acreditar na proposta, o jogo não consegue evitar aquele gosto amargo de decepção até mesmo para quem já não esperava que o game fosse aquela Coca-Cola toda.
Tecnicamente perfeito, The Order: 1886 não é um jogo “ruim”. Ele apenas falha naquilo que é mais importante em um jogo: ser divertido.
Muitos dos meus medos que surgiram após a entrevista com um dos produtores do game na última BGS apenas se confirmaram à medida que avancei na história e ainda houve espaço para outras frustrações. Já era esperado que ele fosse um “Gears of War da Sony”, só que ele é menos do que isso. The Order pega o que há de melhor na série da Epic e o mistura com o que há de pior em Remember Me – e o resultado é bem triste.
E o engraçado é que, apesar de tudo, ele não é um jogo ruim. Tecnicamente, o game é bastante competente. O problema é que ele tropeça naquilo que há de mais importante em um jogo e falha em ser divertido. Ele pode ser lindo, mas ainda falta uma alma para ser aquilo a que ele se propõe a ser.
Apesar de todas as promessas, The Order: 1886 ainda é aquele pedaço de papel que Galahad segura. Ele pode ser bonito e feito com o que há de melhor em seu meio, mas não deixa de ser vazio e sem graça.