Observation

Observation

por Felipe Demartini

Companheiro digital

O que nós seríamos sem as máquinas? A ausência de tecnologia impediria você de, agora mesmo, ler esta análise ou continuar com, possivelmente, boa parte de suas tarefas diárias. A inovação é acessória, nossa aliada e companheira do cotidiano, com o mundo de hoje tendo tornado mais fácil muita coisa que, antes, soava impossível. Nunca, entretanto, paramos para pensar no outro lado.

Você, com certeza, já se cansou de jogar títulos em que o protagonista tem um parceiro robótico. Mas e se você, agora, se tornasse esse aliado, propiciando a continuidade de uma narrativa que não necessariamente o tem como centro das atenções? Essa é a proposta inicial de Observation que, como o nome já indica, nos coloca em uma posição distante, mas não necessariamente passiva, de eventos a bordo de uma estação espacial internacional.

É um ensejo que já vimos antes no cinema, mas a perspectiva diferente em sua abordagem faz com que, só por aí, a gente já tenha algo de muito interessante nas mãos. E aí você adiciona as mãos talentosas da Devolver Digital e da No Code, empresa que entrega agora seu mais ambicioso game, depois de já ter chamado muita atenção com o ótimo Stories Untold. É uma mistura feita para intrigar, encantar e, principalmente, desafiar.

As influências cinematográficas vão além da história, pura e simplesmente. Todo o game tem aquele jeitão de um bom filme de ficção científica, com uma pegada narrativa parecida com a usada por séries de TV ou games episódios, dividindo os conflitos em etapas e entregando cliffhangers e até uma abertura muito inspirada. A passagem do tempo é marcada por dizeres na tela, enquanto a história vai, devagar e sempre, se complicando e ganhando elementos que a tornam mais intrigante na medida em que se vai jogando.

Observation

O jogador é S.A.M., uma inteligência artificial de voz apática que está no comando (ou, pelo menos, deveria estar) dessa estação espacial. Acordamos no começo do game sem saber exatamente o que fazer, assim como a Dra. Emma Fisher, nossa protagonista e, aparentemente, única pessoa que restou de algum tipo de desastre que se abateu sobre o local. É ela quem quer descobrir um jeito de voltar para casa e, quem sabe, encontrar seus companheiros, e nós somos seu aliado nessa empreitada.

Observation coloca o jogador em uma posição de acessório, que deve garantir a sobrevivência da protagonista. Entre protocolos e programação, se desenvolvem mistérios que prendem até o final.

A prestação dessa mão-de-obra robótica se dá por meio de uma série de puzzles e eventos de exploração, que nos colocam em diferentes perspectivas. Operamos tudo como se estivéssemos dentro do computador, enxergando as coisas como S.A.M. enxergaria. Códigos e objetivos passam pela tela a todo momento enquanto nos aventuramos por puzzles e enigmas que compõem os sistemas internos da estação.

A coisa fica interessante, entretanto, quando outros elementos um bocado suspeitos passam pela tela sem que a gente possa, efetivamente, informar Fisher. Não por algum tipo de sentimentalismo ou suspeita, mas pelo simples fato de que, em Observation, não somos alguém operando uma máquina, mas sim, ela própria. Seguimos uma programação e estamos limitados aos nossos protocolos; aquilo que está no display faz parte disso tudo e, então, não há nada de errado. Quer dizer, sabemos que há, mas estamos presos.

Observation

Isso, claro, metaforicamente falando. Depois de nos fazer observar, logo de início, Observation nos coloca em uma posição de ação mais direta, usando as chamadas esferas. São objetivos semelhantes a coisas vistas na franquia Portal, que com as maravilhas da Internet das Coisas, são interconectados em uma mesma rede. Assim, saímos das câmeras de segurança para o interior da estação em si, navegando em primeira pessoa e continuando a resolver os mistérios do que aconteceu nesse local silencioso.

O título da No Code é sofisticado. Não estamos diante de uma experiência simples nem muito intuitiva, mas sim, que tenta soar como realista e diferenciada, para o bem e para o mal.

Entre caminhadas espaciais, download de documentos e puzzles envolvendo energia e o reboot de sistemas, entram os elementos negativos, mas, principalmente, positivos do título. Navegar os ambientes não é tarefa das mais fáceis, afinal de contas, estamos falando de uma estação espacial e não de um prédio de apartamentos — tudo é sempre igual e se orientar quando o game simplesmente siga para “EAS-11”.

Esse é o outro lado da moeda de um game que tenta ser realista ao colocar interferências e filtros nas imagens, para esconder a “cara de game”, mas, também, exibe uma bela quantidade de informações e códigos na tela, muitas vezes dificultando o entendimento e prejudicando a usabilidade. Navegar pelos mapas nem sempre é fácil e existem momentos, como durante a primeira caminhada espacial, por exemplo, em que eles nem estão disponíveis. Não existem indicadores visuais na tela e, em alguns momentos, o jogador estará por si só para descobrir onde ir e o que fazer quando chegar lá.

Observation

Felizmente, o título combate um pouco isso ao dividir a trama em segmentos, passados não apenas depois que descobrimos um novo mistério, mas também em novas áreas da estação. Isso torna os caminhos um pouco mais diretos, sem nos perdermos em um local incrivelmente grande e labiríntico dentro de uma esfera que não tem orientação para o chão pelo fato de o próprio espaço não ter cima nem baixo. Rodar a esmo será um bocado da experiência de Observation e isso não é legal.

Outro aspecto dessa faca de dois gumes aparece nos enigmas em si. Nem mesmo Fisher sabe exatamente como tudo funciona na estação, seja pela muleta da tecnologia ou por estar diante de uma atribuição de algum outro especialista. Enquanto isso, S.A.M. é um computador desmemoriado que, como o jogador, também não faz a menor ideia do que está fazendo. Nos puzzles, o jogador é jogado à própria sorte e deve descobrir não só como resolve-los, mas também o que precisa fazer em cada um deles.

Observation

Felizmente, Observation é permissivo com os erros e, por mais que sempre jogue uma sensação de urgência para cima da gente, deixa que a gente entenda o que está acontecendo e como tentar solucionar. A adição de mais e mais funcionalidades acontece de forma gradativa, mas os elementos também são utilizados de maneira segmentada, mesmo com o jogador tendo todo um rol de soluções à disposição. Isso facilita e ajuda a seguir em frente em um game bastante complexo.

No título, há sempre um conflito sendo travado, seja ele entre o frio do espaço e a sobrevivência de Fisher, o conhecimento e o desconhecido ou, também, entre a jogabilidade e o usuário. O novo título da No Code, de ambicioso, também é sofisticado, algo que pode soar como negativo aos jogadores. Não estamos diante de uma experiência simples nem muito intuitiva, mas sim, que tenta soar como realista e diferenciada, para o bem e para o mal.

A trama cheia de mistérios e os elementos variantes, com cada desafio sendo sempre diferente do anterior, compensa e também adiciona a essa sensação de complexidade e dificuldade. No espaço, ninguém vai ouvir você gritar, mas, em um sistema computadorizado de uma estação espacial, também não existe tecla F1. Ainda assim, aperte os olhos para ler as letrinhas miúdas e acostume-se a enxergar o que importa em meio a todo o blablabla tecnológico e as linhas de código. Você pode se surpreender com o resultado.

O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Devolver Digital.