A Lei de Moore é um famoso conceito da informática, que indica que o poder de processamento dos computadores é capaz de dobrar a cada 18 meses. Os celulares topo de linha de dois anos atrás são fracotes perto dos aparelhos lançados na última semana e não é nada difícil imaginar um mundo completamente diferente do nosso daqui a apenas uma década.
Se existisse uma Lei de Moore aplicada à evolução de uma desenvolvedora em termos de qualidade, os poloneses do Bloober Team poderiam muito bem serem usados como exemplo dela. Observer, seu novo game, chega pouco mais de um ano e meio depois do lançamento que a alçou para os olhos do público, Layers of Fear, e mostra um progresso em praticamente todos os sentidos.
Na história que se passa em 2084, controlamos Daniel Lasarski, um policial meio desconsolado que recebe uma ligação de seu filho, com quem não tem contato, e parte para um decrépito prédio de apartamentos. Lá, ele encontra um corpo decapitado, que pode ser ou não de seu primogênito, enquanto todo o local acaba isolado devido, supostamente, ao surto de uma doença.
E é assim que ele se vê trafegando os labirintos da mente humana, por meio da invasão e hackeamento de memórias, mas também o submundo que muitos, do lado de fora, se recusam a enxergar, por mais que esteja bem diante dos olhos. Observer fala sobre corporativismo, discriminação, vício, família, desigualdade e ódio. Por baixo da faceta de jogo de investigação, está uma crítica social foda, mas daquelas bem feitas.
Com Observer, a Bloober Team mostra o que aprendeu ao entrar de cabeça no mundo dos games de terror. O melhor de Layers of Fear aparece aqui – as alucinações que acontecem bem diante do jogador, enquanto ele trilha pela mente de pessoas deixadas de lado, consideradas cidadãos de segunda categoria por causa do vício em drogas, da falta de dinheiro, da insanidade ou de tudo ao mesmo tempo, com uma coisa decorrendo da outra.
Observer é uma distopia bem construída, daquelas capazes de nos deixar com o estômago embrulhado. Foi feito para ser jogado sem pressa, encontrando uma realidade mais assustadora a cada passo dado.
Nada de clímax sem fim ou jump scares bobos aqui. O verdadeiro horror do game com temática cyberpunk está nos diálogos e na realidade sombria que é apresentada a cada conversa com um morador do edifício ou e-mail lido sem autorização no computador de terceiros. Dramas bem pessoais se misturam com a trama geral de um mundo dominado pela Chiron, uma megacorporação que dominou a Polônia e mistura lucro com autoritarismo, mantendo com mão de ferro seu poder e destruindo quem está contra ele.
A maioria das reações, entretanto, será exibida pelo próprio jogador. Daniel, o protagonista, apresenta uma apatia típica de seu estado de solidão, mas que também acaba nos removendo da tensão. Nem mesmo as descobertas mais macabras sobre os atos de seu filho ou a destruição das barreiras entre realidade ou loucura fazem com que ele reaja, mostrando uma direção de dublagem ruim e reduzindo o impacto daquilo que está acontecendo na tela.
Mais do que isso, a interpretação apática do policial é um desperdício, afinal de contas, quem o interpreta é o celebrado ator Rutger Hauer. Conhecido por longas como “Blade Runner: O Caçador de Androides” e “A Morte Pede Carona”, ele entrega uma interpretação pouco inspirada, que faz com que o jogador até mesmo se desinteresse pelos dramas e mistérios relacionados ao personagem principal, prestando mais atenção em tudo aquilo que o cerca.
E há muito o que explorar aqui. Cada uma das centenas de portas do gigantesco e labiríntico prédio pode esconder uma história, conhecida a partir de um interfone. Nunca conhecemos pessoalmente esses indivíduos que, para todos os efeitos, não possuem mesmo um rosto. O viciado em realidade virtual, a mulher abusada pelo marido ou o vizinho que gosta de espiar a vida dos outros seguem sobrevivendo em um mundo que não se importa com eles. E, em muitos casos, o papo com Lasarski será o mais longo que tiveram em muito tempo.
Aos poucos, e por meio de linhas e linhas de falas, vai se formando a história de um mundo que é muito maior do que aquelas paredes parecem mostrar. O prédio residencial é um personagem por si só, contendo detalhes em todos os cantos e até mesmo um aparente, mas sutil, sistema de castas, com gente que mora em condições miseráveis no porão e outros que acham estarem por cima da carne seca apenas por terem um apartamento com acesso à rede, equipamentos de holografia e um banheiro de verdade.
Se existisse uma Lei de Moore aplicada à evolução de uma desenvolvedora em termos de qualidade, os poloneses do Bloober Team poderiam muito bem serem usados como exemplo dela.
Esses detalhes aparecem não apenas na forma de diálogos, mas também de gráficos belíssimos. É possível enxergar elementos e artigos repetidos aqui e ali, ou momentos em que o indicador de que há uma ação a ser feita não funciona direito, mas de maneira geral, a direção de arte e o conjunto visual de Observer gritam tanto quanto a história em si. A dica? Jogue com fones de ouvido para não perder nada e olho vivo em todos os detalhes, pois eles têm muito a dizer.
Tanta qualidade, entretanto, não vem sem seus problemas, e nas versões do título para consoles, o Bloober Team repete as falhas de otimização de Layers of Fear. Em um jogo tão pesado graficamente, os momentos em que há muita coisa acontecendo acabam se transformando em verdadeiras apresentações de slide, com bruscas quedas na taxa de quadros por segundo.
Além disso, existem os travamentos, que também acontecem em situações desse tipo e mostram a grave falta de otimização. Felizmente, há praticamente um ponto de salvamento a cada esquina, e caso o game resolva quebrar, você pode simplesmente fechá-lo e abrir de novo, continuando praticamente de onde parou. Esses problemas são menores nos PCs, mas ainda assim, existem, de acordo com o poder de fogo de cada máquina.
Com cerca de sete horas de duração, mas muito mais do que isso a oferecer, Observer é uma distopia bem construída, daquelas capazes de nos deixar com o estômago embrulhado. O novo game da Bloober Team foi feito para ser jogado sem pressa, apreciando (ou, seria, encarando?) cada detalhe devagar, digerindo tudo aos poucos e encontrando uma realidade mais assustadora a cada passo dado.
Seguir em frente é amedrontador, pois estamos nos aproximando cada vez mais da barriga de uma besta pronta para nos consumir. Ou será que nossa própria presença dentro daquele lugar horrível já é uma mostra de que estamos indefinidamente unidos a esse sistema cruel? O que podemos fazer para sair? E, acima de tudo, como se defender quanto até mesmo a nossa mente é uma moeda de troca totalmente violável?
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Aspyr Media.