As franquias de utilização nos planos de internet doméstica já estão por aí. E você, como jogador, tem sim motivos para se preocupar, pois a alteração nos contratos com a sua operadora muda tudo – a forma como você utiliza a rede, sua jogatina online, o consumo de entretenimento online e até mesmo a maneira escolhida para adquirir jogos.
A alteração nos contratos vale para as principais operadoras de telefonia do país, mas por enquanto, está prevista para acontecer apenas nos planos de ADSL, tecnologia usada na maioria das conexões de banda larga do país. Os usuários de fibra ótica, por enquanto, estão livres das franquias de consumo, mas não se sabe por quanto tempo, uma vez que as empresas dessa modalidade de serviço não falaram “nunca”, só “não, por enquanto”.
A alegação das companhias do setor é que a fixação de limites de consumo para todos os usuários é uma medida para garantir a qualidade do serviço. Ela equaliza todos os perfis de utilização – desde os esporádicos até aqueles de alto consumo – sob uma única conta e garante que a infraestrutura instalada seja capaz de atingir a todos por igual. A ideia é reduzir o stress sobre as redes e garantir que as interrupções e reduções de velocidade, em teoria, não aconteçam.
Por outro lado, associações de defesa do consumidor e até mesmo os próprios usuários argumentam que a medida está sendo aplicada para mascarar uma falta de investimentos no setor. Com a utilização cada vez maior de serviços de streaming e conteúdo sob demanda, é cada vez maior o tal stress sobre a rede, e para muita gente, as operadoras nacionais vão no caminho oposto da evolução da tecnologia. Em vez de investirem para garantir um serviço capaz de atender a essa nova onda, elas atuam pelo corte, de forma a dar uma sobrevida às estruturas existentes.
Grupos de defesa dos direitos dos usuários de internet pressionam a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em busca de regulamentações. Enquanto isso, a 1ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, ligada ao Ministério Público, move uma de tantas ações contra as operadoras como formas de obter mais informações sobre a mudança, questionar sua legalidade e barrar as mudanças. Até que qualquer uma dessas iniciativas surta efeito, se é que isso vai acontecer, temos de lidar com as franquias de utilização, que já começam a ser aplicadas para clientes de algumas das principais empresas do país.
O que vai acontecer?
A mudança nos contratos, na prática, transforma a internet de banda larga caseira em algo parecido com as redes mobile. Uma vez que o usuário atinge certo consumo, a conexão pode ser cortada ou ter a velocidade reduzida, na maioria das vezes, para a menor comercializada pela operadora. A franquia é renovada a cada mês, e enquanto o período não vence, as empresas podem, ou não, oferecerem pacotes com franquia extra, mediante pagamento, é claro.
As operadoras levaram em conta todos os dados trafegados pela rede para cálculo da franquia, o que significa que tanto downloads quanto uploads serão computados. A utilização também independe do método usado para se conectar – via cabo ou Wi-Fi, por exemplo – e vale para todos os dispositivos, desde computadores até celulares, tablets ou consoles de video game. Se um aparelho está conectado à internet, ele está consumindo banda e contribuirá para seu consumo mensal.
A melhor maneira de descobrir o que vai acontecer caso a caso é consultando a sua operadora quanto às franquias de utilização. Em todos os casos, elas são obrigadas pela Anatel a fornecerem, de forma clara, contadores online sobre o consumo, atualizados em tempo real. É por meio deles, normalmente acessados pelos sites das operadoras, através do painel de cliente, que os usuários saberão o total de sua franquia, quanto já gastaram e o tempo restante até renovação.
O restante da operação pode variar. Em algumas companhias, as franquias que sobrarem em um mês acumulam para o seguinte, em outros não. Algumas operadoras podem oferecer pacotes de consumo extras, ao contrário de outras. O ideal mesmo é checar os contratos, entrar em contato com o suporte e se informar sobre tudo o que vai acontecer.
Como funciona em cada operadora?
A Oi é a única empresa nacional a já utilizar efetivamente o limite de dados nas conexões de banda larga. A mudança aconteceu no dia 21 de março e vale para todos os clientes. Ao fim da franquia, que depende da velocidade contratada e dos contratos vigentes, a velocidade do cliente será reduzida para 300 Kbps até a renovação, que acontece ao final de cada mês.
O tamanho das franquias de uso também são proporcionais à velocidade contratada originalmente, de acordo com os valores abaixo, registrados no fim de março de 2016. A Oi não vende pacotes adicionais para os clientes de banda larga.
A NET, por outro lado, afirma que trabalha com as franquias de utilização desde o início de suas atividades com banda larga, também reduzindo a velocidade para seu plano mais básico, o de 2 Mbps, até a renovação. Na prática, entretanto, isso raramente acontece, como muitos usuários devem atestar. Logo, a única mudança seria uma aplicação prática de normas que já estão no contrato dos clientes.
Os limites também variam de acordo com a velocidade contratada, e a companhia também já anunciou os preços dos pacotes de franquia extra. Na empresa, 20 GB adicionais custarão R$ 39,90, enquanto 5 GB extras saem por R$ 29,90. Os totais não acumulam e também são válidos apenas até o final do período, sendo cancelados mesmo se não usados até o final.
A Vivo, entretanto, já disse que começará a adotar as novas práticas a partir de 2017. Até o começo do ano que vem, investirá em ações educativas para que seus clientes façam melhor uso da rede e evitem ter sua internet afetada. A empresa não confirma se, quando a mudança entrar em vigor, realizará o corte da conexão ou uma redução em sua velocidade.
Por enquanto, como já dito, ficam livres dos planos de franquia os pacotes de internet por fibra ótica. Empresas como a Copel, do Paraná, e a própria Vivo, já afirmaram que a alteração não deve acontecer de forma imediatada, o que não significa que ela não virá no futuro. Se você é cliente desse tipo de serviço, não precisa se preocupar com isso, pelo menos por enquanto.
Quais serviços são os mais “fominhas”?
Os serviços de streaming lideram a lista dos maiores consumidores de banda de internet. Nomes como Netflix, YouTube, Crunchyroll, Spotify, Apple Music, Google Play Música, Twitch, Azubu e Hitbox, por exemplo, são os principais “vilões” da economia de internet, e seus usuários frequentes devem ser os principais afetados, de forma negativa, pela mudança na banda larga residencial.
Sim, assistir aos gameplays do NGP ou a aquelas finais emocionantes de Street Fighter V ou League of Legends devem consumir um bom pedaço de sua franquia. Transmitir suas partidas diretamente de um PlayStation 4, também, assim como o upload de sua jogatina para o YouTube. Tanto faz a via, se os dados estão indo ou voltando, eles estarão sendo debitados de sua conta mensal.
A quantidade gasta, entretanto, depende da qualidade do conteúdo. No Twitch ou YouTube, por exemplo, uma transmissão a 720p, com 30 frames por segundo, consome cerca de 1 GB por hora, tanto para quem transmite quanto para quem assiste. No Netflix, entretanto, esses valores são maiores devido à ausência de compressão, com o serviço inferindo um consumo de 3 GB por hora de uso com séries ou filmes em 1080p.
O Spotify, por exemplo, calcula um gato de 80 MB a cada 60 minutos de reprodução de música em qualidade média, a utilizada na opção gratuita do serviço. O mesmo vale para Apple Music e Google Play Música. Fique atento, claro, todos os dados citados aqui são estimativas, que variam de acordo com as suas configurações.
O acesso a redes sociais, uso de sites ou mensageiros instantâneos também consumem banda, mas em um ritmo bem menor que os citados acima. No restante, o que você vê é o que você gasta. O download de um filme via torrent cujo arquivo tem 2,5 GB consumirá exatamente isso da sua franquia, por exemplo.
E, aqui, são os fãs dos jogos digitais que mais sofrem. Os mundos cada vez maiores e mundos gigantescos dos títulos recentes, claro, ocupam bastante espaço no HD, e baixar tudo isso, com franquias de consumo em vigor, pode acabar se tornando inviável.
Os gigantescos The Division e The Witcher 3: Wild Hunt têm downloads de carca de 30 GB cada um na PSN, enquanto Grand Theft Auto V ultrapassa essa barreira para chegar aos 42 GB. Isso sem contar atualizações e DLCs, muitas vezes obrigatórios para que a jogatina comece. Em planos mais básicos, por exemplo, tais valores são maiores do que a franquia mensal, e mesmo nos mais parrudos, representam mais de 30% do consumo total permitido. Em um único game.
Isso sem falar que tais títulos, muitas vezes, exigem conexões permanentes com a internet. A jogatina online também gasta banda, assim como a criação de grupos para chats de voz ou o envio de mensagens pelas redes. Se utiliza a internet, está contribuindo para seu consumo mensal, basicamente.
Como economizar?
Boa parte dos serviços de streaming contam com opções de redução permanente na qualidade dos vídeos. O Netflix, por exemplo, permite fazer isso por meio da opção “Configurações de reprodução, no menu de usuário, e ainda dá estimativas de consumo para cada perfil. O YouTube, também nas preferências, possui uma seleção que impede o carregamento de conteúdos em alta definição. Ela é voltada para usuários de conexões de baixa velocidade, mas pode servir também para quem está com a corda no pescoço em relação à franquia. Nos serviços de música, utilize as opções de download de faixas quando estiverem disponíveis, principalmente para aqueles artistas que você mais gosta e ouve com frequência.
No caso dos games, entretanto, não há muito o que fazer quanto ao tamanho dos downloads, a não ser preferir a compra de jogos físicos em vez de digitais. Mesmo os discos dependem de atualizações e outros recursos online, mas pelo menos você estará economizando o grosso dos downloads. Como os preços costumam ser os mesmos, independentemente da versão, esse pode ser um bom caminho.
Além disso, outra boa pedida é desligar da rede os equipamentos que estejam ociosos. Desative, por exemplo, as funções de stand by e atualização automática do Xbox One e PlayStation 4, e baixe os updates apenas dos games que efetivamente vai jogar. Desconecte tablets e set-tops boxes quanto não os estiver utilizando ou se for dormir, de forma que eles não gastem sua internet com operações de segundo plano.
E o futuro, como fica?
É difícil dizer se as restrições quanto ao consumo da internet realmente vieram para ficar. Modelos desse tipo são uma realidade em países como Estados Unidos e Austrália, por exemplo, e as operadoras nacionais afirmam que estão totalmente dentro da legalidade com as mudanças, uma vez que muitas já tinham tais recursos em contrato, mesmo que não estivessem sendo utilizados.
A PROTESTE (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), entretanto, discorda. Para o órgão, um dos principais de nosso país, a mudança não pode acontecer sem que exista um conjunto de normas para proteger o usuário, algo que é de responsabilidade da Anatel. Além disso, cita a possibilidade de que o corte ou reduçao de velocidade constituam quebra de contrato, uma vez que a banda contratada pelo cliente é diferente daquela que está sendo, ou não, oferecida.
O governo, entretanto, ainda se mantém um tanto quanto calado sobre o tema. Enquanto realiza estudos sobre o novo cenário da banda larga brasileira e diz preparar um conjunto de regras para abranger as novas práticas do setor, a Anatel afirma que as franquias de utilização estão de acordo com suas normas, desde que as operadoras disponibilizem de maneira clara um medidor de consumo e emita avisos por SMS, email ou outros métodos sempre que o cliente estiver se aproximando do limite.
A aproximação entre as conexões caseiras e mobile também podem criar um panorama parecido. Operadoras podem, por exemplo firmar acordos para isentar certos serviços de consumo na franquia, permitindo uma utilização “gratuita” de determinadas plataformas. É o caso, por exemplo, de empresas que trazem Facebook e WhatsApp gratuitos nos celulares, algo que pode, inclusive, ser utilizado como estratégia de marketing para que os clientes escolham uma companhia em vez da concorrência.
É aqui, entretanto, que está o pior nó. Especialistas e juristas afirmam que esse tipo de promoção vai contra o Marco Civil da Intenet, um conjunto de normas para a rede que, entre outras coisas, defende a neutralidade da rede. Ou seja, pelas normas, nenhuma empresa pode oferecer um serviço diferente de acordo com a plataforma que está sendo utilizada, seja por meio da limitação de velocidade, privilégios no acesso ou, nesse caso, “gratuidade”.
Mais uma vez, aqui, evidencia-se a necessidade de regulamentação e temos fortalecida a noção de que ainda há muita discussão por vir. Como sabemos, os interesses do consumidor nem sempre são levados em conta em questões como estas. Resta, a nós, torcer para que não seja o caso aqui, e que no fim das contas, não nos vejamos diante de um retrocesso justamente em um momento em que o streaming e o mercado nacional de jogos são as grandes vedetes no mundo da tecnologia.