Lá se vão quase quatro meses desde que Pokémon Go desembarcou no Brasil, e o que era uma febre, aparentemente, tem esfriado cada vez mais. É claro, não dá para dizer que o game morreu ou foi abandonado, como muitos sites com manchetes sensacionalistas fazem questão de afirmar de tempos em tempos. Mas é fato que o fervor, pelo menos, está cada vez mais branco.
Ainda hoje, são centenas de milhões de usuários – a Niantic, infelizmente, não libera os números exatos, mas sabemos que 70% deles jogam todos os dias – e estimativas de que a desenvolvedora esteja lucrando mais de US$ 2 milhões por dia com o título. Atualizações constantes e eventos sazonais aparecem para manter o interesse constante, enquanto a aproximação da segunda geração de Pokémons é vista como o farol do retorno de muita gente ao game.
Também não se discute o fato de que Pokémon Go foi a maior história do ano no mundo dos games. E que, mais do que movimentar números, downloads, servidores e dinheiro, ele mexeu com as pessoas, criando hábitos e transformando outros. Tem gente, até hoje, pegando o caminho mais longo e andando mais para chocar ovos.
Tem também quem se sinta, agora, mais seguro de andar na rua de celular na mão. Mesmo durante o dia, é preciso ficar esperto – e o próprio jogo nos avisa sobre isso – mas a presença de mais gente ao redor facilita as coisas. E quanto todos estão jogando Pokémon Go, melhor ainda.
Uma vez, uma amiga cosplayer falou que jamais andaria fantasiada pela rua, enquanto, em um evento, aquilo era a coisa mais normal do mundo. Provavelmente tem a ver com algo como “loucura compartilhada”, aquela sensação de pertencimento que só vem quando estamos entre pessoas com gostos semelhantes, onde não existe julgamento.
Foi o que presenciei, muitas vezes, quando andava pela cidade em busca de um apartamento novo. Surpreendido por uma chuva, parei debaixo de uma marquise onde estava uma garota, também sem guarda-chuva. Aproveitei a pausa e a calmaria para responder mensagens no celular. Depois, aproveitei uma Pokéstop que estava próxima, e somente ao me ver fazendo isso, ela também sacou seu próprio celular, fazendo um aceno de cabeça em minha direção.
Imagem: Pokémon Go Brasil
Tinha uns monstrinhos por ali também, um Psyduck e um Rattata, capturados por ambos. Depois, ela seguiu para o ponto de ônibus logo à frente, pois viu o coletivo se aproximando. Não dá para saber ao certo porque ela optou por jogar somente quando me viu fazendo o mesmo, já que só me toquei disso depois.
Interações sociais que poderiam não existir também são incentivadas pela utilização do joguinho. Cecília Fialho, aqui do NGP, já fez amigos em uma praça de Uberlândia, em Minas Gerais, por causa de um Golduck encontrado nas proximidades. O assunto que começou sobre o título seguiu para outros tópicos, e por mais que o papo tenha acabado ali, temos mais um exemplo de engajamento que simplesmente não iria acontecer, não fosse pelo game.
E esse é apenas um exemplo simples, perto de histórias de superação como a de Adam, um jovem britânico que viu no título móvel uma chance de superar o autismo que o impedia de sair de casa. Ele trocou Minecraft pela obra da Niantic, e em vez da sensação ruim e dores físicas que sentia sempre que estava na rua, começou a fazer amigos e interagir com outras pessoas.
Pokémon Go prova, até mesmo, que as aparências enganam. A quilômetros de mim, em Belo Horizonte, o leitor Lucas Rocha passava por situação parecida. Diante de indivíduos de atitude suspeita, ele jurava que ia ser assaltado enquanto jogava Pokémon Go. Mas, de uma situação que tinha jeito de que ia dar muito mal, nasceu uma broderagem, mesmo que momentânea, já que os rapazes apenas queriam saber se tinha Dratini nas proximidades.
“Pokémens” são coisas séria
Com o fim do hype em torno de Pokémon Go, um segundo movimento se tornou mais evidente. Quem diria, temos jogadores hardcore em um game para celular, o que contraria algo que, para muitos, é a própria lógica de um jogo mobile. É gente que compara IV, sabe as melhores combinações de golpes e os tipos mais eficazes para ataque ou defesa de ginásios.
São eles, por exemplo, que chiam a cada alteração nas mecânicas feitas pela Niantic, como as recentes mudanças de CP nos Pokémons, que alteraram o balanço de poder entre os personagens, ou as alterações no ganho e perda de Prestígio. São treinadores que fazem questão de permanecerem pelo máximo de tempo possível em um ginásio, por mais que a recompensa oriunda disso venha apenas uma vez por dia.
Como toda sociedade organizada, também existem aqueles que lutam pela ética dentro do game e caçam os usuários de GPS falso. Nos grupos, é quase diária a postagem de usuários que dominam vários ginásios em sequência ou possuem evolução incrivelmente rápida para alguém que joga “certo”, andando por aí. A postagem de nomes de usuário é feita a todos, para que a Niantic seja bombardeada de denúncias e tome uma atitude mais rápida.
E dentro desse grupo de vigilantes da lei, existe um que me é o mais curioso, e que gosto de chamar de “polícia da imigração de Pokémon Go”. Eles são especializados em um tipo muito específico de identificação de usuários de GPS falso, por meio da utilização de monstrinhos exclusivos de algumas regiões.
Há quem diga que o sistema de verificação da Niantic é lento e ineficaz. Outros afirmam terem sucesso e efetivamente conseguido banir um jogador trapaceiro – inclusive, falando que, se o Pokémon regional for legítimo, a empresa terá os meios de verificar isso. Fico me perguntando quanta gente, se alguém, efetivamente foi removido do game por conta disso.
Seja como for, Pokémon Go operou uma mudança que ainda não pode ser muito bem analisada, apesar de vista aqui e ali. Em um momento em que se falava demais em realidade virtual, a Niantic provou que o que pega mesmo é a aumentada, e que por meio desse tipo de distorção, através da câmera, é possível mudar o comportamento social das pessoas. De forma positiva ou, simplesmente, intensificando a paranoia.