Se uma sequência traz a ideia de evolução de conceito e situações ainda maiores, Outlast 2 pode ser considerado um dos melhores exemplos possíveis. Com experiência, mais atenção do público e, acima de tudo, mais recursos, a equipe da desenvolvedora Red Barrels entrega um título ambicioso, que tenta levar a correria, o terror e, acima de tudo, a perturbação mental a novos patamares.
A trama nos coloca, mais uma vez, na pele de um jornalista que, literalmente, tem a câmera como sua arma. Blake Langermann vai com sua esposa, Lynn, para uma área remota no deserto do Arizona, nos EUA, investigar o assassinato de uma garota grávida desconhecida. As coisas, claro, não demoram a ir mal e, após um acidente de helicóptero, os dois começam a ser perseguidos por seitas religiosas que acreditam que o fim do mundo está chegando.
Pode parecer um tanto clichê, e realmente é, mas o enredo acaba sendo o maior acerto de Outlast 2. Não por sua temática em si, já que ela é a mesma vista em tantos filmes e livros do gênero – muitas vezes, até com desenvolvimento melhor –, mas por dar sentido a toda a correria e nojeira que veremos ao longo do jogo.
Isso caminha lado a lado com o conjunto gráfico e não é exagero nenhum dizer que o título é um dos mais bonitos dos últimos tempos. Destaque para as alucinações de Blake em um colégio, com efeitos de iluminação incríveis, e para o absurdo nível de detalhes dos cenários, que contam a história tanto quanto falas e cutscenes em si.
Com isso, aumenta o espanto envolvido quando o jogador se depara com imagens que já seriam naturalmente perturbadoras, como o momento em que o protagonista é enterrado vivo ou os cadáveres de recém-nascidos espalhados pelo local. Já a primeira amostra de que a produtora aprendeu com o feedback do primeiro Outlast, ficando sabendo que os sustos e desespero não são nada sem um contexto que dê sentido a eles.
O enredo acaba sendo o maior acerto de Outlast 2, não por sua temática em si, que chega a ser até clichê, mas por dar sentido a toda a correria e nojeira.
E, acredite, você vai precisar de estômago. A produtora Red Barrels não poupa esforços para chocar o jogador e faz isso com uma quantidade abundante de pedaços de corpos, sangue jorrado, dejetos corporais e indivíduos com um aspecto deplorável. As mortes não são menos violentas e, durante toda a jogatina, a sensação é de peso no peito.
Isso se estende, inclusive, à leviandade com a qual a produtora trata temas como o fanatismo religioso e, principalmente, o estupro. O primeiro aparece como o motivador de toda aquela situação desgraçada, enquanto o segundo, mais do que insinuado, é efetivamente tentado. A situação é colocada de maneira assustadora da mesma maneira que um ataque inimigo ou uma pilha de corpos, tudo com o objetivo de chocar o jogador.
Por outro lado, situações de abuso infantil aparecem como um dos maiores horrores do game e é impossível não ficar revoltado com os eventos que se desenrolam. Se no primeiro caso não existe a menor tentativa de gerar reflexão e denúncia, já que as situações se desenrolam como um auxílio ao terror em si, aqui o sentimento é de revolta pura.
Entretanto, vale a pena citar que, ao abraçar a história, a produtora não seguiu esse caminho até o final. Apenas o básico do básico é contado ao jogador durante a campanha, trazendo menos que o suficiente para que ele compreenda de forma superficial o que está acontecendo. Com a subida dos créditos, restam muitas questões – algumas são respondidas pelos arquivos, que passam longe de seu papel normal, de complementação.
Outras, entretanto, ficam para DLCs ou como lacunas a serem preenchidas pelas conclusões do próprio jogador. A produtora mostra, aqui, entender que apenas correr não é mais o bastante, mas também passa longe de entregar uma experiência narrativamente satisfatória. Não é legal chegar ao final, esperando que tudo se resolva, e ter que preencher lacunas com conclusões, ou, então, procurar por vídeos na internet para entender pontos centrais da história, por não ter coletado um item ou passado correndo por um diálogo essencial.
Outlast 2 também mostra uma evolução na linearidade presente no primeiro jogo. Saímos dos corredores apertados de um manicômio para uma região rural desolada no Arizona, mas ainda assim, o game segue uma cadência muito bem fixada, com cenas que possuem começo, meio e fim.
Por um lado, isso é um acerto, pois a produtora sabe que, na escuridão profunda e tendo apenas uma câmera de visão noturna com baterias contadas para enxergar, explorar os cenários não é o mais agradável. O uso de luzes, fogueiras e até mesmo a própria Lua como pontos de referência do caminho a seguir é uma boa alternativa para mascarar a ausência de indicadores e waypoints.
Ao mesmo tempo, as cenas de combate com inimigos, principalmente os mais fortes ou que atacam em bandos, permitem que o jogador brinque com o cenário. Ele sabe para onde tem que ir e pode chegar lá de diferentes maneiras, tendo diversos esconderijos e rotas para seguir sem alertar os oponentes. Caso isso aconteça, também existe uma miríade de opções para despistá-los, além da boa e velha “corra para a saída”.
Ao dar dois passos adiante, mas um para trás, a Red Barrels mostra que evoluiu, mas que ainda tem muito o que melhorar.
Apesar de tais qualidades, é bizarro perceber que a Red Barrels também entrega uma experiência com pouca consistência, que sempre vai deixar o jogador desconfortável em suas ações, mas pelos motivos errados. As chances de sobrevivência para o protagonista são sempre ínfimas, mas os recursos usados, aqui, beiram a deslealdade.
Essa falta de solidez, por exemplo, se apresenta no comportamento dos oponentes comuns. Eles sempre parecem estar observando o jogador, entretanto, seu comportamento é errático – muitas vezes, são capazes de encontrar o protagonista quando o visualizam a grandes distâncias, enquanto em outros, você pode caminhar literalmente ao lado deles sem ser percebido. Alguns são capazes de matar com um ou dois ataques, outros tiram apenas um teco de energia, e você só saberá qual é a alternativa da vez quando for atacado.
Além disso, Outlast 2 cai em armadilhas comuns do gênero, como a “comunicação telepática” que faz com que todos os inimigos de um ambiente saibam onde o jogador está assim que é localizado por um deles, mesmo que não deem nenhum alerta aos companheiros. Nesses momentos, eles parecem obter poderes também de teleporte, aparecendo sempre na rota de fuga para surpreender e assustar.
Tais elementos acabam ultrapassando a barreira do horror para chegarem à punição, transformando muitas cenas, principalmente na primeira metade do game, em um jogo de tentativa e erro. Pode se preparar, serão muitos os momentos em que o título vai judiar de você, te colocando sem rota definida em um local cheio de inimigos. Como Blake, você está abandonado à própria sorte, e isso não é tão legal quanto poderia ser, principalmente quando, como tempero, são adicionadas as barreiras invisíveis e bugs que fazem o protagonista ficar preso nas paredes.
Isso sem falar na ideia de que simplesmente não é possível fazer nada para garantir a própria sobrevivência, um dos pilares da experiência de Outlast desde o primeiro jogo da série. É claro, a ideia de não poder atacar parte da noção de que controlamos alguém que não é talhado pelo combate e, mais do que isso, está consumido pelo horror do que está adiante.
Longe de mim querer transformar Outlast em algo como Resident Evil, onde armas e mecanismos de defesa estão totalmente à disposição. Entretanto, diante do limite entre a vida e a morte, será que, mesmo horrorizado, é impossível fazer algo para se defender? Você não pegaria uma madeira no chão e tentaria bater no oponente que vem com tudo para cima? Não derrubaria obstáculos durante a fuga para atrasar o avanço inimigo?
A resposta para essa pergunta é sim e existem diversos momentos do game em que Blake faz exatamente isso, seja em prompts aleatórios, após ser agarrado por maníacos, ou em cutscenes. Tais elementos gritam para o jogador que, na maior parte do tempo, está privado de tais atributos e, muitas vezes, não vê alternativas a não ser esperar o próprio assassinato para tentar seguir adiante de outra maneira.
Enquanto o título original apresentou profundidade a uma proposta de terror em primeira pessoa que era apresentada de forma básica nos games, sua sequência deveria solidificar a marca como uma das grandes expoentes do gênero. Não foi bem o que aconteceu, e devido à mão pesada em termos de punição e à falta de consistência, Outlast 2 deve acabar se tornando bem menos memorável do que deveria – contrariando muitas expectativas, inclusive.
A situação é compartilhada tanto por quem joga quanto pelos espectadores – a experiência é até interessante, mas dificilmente vamos querer passar por ela de novo. Enquanto os mais fanáticos aguardarão ansiosamente por DLCs e expansões, o público em geral simplesmente seguirá adiante ou até largará o jogo no meio. Ao dar dois passos adiante, mas um para trás, a Red Barrels mostra que evoluiu, mas que ainda tem muito o que melhorar para sagrar a si mesmo e sua franquia como uma das melhores do mercado, como muitos fãs acreditam que ela é.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Red Barrels.