Algo sempre está tocando em qualquer lugar do Japão. Lojas possuem suas próprias trilhas sonoras e, mesmo nas ruas, sempre tem uma musiquinha rolando. Alguém está falando o tempo todo com você, desde as escadas rolantes até os semáforos de pedestre, que dizem obrigado por sua paciência. Mas as casas de pachinko levam esse mundo de som ininterrupto a um novo patamar.
Tanto que é possível saber que estamos nas proximidades de uma delas de longe, não apenas pela profusão de propagandas e letreiros que anunciam as novas máquinas, mas sim pela loucura sonora. Imagine ligar diversos consoles, um do lado do outro, rodando jogos diferentes no último volume, todos ao mesmo tempo, enquanto um monte de gente bate em peças de metal.
É essa a sensação que se tem dentro de uma casa de pachinko, e fica fácil entender porque todas elas possuem portas à prova de som. A poluição sensorial é gigantesca, mal dá para ouvir a voz das pessoas, mesmo que elas estejam logo ao lado. Escutar o jogo, então, menos ainda. A massa sonora formada é absurda e os cérebros mais sensíveis, com certeza, vão adquirir uma dor de cabeça após alguns minutos nesses lugares.
Um misto de jogo e caça-níqueis
No Japão, os cassinos são proibidos, apesar de movimentos constantes na política trabalharem para sua legalização, com foco, principalmente, nas Olímpiadas de 2020. Enquanto isso, o pachinko não é nem mesmo visto como um jogo de azar, devido a seu caráter bastante peculiar. Taxá-los como caça-níqueis também não seria certo, pois tal associação traz à mente algo como o que temos em Las Vegas. Na verdade, até mesmo utilizar o termo “pachinko” para definir tais jogos não é de todo correto.
Basicamente, existem dois tipos de jogos. Os pachinkos, propriamente ditos, são máquinas baseadas em habilidade, onde é preciso, por exemplo, usar bolinhas de metal para atingir determinados pontos da máquina para ganhar prêmios. É um jogo mais de jeito do que de sorte, diferentemente dos pachislots, esses, sim, mais reconhecidos pelo público ocidental, que usam as roletas e combinações de figuras para que o jogador obtenha mais pontos e, em alguns casos, dinheiro, em outros, mais jogadas.
O que diferencia os pachislots japoneses dos caça-níqueis ocidentais, entretanto, é a forma como as empresas tratam essas máquinas. Em vez dos ganhos pelos ganhos, o que temos nos aparelhos é um enredo sendo contado. Acerte a combinação e, além de ganhar mais jogadas, você continua acompanhando a história. Erre e seu personagem sofre dano e pode acabar morrendo, uma situação que pode ser revertida com a colocação de mais moedas. É uma dinâmica semelhante à dos fliperamas, mas por não contar com a habilidade do jogador, muito mais lucrativa.
Isso se reflete claramente em números. Trata-se de um mercado que representa 4% do PIB japonês, movimentando mais de US$ 210 bilhões em apostas no ano passado. E olha que os números estão em queda, já que, na medida em que a população envelhece, acaba buscando formas mais tranquilas de se divertir. Normalmente, as máquinas funcionam com moedinhas de ¥ 100 (aproximadamente US$ 1, ou R$ 3). Multiplique isso pelo total e tenha uma noção da quantidade de gente jogando e do tempo que elas gastam dentro das casas do ramo.
Só aí já dá para entender porque tantas empresas investem tão alto no segmento de pachinkos. A Konami é uma notória adoradora desse segmento, chegando a deixar de produzir jogos de suas franquias para consoles de mesa enquanto trabalha ativamente em conversões de seus títulos para essas máquinas. Tudo de olho nas moedinhas dos jogadores.
Mas ela não é a única. A Capcom, por exemplo, também tem uma reconhecida presença nesse segmento, com máquinas baseadas em suas principais franquias como Phoenix Wright, Monster Hunter, Devil May Cry e Resident Evil – incluindo uma versão com gráficos incríveis, baseada no remake do primeiro game da série, cujo trailer (acima) engana muita gente até hoje. A lista continua, com praticamente todos os grandes nomes do mercado de games tendo uma ou várias versões de seus principais jogos em pachislot.
Isso sem falar em produtoras de anime, que transformam suas principais séries – muitas vezes sem versão tradicional para consoles ou PC – em pachislot. Durante minha recente visita ao Japão, por exemplo, uma versão baseada em “Cavaleiros do Zodíaco” havia acabado de ser lançada e permanecia entre as mais jogadas nas principais casas de Tóquio. Até mesmo novelas e programas de TV, como aqueles meio bizarros que costumamos ver no YouTube, acabam ganhando suas versões pachinko mais cedo ou mais tarde.
Lançamentos de novas máquinas são grandes ocasiões para os estabelecimentos do tipo e não é incomum ver grandes anúncios espalhados pela cidade e funcionários gritando a plenos pulmões sobre a chegada de títulos inéditos. Um dos principais lançamentos da atual temporadauma máquina baseada no mangá “Fist of the Blue Sky”, lotou casas de pachinko de Tóquio da mesma maneira que a chegada de um novo GTA ao mercado americano, enquanto empregados anunciavam, na porta, a grande promoção – cada moedinha garantia o dobro de jogadas.
“Não faço a menor ideia do que estou fazendo”
Estando no Japão, não tem como não ficar curioso com as casas de pachinko, que estão em todos os lugares – às vezes, as máquinas do tipo podem ser encontradas até mesmo em outros estabelecimentos, como lojas de conveniência. Foi na Super Potato, um dos locais mais tradicionais para quem busca jogos antigos e raridades, que tive minha experiência em primeira mão com um pachislot baseado em Resident Evil 6.
E a verdade é que, na maior parte do tempo, eu não fazia a menor ideia do que estava fazendo. Uma moeda de ¥ 100 me deu direito a dez jogadas, mas a máquina não possuía a tradicional manivela disponível nos caca-níqueis. As apostas eram feitas por botões convencionais- um deles girava a roleta em si, enquanto o outro aumentava o tamanho da aposta, para até três pontos, e tornava o acerto mais fácil.
Enquanto isso, em uma tela logo acima, cenas do jogo eram exibidas. Primeiro, Leon e Helena em um trecho subterrâneo de Tall Oaks, depois, Chris e Piers em uma cena de guerra em Edonia, ambas conhecidas de quem jogou Resident Evil 6. Giros na roleta indicavam o sucesso nos combates contra os infectados e combinações garantiam mais pontos e permitiam continuar a história.
Foi estranho começar o jogo em um ponto intermediário – quem jogou RE6 sabe que tais cenas aparecem mais ou menos na metade do título. Talvez eu tenha continuado a partida de alguém que estava ali antes, mas na maior parte do tempo, a sensação era que duas coisas distintas estavam acontecendo. Enquanto a roleta indicava a minha continuidade em frente à máquina, um filme era exibido na tela superior. Muitas vezes, era difícil perceber exatamente o reflexo das combinações no que estava acontecendo com os personagens.
Outros games, por exemplo, pareceram bem mais intuitivos, o que me faz pensar que a minha escolha, motivada pelo fato de eu ser fã de Resident Evil, me levou a uma máquina que não é uma das melhores. Em um shopping no bairro de Shinjuku, observei a longa partida de uma garota em uma máquina musical. Ela controlava um show de uma cantora virtual e, além de girar a roleta, também participava da coreografia pressionando botões de forma sincronizada, quase como em um Guitar Hero. O sucesso na combinação parecia definir a dificuldade da dança, e ela era boa nisso.
Fiquei cerca de 30 minutos no local, fui embora e ela continuava lá. Pelo jeito, sou eu mesmo que não sabe jogar. 210 bilhões de moedinhas não podem estar erradas.