Caótico e Bom

Pathfinder: Kingmaker Definitive Edition

por Diogo Fernandes

Caótico e bom

O RPG de mesa como o conhecemos data de, pelo menos, meados dos anos 1970. De lá para cá, muito dado já foi rolado. Vários livros básicos foram lançados e vendidos feito água, suplementos e compêndios então, nem se fala. E, até o momento, estamos na 5ª edição de Dungeons and Dragons, que vai muito bem. Gary Gygax sorri satisfeito lá do panteão RPGístico, mas nem sempre foi assim.

Dizem que quando D&D vai mal, o mercado de RPG vai mal. A quarta edição do jogo não foi bem recebida – com razão – tanto pela crítica quanto pelos jogadores e isso arrastou o hobby um pouco para as sombras. Contudo, nesse vácuo deixado, Pathfinder surgiu para suprir uma necessidade criada de um jogo medieval fantástico mais simples e rápido, feito para trazer iniciantes ao hobby que buscavam algo mais dinâmico, porém sem abandonar o viés clássico.

Dessa forma, seguindo um caminho natural, assim como ocorreu anos antes com Baldur’s Gate, Neverwinter Nights e tantos outros, em 2018, Pathfinder: Kingmaker chegou aos computadores pelas mãos do estúdio russo Owlcat Games, e publicado pela Deep Silver, após uma campanha bem sucedida no Kickstarter. Utilizando o mesmo bom tempero isométrico já conhecido, bem servido de espadas e magias e com uma história bem contada, mas acrescentando um diferencial já explicito no título, conquistar e manter seu próprio domínio.

Com o sucesso nos PCs, em agosto de 2020, Pathfinder: Kingmaker Definitive Edition chega aos consoles apresentando o novo modo de combate em turnos – antes presente como um mod. Alcançando um público carente desse tipo de jogo e com o desafio de trazer aos limitados botões dos controles toda a mecânica presente no teclado e mouse, o título entrega o clima que promete, mas cobra um preço muito caro para isso.

Fidelidade de dois gumes

Caótico e Bom

Jogar RPG de mesa é maravilhoso, mas demanda tempo. Criar as fichas dos personagens, com cada jogador pensando nas suas possibilidades e detalhes, às vezes, ocupa um dia inteiro, tudo isso para entrarem em campanhas que podem durar anos, e essa é a graça da coisa. Em Pathfinder: Kingmaker, todo esse processo de construção é o mais fiel possível às mecânicas de jogo de mesa, detalhe por detalhe. Em resumo, da criação do personagem até completar a primeira quest do título, você pode levar dias.

Pathfinder: Kingmaker é um produto para RPGistas. Nota-se nele o carinho nos detalhes que fazem o game ser tão interessante para o nicho.

Dentro do gênero do game, o meio-termo que sempre existiu entre a flexibilidade dos jogos e o sistema da vez empregado desaparece aqui para que uma mesa de RPG seja quase simulada na TV. Todo o vagar normal do jogo real está presente em Pathfinder: Kingmaker e essa é a maior característica do jogo, tanto pelo bem quanto pelo mal.

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Isso o torna, ao mesmo tempo, muito completo para quem já sabe o que fazer e terrivelmente complexo para quem acabou de chegar. Precisar conhecer de antemão os livros básicos e entender como funcionam talentos, perícias e coisas do tipo é um imperativo desastroso, por mais que dicas sejam pulverizadas aqui ou ali durante as partidas, beira o impossível para quem nunca jogou RPG de mesa se divertir de imediato com o game.

A única área de aprendizado mútuo em Pathfinder: Kingmaker – que vai confundir todos de modo igual – é o que origina o subtítulo. Após a primeira quest, precisamos gerenciar nosso recém conquistado baronato, com todos os problemas interessantes e responsabilidades chatas que isso acarreta.

Duas campanhas

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A premissa da campanha principal de Pathfinder: Kingmaker é muito simples e direta. Jamandi Altori, uma autoridade local poderosa e influente, reúne aventureiros em sua mansão e oferece um título de barão a quem invadir e acabar com o domínio de um vilão chamado Stag Lord. Grupos se dividem e quem conseguir primeiro, ganha.

A quest, curta de início, vai ganhando contornos quando a mansão é invadida e uma tentativa de assassinato é frustrada pelo seu personagem e sua nova party. Assim se inicia a aventura em grande estilo e com mais perguntas que respostas, dando ao jogador sempre opções de interação, seja para buscar essas informações ou jogar tudo para o alto, meter o pé na porta e descer o machado. A liberdade de ações, inclusive, é um ótimo destaque do jogo, que também se estende para a sua outra parte.

Com a primeira quest finalizada, viramos um barão ao nos apropriarmos do antigo forte de Stag Lord e uma nova frente se abre quando os combates deixam de ser campais e passam a ser travados na sutileza da sala do trono. O game acaba deixando claro que é mais fácil lidar com trolls e goblins do que confiar em NPCs de caráter indefinido. A partir daí, realmente se inicia, dividindo-se em dois.

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É mais divertido do que parece ter que lidar com os problemas do seu novo feudo. Buscar alianças, resolver problemas financeiros e conflitos individuais dentro da sua própria party – vale aqui ressaltar, com vários personagens muito carismáticos e com história própria e aprofundada – é um desafio novo e a proposta principal de Pathfinder: Kingmaker. Isso também gera uma quebra da monotonia da ação desenfreada com partes puramente sociais, nos fazendo pensar se aquele ponto colocado em atributos físicos em um determinado personagem não seria melhor aplicado em Sabedoria ou Carisma, por exemplo.

Unindo combates estratégicos muito interessantes, grandes doses de história intricada dentro da campanha principal e em sidequests – há vendedores de livros e missões para montar uma gráfica! – junto com um leque bem amplo de interações com inúmeros NPCs, esse jogo seria tudo que o jogador de RPG gostaria de ver realizado nos consoles. Contudo, o maior adversário ainda estava escondido.

Falhas críticas

Pathfinder: Kingmaker possui muitos problemas. Tantos que, no dia do lançamento, era impossível passar de determinada parte antes mesmo de iniciar a quest inicial. A atualização daquela mesma data resolveu, mas ainda assim, crashes aleatórios ocorrem com muita frequência e sempre durante as malditas telas de loading.

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Elas estão espalhadas pelo jogo inteiro e qualquer mudança de área depende delas. Dependendo do lugar, levam quase um minuto para serem encerradas, e isso levando em conta que não se tratam de áreas grandes demais ou com um primor gráfico que onere o console – este sendo até bem mediano, na verdade.

A experiência é muito semelhante ao material de origem, mas graves problemas de otimização e controles, nos consoles, entram no caminho.

Transpor uma jogabilidade tão atrelada ao teclado e mouse para a limitação do joystick é um trabalho difícil e, em Pathfinder Kingmaker Definitive Edition, o seu resultado não é a seu melhor exemplo. Há uma curva de aprendizado um tanto longa para tudo funcionar quase naturalmente; se ver perdido tentando acessar algum item ou descobrir por quanto errou determinado golpe é recorrente.

As quedas constantes de frames também estão ali fiéis ao port ruim. Perder progresso ou controles confusos, infelizmente, são alguns problemas bem sérios que encobrem todo o acerto que o jogo possui, impondo o sentimento de que um bom produto de nicho foi entregue aos consoles em um pacote feito sem o mesmo cuidado. Uma pena.

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Grandes personagens

A melhor parte de um bom RPG é conhecer os diversos personagens que nos acompanharão em nossa jornada. Quando todos os companheiros possuem um carisma alto – não apenas com números em uma ficha –, cada momento gasto ali vai valer a pena. Pathfinder: Kingmaker Definitive Edition poderia ser um desses exemplos se não fossem todos os seus problemas descritos acima.

Após os ataques na mansão, Linzi, uma barda halfling, gruda em nosso personagem na busca de criar seu épico. Poeta e escritora, um livro narrando as aventuras do grupo é seu objetivo de vida, ao ponto de roubar recursos do reino para que isso seja alcançado. Harrin é um anão clérigo do deus da morte e um ótimo companheiro, enquanto Groetus, o Deus do Fim dos Tempos, carrega os aspectos não da morte cruel, mas sim de algo natural e inevitável a todos os seres vivos.

Valerie é uma mulher belíssima, homens caem sob seus pés e corações são despedaçados por isso. Ela veste uma armadura de batalha completa, uma espada em uma mão e um escudo gigante na outra e a sua beleza é a sua maior desgraça. Ex-paladina, de sangue nobre, descrente dos deuses e com uma raiva mortal da sua antiga ordem eclesiástica. Amiri, outra mulher forte – muito forte –, uma bárbara das montanhas que precisou vencer todo o machismo de sua antiga tribo provando seu valor em batalha.

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Esses são apenas alguns personagens de uma longa lista, cada um com suas histórias paralelas e muito bem construídas. Os vários personagens que se juntam ao grupo são o ponto alto do jogo. Os diálogos, todos dublados, em volta das fogueiras nos muitos acampamentos improvisados no decorrer da campanha são sensacionais. Textos curtos, mas que sempre trazem um aprofundamento dos participantes e do mundo ao redor. De forma sutil, ali se encontra todo o cerne que faz o RPG de mesa ser tão querido. Histórias, aventuras e vitórias – ou não – sendo compartilhadas.

Pathfinder: Kingmaker é um produto para RPGistas. Nota-se nele o carinho nesses detalhes, que fazem o game ser tão interessante. A Definitive Edition, contudo, não acompanhou esse empenho, com um sentimento misto que parece uma magia mental poderosa, onde algo que queremos muito gostar nos é impedido por alguma coisa. Mas o cenário vem mudando.

Apesar de conseguir jogar algo do gênero nos consoles ainda ser um artigo raro, aos poucos, novos títulos semelhantes vão surgindo no mercado e alcançando antigos fãs saudosos e novos adeptos do RPG clássico, despertando novo interesse e abrindo oportunidades para quem quer experimentar o que fez desse estilo tão querido.

Pathfinder: Kingmaker Definitive Edition poderia ser, talvez, o maior expoente da categoria nos video games, tanto por trazer no nome o sistema responsável pelas suas mecânicas quanto pela competência na criação e imersão do mundo. Porém, falhou no teste de resistência. Uma atualização futura pode até corrigir esses erros, mas o título já levou dano demais para aguentar firme no combate.

O game foi testado no PlayStation 4 em cópia cedida pela Deep Silver.