Desde seu anúncio, era óbvio que Pokémon GO seria um enorme sucesso. O game parte de uma premissa bastante simples e muito eficiente: trazer para o nosso mundo tudo aquilo que os jogos e o desenho animado da série sempre mostraram. Que criança que cresceu acompanhando Ash, Pikachu e companhia não sonhou em partir em sua própria jornada? E a Niantic tornou isso possível de uma maneira prática: com apenas um smartphone, você pode se tornar um mestre Pokémon.

Essa simplicidade no conceito é uma das razões que explicam o sucesso estrondoso do aplicativo. Lançado há menos de uma semana, o app chegou quebrando recordes e se revelou uma aposta mais do que lucrativa para a Nintendo. Além de se tornar o aplicativo mais rentável das lojas da Apple e Google, Pokémon GO também foi responsável por uma valorização de 25% nas ações da empresa. Pois é, os monstrinhos de bolso estão mais em alto do que uma.

Só que o lançamento e o sucesso de Pokémon GO revelam ainda outro ponto muito mais interessante para o mercado como um todo. Em um ano em que todo mundo só fala de realidade virtual e de projetos que coloquem o jogador dentro desses ambientes virtuais, é curioso ver que o maior sucesso de público (e financeiro) até agora tenha sido um projeto que vai exatamente na contramão disso. Ao trazer aos monstrinhos para o nosso mundo e fazer todo mundo enlouquecer com isso, a Nintendo mostra que a realidade que vai dominar o futuro é a aumentada, e não da virtual.

A ideia certa na hora certa

Antes de tudo, é preciso apontar que Pokémon GO é a ideia certa na hora certa. O aplicativo é a combinação de uma ótima estratégia com um momento em que o mercado como um todo procura uma nova tendência. Tanto que a mesma Niantic que nos trouxe o app já tinha lançado um game com a mesma proposta no passado, Ingress, e causou muito menos barulho. Então por que somente agora?

Pokémon GO se transformou nesse colosso muito pelo apelo que a própria franquia possui e pela fórmula atrelada a ela. Toda criança já sonhou em ser um Mestre Pokémon e os 20 anos de jogos da Nintendo apenas reforçaram essa ideia no imaginário popular. Assim, trazer um game em que isso é possível apenas tornou essa brincadeira real.

Enquanto o grande mercado de jogos, sobretudo nos consoles e PCs, defende que o próximo passo da evolução tecnológica é colocar o jogador dentro desses universos ficcionais, o que a Niantic fez foi mostrar que fazer o caminho inverso, ou seja, colocar os personagens dos games dentro da nossa realidade é ainda mais eficiente. Como as multidões reunidas em parques e praças mundo afora para capturar um único Pokémon mostraram, essa experiência de realidade aumentada pode oferecer um engajamento muito maior. E o melhor de tudo: de uma maneira bastante acessível. O fato de a realidade aumentada poder ser usada a partir de um suporte tão popular quanto um smartphone pode ser o grande diferencial da tecnologia. Basta um aparelho que todo mundo já tem para entrar na brincadeira, dispensando qualquer tipo de acessório ou óculos especiais que custam algumas centenas de dólares.

Sem intermediários

A realidade virtual sempre esbarrou na questão do suporte. Em sua primeira investida, os óculos eram realmente bem ruins e não conseguiam criar a sensação de imersão necessária. Agora, nesta segunda tentativa de levantar a tecnologia, ela acaba enfrentando o problema do preço. Por mais interessante que seja o conceito, é preciso entregar algo realmente impressionante para fazer o consumidor gastar algumas centenas de dólares nisso. Pokémon Go Tanto que já temos vários óculos disponíveis no mercado, mas parece que o VR ainda não deslanchou. Os US$ 599 do Oculus Rift ainda parece algo muito proibitivo, ainda mais com a quantidade escassa de conteúdo para ele. Nem mesmo iniciativas mais em conta, como o Gear VR e o Cardboard, conseguiram impulsionar a realidade virtual como se esperava, fazendo com que ela ainda tenha um grande desafio para superar. Por outro lado, a realidade aumentada é algo muito mais próximo do usuário comum. Você não precisa ser um entusiasta para testá-la no seu dia a dia e nem depende de um grande investimento. Tanto que, com um smartphone intermediário, você pode passar horas brincando com os filtros do Snapchat ou com aqueles aplicativos que o transformam em um senhor idoso ou em um zumbi. Pokémon GO A RA já está presente na vida dos usuários, mesmo daqueles que nunca tiveram muito interesse em games. Enquanto a realidade virtual ainda luta para se desvencilhar da ideia de que se trata de algo exclusivo para jogos, a aumentada já alçou voos muitos maiores e alcançou diferentes públicos. O que Pokémon GO fez foi apenas escancarar tudo isso e mostrar ao mundo o potencial que existe ali.

Plantando oportunidades

E esse potencial não está apenas na criação de boas ideias, mas em como elas podem ser aplicadas para os negócios. É esse envolvimento das empresas que pode fazer com que a realidade aumentada se torne o próximo big deal do mercado. Pokémon GO já deu uma pequena demonstração disso da maneira mais básica possível: a popularidade. Mesmo gratuito, o game já é o aplicativo mais rentável da App Store e do Google Play graças à compra compulsiva de itens e moedas dentro do game. É claro que ele é um ponto fora da curva, sobretudo por se apoiar em um sucesso que já precedia ao novo jogo, mas o uso da realidade aumentada ali vai servir de combustível para novas ideias no futuro. Realidade aumentada Como explica o especialista de hardware da AMD, Alfredo Heiss, o fácil acesso ao suporte da RA permite que mais empresas experimentem a tecnologia e criem diferentes ações a partir desse conceito. “Uma rede de fast foods, por exemplo, pode colocar um código na embalagem de seu sanduíche para que a pessoa use seu smartphone para fazer uma leitura e ver surgir um personagem na sua frente, com o qual ela pode interagir”, aponta. Para ele, as possibilidades são diversas. E, por mais banal que pareça ver o Ronald McDonald dançando na tela do seu celular, essa pequena brincadeira já revela um mar de possibilidades que a publicidade pode (e vai) explorar. É o tipo de recurso simples, acessível e que chama a atenção de marcas não relacionadas à tecnologia, o que facilita a popularização. Desenvolver funções e aplicativos que usem a realidade aumentada é muito mais barato do que fazer o mesmo com a realidade virtual. Tanto que essa adesão do mercado não especializado já é considerado um filão gigantesco em que muitas companhias estão de olho. Com Pokémon GO, a Niantic já estuda maneiras de fechar parcerias com lojas de varejo e outras empresas para fazer com que seus estabelecimentos se transformem em pontos de interesse dentro do jogo. A ideia ainda está em fase inicial, mas revela uma estratégia bastante lucrativa para o futuro. Se eu tenho um bar ou restaurante, posso atrair todos esses jogadores para o meu negócio se conseguir colocar um Pokémon lá dentro ou transformar o lugar em um ginásio.

É o tipo de coisa que parece exagero, mas que se torna cada vez mais realidade. Nos Estados Unidos e Austrália, países em que Pokémon GO já foi lançado, alguns estabelecimentos perceberam essa movimentação dos jogadores e criaram maneiras de atrair esses consumidores em potencial. Eles perceberam que há uma oportunidade de negócio muito maior ali do que apenas pessoas correndo atrás de Pokémon.

Mais do que isso, exemplos como esse mostram que a realidade aumentada pode alcançar um novo tipo de monetização que a indústria tradicional de games falhou em alcançar: a publicidade. E não falo daquelas propagandas irritantes que surgem quando você abre um aplicativo, mas de anúncios incorporados ao jogo.

Assim como acontece nos esportes, em que marcas se digladiam por um espaço que chame a atenção do espectador, a realidade aumentada pode atrair uma nova categoria de publicidade e gerar ainda mais receita em títulos e aplicativos de utilizem essa tecnologia.

Indo além

E para quem já estava apostando na realidade aumentada, o lançamento e o sucesso de Pokémon GO se transformaram na confirmação de que os negócios estão no caminho certo. É o caso da Microsoft, que decidiu deixar de lado a disputa pelo mercado de VR para apostar em um conceito ainda mais inovador com o HoloLens. Por mais que muita gente goste de dizer que os óculos trabalham com hologramas, o conceito apresentado nada mais é do que uma versão mais elaborada do mesmo RA que você tem em seu smartphone.

HoloLens

Em entrevista ao site CNBC, o CEO da Microsoft disse que o sucesso de Pokémon GO é como ouro para o futuro de seu dispositivo. Para Satya Nadella, a popularização do aplicativo ajuda a consolidar a realidade aumentada entre o público geral e cria uma base bastante firma para uma nova categoria de conteúdo que está por vir. Segundo ele, o interesse das pessoas por Pokémon GO vai se traduzir em um aumento no interesse das pessoas no HoloLens, uma vez que estamos falando da mesma tecnologia.

É claro que, apesar de dividirem o mesmo conceito, há um abismo que separa os óculos da empresa do gigante mobile da Nintendo e impede que a relação entre eles seja tão direta. Como dito antes, o suporte acessível favoreceu muito Pokémon e todo mundo já espera que o dispositivo da Microsoft custe tanto quanto um Oculus Rift. Por outro lado, não há como negar que iniciativas como o HoloLens e o Sulon Q, apoiado pela AMD, vão se beneficiar sim dessa exposição que a tecnologia recebeu.

https://www.youtube.com/watch?v=3AADEqLIALk

Como Nadella aponta, os óculos de realidade aumentada são conceitos que só vão aparecer no mercado daqui a alguns anos — tempo o suficiente para que as pessoas passem a se relacionar de diferentes formas com essa mistura de mundo real e digital. E, quando isso acontecer, elas vão perceber como é possível utilizar esse conceito sem precisar segurar nada nas mãos, tendo tudo diante de seus olhos. Essa evolução não estará disponível apenas para os jogos, mas também para educação e treinamento profissional, por exemplo.

Só que, para chegar a esse ponto, é preciso de um ponto de partida. E Pokémon GO foi exatamente esse início estrondoso que a realidade aumentada precisava. Isso não quer dizer que a realidade virtual está fadada ao fracasso, mas o fato de a RA ter um potencial muito maior de atrair investimentos e criar novos negócios, é possível que estivéssemos olhando todo esse tempo para o lado errado da evolução tecnológica. Foi preciso, no fim das contas, um Choque do Trovão para nos atentarmos a isso.

Este artigo foi escrito originalmente para o Canaltech.

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