É impressionante como tudo pode mudar em apenas cinco anos. Em 2015, Project CARS chegou pelas mãos da Slightly Mad Studios, uma desenvolvedora que não era novata no mundo dos simuladores, mas ainda lutava para ser reconhecida ao lado dos grandes nomes do ramo. Ela conseguiu, utilizando o motor de um game de corrida dos mais consistentes e desafiadores, uma noção que foi apenas solidificada com a chegada de sua sequência, dois anos depois, levando todos esses ideais ainda mais adiante.
E então chegamos aos dias de hoje e a Project CARS 3 que, quando comparado aos anteriores, nem mesmo se parece com uma sequência. Marcando a despedida da parceria entre a desenvolvedora e a Bandai Namco, o título tenta se reinventar em um universo que não havia pedido por isso, atraindo um novo público enquanto não parece se preocupar em deixar outro órfão. No final das contas, o título acaba perdendo a todos, deixando suas raízes de simulação de lado e apresentando um resultado mal acabado, cheio de defeitos gráficos e que em nada lembra seus dias gloriosos.
As diferenças são percebidas logo no começo, e assim que os motores começam a roncar. Analisamos o game na versão original do PlayStation 4, e chega a ser impressionante como, em alguns momentos, ele acaba se parecendo com um título de corrida de duas gerações atrás. Falamos isso da pior forma possível, mesmo, ao percebermos os serrilhados e a queda na qualidade de um game que não parece estar rodando nada bem.
Iniciamos o modo campanha linear e pouco inspirado com um Honda Civic, cujo painel parece saído de um jogo de PlayStation 2. Logo em uma das primeiras provas, enfrentamos uma chuva intensa que acabou jogando a qualidade visual ainda mais para baixo, levantando comparações com clássicos do passado, como Ridge Racer. Pode ser um exagero falar em PS1 aqui, mas a verdade é que, na maioria das vezes, não nos sentimos jogando um título da atual geração e, muito menos, um game criado pela mesma equipe e no mesmo motor gráfico que seus antecessores.
Project CARS 3 tenta atingir novo público deixando suas raízes de simulação de lado, apresentando um resultado mal acabado, cheio de defeitos gráficos e que em nada lembra seus dias gloriosos.
A falta de acabamento aparece de forma gritante, quase violenta. Quadrados brancos e cortes gráficos inexplicáveis surgem em determinadas condições de pistas, câmeras e quantidade de veículos, enquanto o sistema de colisão e dano, que até existe, traz batidas que resultam em farpas e pontas afiadas que em nada parecem simular o comportamento do metal avariado. A simulação também não é afetada pelo nível de dano, outro elemento de que vamos falar a seguir.
Tudo, porém, roda sem quedas de performance muito perceptíveis, a não ser quando realmente exigimos do hardware, como em uma corrida noturna com chuva intensa e muitos veículos na pista. Nestes casos, o desempenho é priorizado em um game que parece não ter o menor pudor em deixar que todos os outros elementos visuais baixem ao mínimo aceitável, desde que a taxa de quadros por segundo não caia de forma significativa.
Novamente, chega a ser triste ver o resultado visual de Project CARS 3 em relação a seus antecessores, que já no começo da geração, demonstravam uma performance estável aliada a um conjunto visual invejável. A falta de otimização, aqui, parece ser um dos tantos sintomas da mudança passada pelo estúdio e pela franquia, mas que acabam levando a um resultado muito abaixo do esperado para absolutamente todos os públicos que a Slightly Mad Studios deseja atingir.
Outras evidências dessa ausência de polimento aparecem na localização para o português brasileiro, que parece feita a toque de caixa. Todos os textos estão em nosso idioma, sim, mas os erros de tradução são constantes e os problemas, também. Organizar as pistas para escolher por país, por exemplo, pode parecer uma alternativa legal para se achar rapidamente o que procura, menos quando percebemos que os nomes, traduzidos, ainda seguem a ordem alfabética inglesa.
Problemas de interface e usabilidade também entram no caminho da experiência, com menus nem sempre amigáveis e que exigem muitos cliques para realizar tarefas, muitas vezes, essenciais, como customizar carros para corridas com determinados parâmetros (é preciso sair da campanha e voltar ao menu inicial para fazer isso) ou encontrar a seleção de classes de uma prova customizada, assim como as configurações de dificuldade e agressividade da inteligência artificial.
Faltou, ainda, um cuidado na organização dos veículos e, principalmente, na sinalização do que está disponível. A filtragem, por exemplo, só pode ser feita por marcas ou de acordo com os veículos que o usuário possui, sem que seja possível organizar os carros por classe ou tipo de prova. A Fórmula E, por exemplo, tem todas as máquinas da temporada 2019/2020 disponíveis, mas para encontra-los, o jogador deverá localizar a fabricante dos bólidos e, na seleção de cor, optar pela escuderia preferida. Um tipo de divisão que não faz o menor sentido e acaba, até mesmo, ocultando opções interessantes e fora do normal disponíveis em Project CARS 3.
Os elementos visuais, as dificuldades na organização do conteúdo e os problemas de usabilidade seriam até aceitáveis se o título entregasse uma experiência como a dos anteriores, com o supra sumo da simulação. Mas não é o caso, no que talvez é o maior problema de Project CARS 3. Na tentativa de aproximar os conceitos de jogabilidade extrema de uma parcela de público mais casual, a Slightly Mad acaba perdendo o rumo e deixando de entregar tanto o que fazia da franquia uma potência quanto aquilo que ajudaria a trazer novos jogadores para a série.
Há um acerto indiscutível nessa estratégia, que é praticamente o único: a jogabilidade com controle. Fale com alguém que jogou os títulos anteriores da série no joystick e você, provavelmente, ouvirá que Project CARS é uma franquia bonita, mas difícil; esse comentário parece ter ecoado na sede da desenvolvedora e resultou em um título cujo manejo foi completamente modificado para se adequar melhor a essa forma de jogar.
Sem apostar em estratégias comuns dos games arcade, como o desfoque de movimento para simular velocidade ou os oponentes com comportamento “scriptado” para levar a determinados resultados de corrida, Project CARS 3 passa a sensação de peso dos veículos e de controle na medida certa. As poucas opções de customização de experiência ajudam a reduzir o abismo entre novatos e experientes, ainda que as alterações não tragam a sutiliza necessária para que o jogador evolua suas habilidades e vá se livrando de auxílios de frenagem, tração e estabilidade na medida em que vê seu potencial aumentando.
Os elementos visuais, as dificuldades na organização do conteúdo e os problemas de usabilidade seriam até aceitáveis se o título entregasse uma experiência como a dos anteriores, com o supra sumo da simulação. Mas não é o caso.
Para fazer isso, o game aposta no modo campanha, com uma linearidade que faz com que o usuário comece correndo com veículos comuns, de passeio, e vá evoluindo até as categorias mais velozes e desafiadoras do automobilismo. Project CARS 3 também faz um trabalho semicuidadoso ao introduzir conceitos aos poucos, aumentando a complexidade de traçados e inserindo efeitos climáticos na medida em que o piloto vai avançando pelas provas e, claro, se dando bem nelas, uma vez que experiência e o cumprimento de certos objetivos são necessários para seguir adiante.
Quem quiser, claro, pode dirigir em qualquer pista de Project CARS 3 usando o veículo que desejar, com as provas de exibição também resultando em pontos de experiência, objetivos concluídos e dinheiro para a compra de novos veículos e upgrades. É uma forma boa de “farmar” sem se prender apenas às corridas da campanha ou, para os iniciados, garantir uma evolução mais rápida e uma jogabilidade um pouco mais complexa mesmo nela.
Aos poucos, porém, o jogador perceberá que a mesma falta de sutileza dos menus está presente na experiência como um todo. Não houve uma reinvenção em Project CARS 3 para o tornar mais adequado ao público casual (e isso nem seria um problema, em si), e sim, uma série de cortes em uma fórmula estabelecida na tentativa de reduzir as complicações e entregar aos jogadores, apenas, o básico do que é correr de forma competitiva. De novo, nenhuma falha aqui, se essa conversão tivesse sido bem feita.
Além da ausência de opções mais profundas em termos de simulação e auxílios, a dificuldade da IA também sofre com essa falta de sensibilidade, com os oponentes variando de inaptos ao volante a ases da velocidade, passando por uma fase carrinho de trombada sem que seja possível encontrar um meio termo entre tudo isso. É possível perceber que, em alguns momentos, eles parecem deslizar em pistas feitas de sabão, enquanto em outros, têm uma aderência absurda enquanto o próprio jogador luta por controle.
Criar uma prova customizada com veículos semelhantes, muitas vezes, resulta em um grid com quase duas dezenas de carros exatamente iguais, só mudando a cor, enquanto mexer nas opções para trazer mais variedade pode levar a máquinas de classes diferentes em uma mesma pista, com performance que o jogador pode ser simplesmente incapaz de atingir.
Quando se olha de um certo ângulo, Project CARS 3 permanece sendo a volta ao mundo que sempre foi, por pistas consagradas e o jogador a bordo dos assentos mais renomados. Para cada ausência, temos uma adição como a de Interlagos ou Jerez, bem como a chegada de novas categorias como a Formula E ou a adição de mais monopostos clássicos da Lotus. Entretanto, tudo isso acaba caindo por terra quando percebemos os erros básicos de um jogo que já havia mostrado ser capaz de muito mais.
A franquia continua, conforme já foi divulgado pela Codemasters, que passa a contar com ela ao lado de GRID, F1 e tantos outros nomes reconhecidos no mundo da velocidade. Nessa mudança de controle, entretanto, Project CARS acaba diante da maior prova de sua vida: decidir exatamente o que deseja ser e, na sequência, fazer isso bem feito, seja no formato arcade ou na simulação extrema. Do jeito que está, porém, acaba não agradando ninguém.
O jogo foi testado no PS4, em cópia cedida pela Bandai Namco. Esta análise também foi publicada no Canaltech.