Rain World é um jogo brutal. Seu nível de dificuldade elevado dá poder e sentido à história de Slugcat, uma pequena criatura que é separada da sua família por culpa da chuva e tem de sobreviver no hostil mundo dos esgotos, tentando encontrar um caminho para seu doce lar.
Neste jogo, a Videocult decidiu criar uma fusão de gêneros entre plataforma, sobrevivência e um mundo aberto. Durante os dias, você deve caçar comida, explorar o mapa em busca de escotilhas para passar a noite, desviar de répteis e outras criaturas malignas que querem fazer de você o lanche do dia, além de, é claro, procurar o caminho certo nesse labirinto. Tudo isso antes que a chuva venha, pois quando ela chegar, corra, nada é mais mortal e aterrorizante que a chuva.
Com pixel arte linda e animação procedural, Rain World é um jogo encantador. Os movimentos do protagonista e dos antagonistas são interessantes e assustadores. Às vezes, um réptil pula girando a cabeça no ar e faz a espinha do jogador gelar ao pensar que não foi dessa vez que ele se foi.
A brutalidade do mundo e quão facilmente você pode morrer te faz se sentir mesmo na pele de uma pequena criatura peludinha e branca em meio a um mundo devastado. Por vezes, me vi esgueirando em brechas nas paredes torcendo para o réptil não conseguir me pegar. Às vezes dava certo… Em outras, não.
A dificuldade agradou. Muitas vezes, o erro era cometido por mim e minha inabilidade com os controles. No entanto, dá para reparar que existe certa aleatoriedade no lugar onde as criaturas do mal estavam e em como elas se comportavam. Isso mantinha o estado de alerta sempre ligado, mas começou a se tornar algo cansativo, pois quando se morre, você perde todo seu progresso e volta na última escotilha que você encontrou.
Vale ressaltar que essas escotilhas são bem raras, ou seja, voltar até lá é uma grande perda. Além disso, morrer te faz esquecer parte do mapa, o que prejudica muito em progredir no jogo. Eu entendo e aceito a brutalidade do mundo, mas comecei a achar que o jogo estava me sacaneando, pois era complicado avançar até o último lugar que se havia morrido para tentar progredir. Diversas vezes corri para conseguir sobreviver, avançando até uma área nova só para descobrir um beco sem saída. Isso é bem frustrante.
Minhas horas de jogo me levaram a explorar o mapa todo, e encontrei diversos becos sem saídas. Minhas habilidades e conhecimento permitiram rodar pelas três escotilhas que encontrei sem morrer, dormir em segurança, achar comida e rodar o mundo em busca de cada gueto ao qual eu não havia ido. Quando demorava demais para retornar em uma área e ela começava a ser esquecida do meu mapa (o mapa vai sendo apagado com o tempo), eu voltava lá para manter minhas consultas em dia. Mesmo assim, não consegui progredir. Seria isso o jogo? Sobreviver nessa área confinada pelo maior tempo que conseguir?
A dificuldade brutal de Rain World acabou criando uma comunidade que tenta entender o título e suas nuances.
Essa mentalidade de que o tempo passava existe por dois motivos. Quando você dorme, uma barra com um “número estranho japonês” aparece. Esse simbolo muda durante o sono e fica permanentemente na tela. Admito que não me atentei muito a ele; às vezes as bordas dele mudavam ou a alteração era completa. Para mim isso indicava que o tempo passou, ou não.
Esse loop de engajamento me cansou. Algumas áreas do jogo tinham nas paredes os mesmos símbolos dos dias, o que me fez pensar que talvez elas abrissem somente naqueles dias específicos. Me foquei em uma dessas áreas pensando que iria sobreviver dormindo até o dia chegar. Mas isso nunca acontecia. Contudo, depois de insistir e voltar a jogar , tudo deu certo, parede combinando e… nada. A frustração foi grande. Larguei o jogo.
O fato de eu não sentar no computador e começar a criticar imediatamente essa dificuldade absurda e o fato de o título parecer estar te zoando foi unicamente por que o jogo parece muito bem feito, e eu havia visto no trailer imagens de criaturas e áreas que eu ainda não tinha encontrado. Dentro de mim, parecia que havia deixado algo passar, mas o que?
Rain World é um jogo bonito e interessante. Sua grande falha é não explicar nada.
Durante a jornada em entender Rain World, antes mesmo de seu lançamento para o público, me apeguei a um pequeno bicho amarelo que surge hora ou outra no cenário. Ele parece ser uma espécie de guia, às vezes indica um caminho, em outras diz onde tem comida ou criaturas. Ou só fica por ali.
Em minha ânsia por tentar encontrar o caminho certo, acabei tentando segui-lo e encontrar uma lógica nessa criatura misteriosa. Minha frustração em não achar sentido em nada me fez jogar pedras naquela criatura, uma tarefa difícil, mas divertida. Para minha surpresa, ela se foi. Poder fazer isso me fez bem, mas ainda assim, a frustração era o único sentimento.
Foi então que o jogo foi lançado e, como sempre, as análises começaram a sair, vídeos na internet e tudo mais. Por eu ter gostado do jogo, decidi ler o que outros jogadores estavam falando, afinal, para muitos, esse é um jogo muito aguardado, e a Adult Swim financiou esses dois caras da Videocult por cinco anos. Trata-se de uma publisher que investe em jogos divertidos e interessantes. Eu acreditava que deveria existir algo que eu não havia entendido.
Rain World tem tudo para ser aquele jogo querido de muita gente, que fará amigos conversarem sobre as situações delicadas que passaram.
Qual não foi minha surpresa ao entender que aqueles símbolos não eram passagens de dia, mas sim, estados do karma de Slugcat. Isso muda tudo! Por que ninguém explicou essa mecânica antes? Então eu posso alterá-lo? Morrer gera mudança, comer também. O jogo ganhou uma nova camada e um novo sentido!
Também descobri que eu deveria ter segurando o botão de mapa por mais tempo na área em que os símbolos do karma combinavam com os da parede para fazer as comportas abrirem… É. Estou falando isso aqui para vocês não se sentirem frustrados como me senti ao encontrar esses becos sem saída.
A dificuldade brutal de Rain World acabou criando uma comunidade que tenta entender o título e suas nuances. Saber qual planta é uma armadilha assassina ou como os diferentes tipos de insetos comestíveis afetam sua vida. E, principalmente, de que forma abrir os becos sem saída.
O jogo acabou se tornando um puzzle externo, movimentando uma legião. Por que existem criaturas de cores diferentes? Onde encontramos as escotilhas? A comunidade começou a se ajudar e deixar o jogo mais profundo. Mesmo assim, se aqueles símbolos são estados de karma e não a passagem do tempo, por que fazer com que se pareçam com isso? Por que não explicar? Colocando-me como exemplo de jogador médio – o desconhecimento dessa informação me deixou frustrado ao ponto de parar de jogar, mesmo eu, que gostei do jogo.
Rain World é um jogo bonito e interessante. A dificuldade brutal, sem dúvida, irá agradar um nicho de jogadores que se divertem com esses sadismos de game design. Contudo, diferente de outros games deste tipo, tudo é bem justificado, faz sentido ser difícil, o mundo querer te matar e, além disso, a história é cativante, o que fará até mesmo aquele jogador mais água com açúcar se interessar pelo título.
A grande falha é não explicar nada. Acredito que deixar o mundo a ser descoberto pelos jogadores compõe a narrativa. Pular em uma corda e ela ser uma planta carnívora, ok, faz parte. Répteis terem agilidades e comportamentos diferentes, perfeito, a vida selvagem é assim. Mas não contar como abrir uma porta que dá sequência ao jogo? Isso não é maldade, é erro de design. O pior é ter um bicho amarelo guia que só te observa e não te ajuda em nada. Sendo ele tão inútil e ainda assim presente, por que não usá-lo para dar uma dica, ao menos? Isso pode ser resolvido com um patch.
Rain World tem tudo para ser aquele jogo querido de muita gente, que fará amigos sentarem e conversarem sobre momentos e situações delicadas que passaram. Como um deles escapou da chuva no último instante ou aquele pulo por sobre uma briga de répteis. Para isso tudo acontecer, o jogo só precisa permitir que as pessoas o joguem.
O game foi analisado no PC, em cópia cedida pela Videocult.