O que você tem em mãos é o resultado de mais de 15 anos de pedidos. Lá em 2002, quando a Capcom decidiu refazer o primeiro Resident Evil, para melhor o adequar aos rumos posteriores da franquia, o trabalho impressionante logo motivou pedidos para que o mesmo fosse feito com sua sequência. Afinal de contas, estamos falando de um clássico absoluto, daqueles que é presença comum em listas de melhores games da história.
Há, também, um fator afetivo a ser considerado aqui. Para muita gente, e também muitos fãs, Resident Evil 2 representou o primeiro passo na franquia. As memórias de Raccoon City pegando fogo, com Leon e Claire lutando pela sobrevivência na delegacia, não se apagaram na memória de muitos. Lidar com todas essas emoções, sentimentos e expectativas era um desafio gigantesco para a Capcom, no qual ela se saiu de maneira excelente.
Falar em remake, aliás, não é nem a melhor maneira de se referir a Resident Evil 2, apesar de ser a preferida entre os fãs. Desde o início da divulgação, a Capcom sempre falou que o título seria uma reimaginação, recontando os eventos na delegacia de polícia com o apoio das novas tecnologias para não apenas embelezar o antigo game, mas também o tornar muito mais profundo e instigante.
E estas são, realmente, palavras que definem bem o título. Ao contrário até mesmo do que acontecia no original, com seu clima mais vagaroso e claustrofóbico, a sensação de caos e devastação é perene em todos os aspectos deste novo Resident Evil 2. No antigo, quem já conhecia os controles e como esse mundo funcionava poderia se sentir até confortável, enquanto, aqui, mesmo os veteranos da série terão a sensação de que, jamais, estarão seguros e tranquilos.
Há certa burocracia no gerenciamento de itens, com certos problemas na detecção de prompts de coleta de itens ou pressionamentos de botão desnecessários na hora de coloca-los no inventário, uma vez que o posicionamento deles no bolso não faz diferença alguma. É um elemento menor, que pode incomodar durante os conflitos ou momentos de desespero, mas com o qual se pode lidar perfeitamente.
Com Resident Evil 2, a Capcom eleva o nível dos remakes de clássicos, da mesma forma que já havia feito com o primeiro jogo da franquia, em 2002.
A munição é escassa e as ameaças são muitas. Mesmo bem armado e cheio de itens de cura, é impossível não sentir que algo de muito ruim está prestes a acontecer, seja pela ação de inimigos costumeiramente imprevisíveis ou reproduzindo a antiga ideia de que, sempre que um jogo te dá muitos recursos, vem briga das grandes por aí. A antecipação e o frio na barriga devem acompanhar os jogadores por boa parte da aventura.
E aí entram os conceitos distorcidos, na melhor interpretação possível da palavra. Quem joga Resident Evil desde sempre sabe que os mortos podem até terem voltado à vida, mas que alguns tiros são suficientes para dar cabo deles de vez. Não nesta versão, com o jogador se surpreendendo o tempo todo com inimigos que levantam mesmo sem a pele e o músculo dos rostos, ou que continuam rastejando mesmo depois de terem sido reduzidos a cotocos.
Até mesmo elementos de design do passado foram repaginados aqui, de uma forma que não parecia possível com o estilo de câmera sobre o ombro. Por mais que tenhamos mais mobilidade e controle agora, o velho pavor de ouvir um som e não saber de onde ele vem está de volta, mais presente do que nunca. Só jogando mesmo para saber a sensação de ouvir um grunhido e não enxergar o inimigo, ou pior, escutar o raspar das garras de um Licker nas paredes. Espero que você esteja com suas orações em dia.
Enquanto os inimigos comuns aparecem de maneira perfeita, incluindo uma reimaginação muito interessante de um dos monstros mais bizarros da franquia, o mesmo nem sempre pode ser dito sobre o Tyrant. O perseguidor do game original também retorna e tem sua participação ampliada em Resident Evil 2, sendo transformado em um elemento implacável. O som pesado de seus passos sempre o acompanha e indica sua aproximação, enquanto os ataques fortíssimos são capazes de arrancar os personagens do chão.
O famoso Mr. X, entretanto, se torna rapidamente uma inconveniência desagradável quando aparece sem parar enquanto o jogador explora uma delegacia que já está cada vez mais tomada pelos monstros comuns. Ele não pode ser derrotado e, muitas vezes, obriga o jogador a voltar de onde veio, interrompendo o progresso uma perda de tempo que, muitas vezes, soa incômoda.
Existem, ainda, alguns problemas de programação perceptíveis no monstro, além de capacidades de teletransporte. Não é raro achar que o despistou apenas para dar de cara com ele em uma sala do lado oposto da delegacia, ou tomar um tabefe do Tyrant assim que colocar o nariz para fora de uma sala segura. É um erro no tom que acaba depondo contra uma das criaturas clássicas do game, fazendo com que ele deixe de ser um perigo constante para se tornar um elemento desagradável e até mesmo punitivo, mesmo nas dificuldades mais baixas.
É difícil não ter a sensação de que a perseguição contínua pelo monstro atrasa o progresso em um game que, o tempo todo, não enche linguiça. Resident Evil 2 é, sim, mais profundo e cheio de elementos que o seu antecessor, mas nada soa como enrolação ou “filler”. Não existem elementos fora de lugar nem adições desnecessárias. Pelo contrário, o crescimento e a evolução do game em relação aos originais é incrivelmente orgânica.
Esse, talvez, seja o aspecto mais impressionante do jogo. Tudo está diferente, mas também soa igual. Da mesma forma que fãs veteranos terão facilidade em localizar salas, enigmas ou se direcionar na imensa delegacia, esse mesmo conhecimento do passado é usado contra o usuário quando absolutamente nada funciona como nos anos 1990. Em um jogo quase sem loadings, cada sala é um assombro e um impacto, não apenas quando falamos dos belíssimos elementos visuais, mas também pelos easter eggs e segredos escondidos em todo canto.
A performance impressiona e mesmo nas versões tradicionais dos consoles (que parecem que querem sair voando tamanho o esforço dos coolers), não existem gargalos. Pequenas quedas na taxa de quadros por segundo podem ser sentidas em algumas interações com o Mr. X, bem como em momentos posteriores de grande ação, em combates contra chefes. No geral, entretanto, a RE Engine mais do que dá conta do recado e entrega uma devastação de proporções épicas.
Entretanto, até aqui, estamos falando quase que integralmente de elementos que já eram esperados, como os belíssimos gráficos e a história que expande o original. O que poucos jogadores esperavam, entretanto, é que o novo Resident Evil 2 também traria de volta uma sensação das mais antigas e raras nos jogos de hoje: a de ficar empacado.
Aqui, não estamos falando da dificuldade muitas vezes alta, que pode causar problemas no combate, mas sim de uma sensação de não saber o que fazer. Um dos principais acertos dessa reimaginação é abandonar o estilo “sempre em frente” dos games de Resident Evil a partir da quarta versão e focar, muito mais do que nos últimos dez anos, no backtracking. E serão diversos os momentos em que o jogador não saberá como seguir adiante, seja por não ter explorado a delegacia direito ou ter deixado alguma sala para trás.
A reimaginação é bem feita o bastante para transformar absolutamente tudo, mas, ao mesmo tempo, manter todos os aspectos do original quase intocados. Todas as salas são diferentes, mas, ao mesmo tempo, tudo remete a 20 anos atrás, ao ponto de, muitas vezes, o jogador não reconhecer certos cenários, mas ficar impressionadíssimo quando, finalmente, percebe o local em que está. Haja coração para tanta emoção e carinho.
Chega a parecer mágico o trabalho de level design e jogabilidade feito para que todos esses elementos de encaixem de forma natural, mas sem soar que certas demandas são desnecessárias ou criadas apenas para adicionar gordura. Muito pelo contrário, o jogador deve ficar querendo mais, quando se encontrar na inevitável posição de deixar o departamento de polícia de Raccoon City, ou intrigado com algumas salas que permanecem trancadas mesmo quando tudo já foi revirado.
Tudo está diferente, mas, ao mesmo tempo, soa igual. Fãs veteranos terão facilidade em andar pela delegacia, mas esse mesmo conhecimento é usado contra eles quando absolutamente nada funciona como nos anos 90.
Enquanto Resident Evil 2 mantém mais ou menos a duração dos originais, com as campanhas podendo ser finalizadas em cerca de seis horas cada uma, há uma insana quantidade de fator replay, oriundo de novos modos ou possibilidades adicionais que vão sendo abertas. Cada parte do game pode soar curta, levando em conta a duração usual dos jogos de hoje, mas a somatória dos eventos vai mais do que garantir que os jogadores passem um bom tempo explorando Raccoon City.
A reimaginação de Resident Evil 2 é daqueles jogos que fazem o coração bater mais forte, seja pelo terror das situações enfrentadas por Leon e Claire ou pelo retorno a um ambiente que é um dos mais clássicos do mundo dos games. É, também, um testamento de que a Capcom parece ter retornado à sua velha forma, tendo encontrado um caminho interessante entre títulos de uma franquia que já se debruçou completamente sobre a ação, com resultados questionáveis, e parecia ter deixado o terror de lado de forma definitiva.
Felizmente, não foi assim, e mesmo os fãs da jogabilidade mais solta e dos games mais recentes terão muito o que aproveitar aqui. O verdadeiro presente, entretanto, é para os fãs de longa data enquanto a Capcom, novamente, eleva o nível dos remakes de clássicos, da mesma forma que já havia feito com o primeiro Resident Evil, em 2002.
O futuro, então, é brilhante, como uma das tantas paredes de Resident Evil 2, belissimamente ensopadas de sangue. Encontrar velhos amigos na melhor forma possível, desta maneira, é um deleite, mas a verdadeira alegria é enxergar que não apenas Leon e Claire retornaram, mas também a própria Capcom. Como é bom ter tudo isso de volta.
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Capcom. Esta análise foi publicada também no Canaltech.