Em 1998, Resident Evil 2 marcou o início da soberania da franquia da Capcom como um dos principais nomes do terror nos video games. Com um título praticamente perfeito, a empresa soube aproveitar absolutamente todas as capacidades do PlayStation, entregando um título rico, bonito e viciante.
Jogos eletrônicos, porém, são um negócio. E, na época, a desenvolvedora japonesa já se preocupava com os jogadores de plataformas que ainda não tinham tido a chance de experimentar essa novidade. Após um port de qualidade questionável do primeiro Resident Evil para o SEGA Saturn, a Capcom assinou um contrato de produção de dois títulos para o Nintendo 64, principal concorrente do primeiro PlayStation.
No Halloween de 1999, quase dois anos depois do lançamento original de Resident Evil 2, o game desembarcava no console pelas mãos da desenvolvedora Angel Studios, contratada pela Capcom para cuidar do port. E representava um feito que até hoje é lembrado na indústria. A empresa tinha sido capaz de colocar um elefante no interior de um fusca, e de forma confortável.
Mudando para uma casa menor
O elefante no caso, eram os dois discos e quatro histórias paralelas de Resident Evil 2, além de todos os seus extras. Mas a Angel Studios tinha uma meta clara: lançar um jogo que todos amassem – e que vendesse dois milhões de cópias até janeiro de 2000. Foi essa motivação que levou a desenvolvedora adiante, mesmo em uma situação considerada impossível por críticos e até mesmo executivos da própria Capcom.
A versão PlayStation de Resident Evil 2 tinha mais de 1 GB de material. Tudo isso deveria caber em um cartucho de 64 MB do console da Nintendo. A empresa japonesa, detentora do material original, ainda exigia a presença de extras exclusivos, que motivassem até mesmo aqueles jogadores que já haviam explorado cada canto da versão original a embarcarem mais uma vez na aventura.
Para dar conta do recado, a Angel Studios concentrou boa parte de seu pequeno pessoal – além de alguns novos contratados graças ao orçamento de US$ 1 milhão – em esforços de compressão. Algoritmos foram criados para converter automaticamente todos os sprites e imagens da versão original de PlayStation, enquanto membros específicos do time foram designados para cuidar exclusivamente dos vídeos do título.
O objetivo principal era obter sucesso em toda essa conversão sem comprometer a qualidade do material. E foi aqui que muitas das capacidades do Nintendo 64 fizeram a diferença, como os tempos de carregamento extremamente velozes e o chip gráfico que permitia o upscalling de visuais, gerando resoluções maiores que as encontradas no PlayStation, mesmo a partir de texturas com menos pixels.
Dessa forma, a Angel Studios pôde deixar os modelos de protagonistas praticamente intactos, preservando cada elemento, por menor que seja. Para compensar, os cenários pré-renderizados aparecem com uma qualidade um pouco menor, enquanto o nível de detalhes de personagens secundários e inimigos foi diminuído de forma bem perceptível. Partículas como fogo e fumaça, porém, sofreram muito com a arquitetura gráfica diferenciada do Nintendo 64.
A Factor-5, desenvolvedora de Star Wars: Rogue Squadron, trouxe sua experiência com o Nintendo 64 para a parte sonora. Com uma nova tecnologia de áudio, a empresa auxiliou a Angel Studios no processo de conversão dos arquivos de áudio. O resultado foram dados de som menores, mas com tecnologia Surround e qualidade muito maior que a encontrada no lançamento original de Resident Evil 2.
Indo além
As capacidades gráficas diferenciadas do Nintendo 64 em relação ao PlayStation mostram seu valor nos extras imaginados pela Angel Studios. Além da modificação da cor do sangue – uma exigência da “Big N” para todos os jogos violentos da época, o port de Resident Evil 2 trazia uma série de inovações que, até hoje, chamam a atenção dos fãs.
A principal novidade foi a inclusão dos EX Files, uma série de arquivos de texto exclusivos que contavam mais sobre a história do game e faziam ligações com outros títulos. O mais notório deles é o Rebecca’s Report, um relatório que resolveu uma das principais inconsistências do jogo original, fixando seu “final verdadeiro” e confirmando exatamente quem sobreviveu ao incidente na mansão.
Ainda no campo dos itens, há um randomizador de elementos que reposiciona munição, itens de cura e outros artigos a cada partida, tornando uma rodada sempre diferente da anterior. Tal função só foi possível devido às características do console e seu carregamento de dados extremamente veloz e dinâmico.
Para melhorar ainda mais as capacidades gráficas do título, a Angel Studios lançou mão do Expansion Pack do Nintendo 64. Os jogadores que possuíam o cartucho extra de memória para o console podiam jogar com gráficos em uma resolução ainda maior e cenários mais limpos. As animações de portas, que já eram curtas sem o acessório, se tornaram ainda mais velozes.
Tão grande quanto o original
Mas afinal de contas, qual das duas versões é a melhor? Aqui não existe uma resposta absoluta e a qualidade e superioridade do port é controversa. Enquanto o Nintendo 64 contém diversos elementos mais bonitos que o PlayStation, o console da Sony traz uma experiência mais coesa e uma unidade visual inexistente no aparelho da “Big N”.
A verdade é que quem se viu obrigado a aguardar o relançamento de Resident Evil 2 não ficou decepcionado. Apesar das diminuições gráficas, o título para o console não deixa nada devendo à sua versão original, além de trazer extras exclusivos que tornaram a versão Nintendo 64 uma das mais procuradas pelos fãs.
Além de finalmente levar a saga de terror para o console da Nintendo, Resident Evil 2 também serviu como uma primeira experiência da Capcom na plataforma. O sucesso no desenvolvimento do port levou a empresa a iniciar um game para o console com as próprias mãos: Resident Evil Zero. Após alguns meses de produção, porém, o título acabou sendo transferido para o GameCube, se tornando, por muito tempo, um dos exclusivos mais desejados da franquia, até seu relançamento recente em versão HD.
Fontes:
Este artigo foi publicado originalmente no Resident Evil SAC. Aqui, aparece com pequenas alterações.