As discussões sobre diversidade no mercado de jogos ganhou força nesta semana, quando roteirista e diretor criativo de Resident Evil: Operation Raccoon City, Adam Bullied, revelou que Dee-Ay, um dos militares presentes no título, é gay. Em entrevista ao Polygon, ele afirmou que a informação faz parte do background do personagem e que, em nenhum momento, fica especificamente clara no game.
O codinome do personagem, porém, era uma forte indicação disso, principalmente para os falantes da língua inglesa. Dee-Ay, como ele é chamado no game, é o som das letras DA, uma contração da frase “Don’t Ask, Don’t Tell”. O termo indica uma das normas do exército dos Estados Unidos, que impede candidatos com tendências homossexuais de ingressarem nas Forças Armadas de forma a não ferir os “padrões morais e de disciplina” da corporação.
Bullied admite a pouca clareza da expressão e acredita que ela chegou a passar despercebida até mesmo pelos funcionários da Capcom, devido à barreira de linguagem. O trabalho da desenvolvedora Slant Six em Resident Evil: Operation Raccoon City foi supervisionado pelo escritório japonês da publicadora, sob a tutela do produtor Masachika Kawata.
Apesar da indicação críptica e do fato de não existirem elementos no roteiro para indicar o homossexualismo de Dee-Ay, Bullier diz que o fato nunca foi escondido da Capcom. E a empresa sempre deu bastante abertura para a criação de um personagem com tais características, permitindo que os roteiristas trabalhassem livremente e dessem a história que desejassem para cada um dos personagens.
O roteirista cita Keiji Inafune, criador do Megaman e outros tantos personagens, como um dos principais responsáveis por essa visão mais progressista demonstrada pela Capcom. Vale lembrar também que ela é a empresa que acabou incluindo uma transexual no primeiro Final Fight, de 1989, e transformou Poison em uma personagem constante em outros títulos da companhia.
Tim Schafer também serviu como inspiração para a criação do personagem, já que o desenvolvedor costumava criar personagens com estereótipos que trabalhavam contra eles mesmos – como o canibal vegetariano da série Monkey Island. Além disso, a ideia de personagens cheios de história e personalidade vistos nas HQs de “Comandos em Açao”, da Marvel, também tiveram sua influência.
Tanta referência e profundida contrastam com a qualidade do roteiro de Resident Evil: Operation Raccoon City. O game, em sua maioria, tem uma história bastante rasa e personagens que, apesar do visual “estiloso”, chamam muito pouca atenção. Tais aspectos, junto com uma jogabilidade ruim e um game cheio de bugs, o transformou em um fracasso de crítica.
Gente comum
No game, Crispin “Dee-Ay” Jettingham é capitão do Echo Six, um time de elite do governo norte-americano que é enviado a Raccoon City com a missão de resgatar civis e coletar provas sobre o envolvimento da empresa farmacêutica Umbrella na destruição da cidade. Ele aparece acompanhado de uma equipe de outros cinco soldados de diferentes nacionalidades e backgrounds, entrando em confronto direto com uma equipe de elite da companhia, colocada na cidade justamente com o objetivo oposto.
E a ideia era justamente não transformá-lo em alguém estereotipado. E esse tipo de objetivo não se limitava apenas à demonstração da homossexualidade de Dee-Ay, mas também de uma fuga do “soldado padrão”, com cabelo raspado, queixo quadrado e voz grossa. Bullier queria justamente fugir desse tipo de imagem e apresentar algo diferente.
Esse aspecto se reflete também em outros personagens do game, com a concepção original deles se baseando nos motivos por trás da decisão de se unirem à Umbrella. Ele cita a capitã Lupo, do time de elite da empresa, uma mãe solteira sem nenhuma experiência além do mundo militar. Para ela, após o nascimento do filho, era trabalhar nas operações obscuras da empresa ou, então, ir trabalhar por um salário mínimo.
Ou seja, gente normal, como eu e você. No caso de Dee-Ay, a ideia era criar alguém que fosse inteligente e que se destacasse no campo de batalha, aspectos que o fariam ser respeitado por seus companheiros. E, claro, declaradamente gay, um elemento que faz parte de seus conceitos básicos e está presente até mesmo em seu codinome.
Ainda na entrevista, Bullier cutuca a indústria de jogos como um todo, afirmando que as desenvolvedoras têm medo de criar personagens homossexuais ou, no mínimo, diferentes de certos padrões, para não desagradar os jogadores “adolescentes boca-suja”, que são o público principal de jogos de tiro. O temor de que esse público não compre os títulos e, sendo assim, acabem afetando as vendas é real.
Ainda assim, porém, o roteirista acredita que jogos desse tipo devam ser feitos de qualquer maneira. Caso contrário, o que se vê é o que ele chama de “coma criativo”, com personagens sempre iguais, salvando garotas muito semelhantes e trabalhando muito pouco em prol da diversidade.