Samurai Shodown renasce como um grande marco de vitória para a nova SNK, que supera neste título muitas barreiras ao mesmo tempo, desde o medo recorrente da falência até a transposição do estigma de que nenhum jogo em 3D de seus guerreiros feudais serem dignos do peso que a franquia tem no coração dos fãs. Afinal, ela foi grande responsável por difundir a cultura japonesa e influenciar até mesmo grandes nomes.
Outro ponto a ser levantado é o da consolidação de sua segunda franquia clássica no mercado, já com muitos adeptos para a próxima EVO, que comemoram os 26 anos da saga com um grande sorriso nos lábios e muita tensão nos dedos, pois o novo game não chegou para facilitar.
O primeiro aspecto, aqui, é a melhoria em relação ao 3D apresentado no primeiro título dessa “nova SNK”, The King of Fighters XIV, que se aproveitou bastante do feedback dos fãs. Já em seu primeiro trailer, de setembro de 2018, Samurai Shodown já mostrava gráficos e modelagem superiores, mesmo com alguns insistindo que os visuais pareciam algo saído do PS3 (como se isso fosse algo ruim). Recalques à parte, a promessa foi cumprida e o espírito Samurai renasce nesta atual geração de consoles, realizando o sonho de muitos que ansiavam por uma matança poética ao som de shamisen, como nos tempos de outrora.
Superando todos os boatos, maldizeres, traumas do passado e as críticas, Samurai Shodown renasce supremo e com uma base sólida para ser atualizado por muitos anos, só recebendo melhorias e mais personagens.
Samurai Shodown 7, se numerado, está para a franquia como o novo God of War: é um recomeço que não deixa de contar o que já ocorreu no passado. Por isso, oficialmente, não tem contagem, o que já era uma questão de versão ocidental, pois na Ásia, originalmente, nenhum título recebe numeração, e sim um subtítulo. Temos ainda a sábia decisão de colocar um personagem que os fãs amam de cada título, além dos clássicos do original com exceção de Wan Fu e Gen’An, que podem retornar em uma segunda temporada que já sabemos que virá.
Com 16 personagens iniciais e mais quatro a caminho, Samurai Shodown teve uma receptividade atípica diante de outros jogos de luta Triple A, como Street Fighter V e Tekken 7, e o motivo é este que salta a vista: muita nostalgia e hype envolvido.
Com um trabalho gráfico quase impecável e abusando do máximo de talento que o time iniciante da nova SNK possui, temos um visual que usa e abusa de grafismo que remonta aos estilos nipônicos de tipografia como Shodo (o caminho do pincel), gravuras estilo Ukyo-E e aquela trilha sonora que mistura instrumentos clássicos do Japão feudal com os atuais para criar uma imersão bacana, além de remontar cenários clássicos do primeiro jogo, ou originais, mas clichês, da literatura, história ou mangá.
Apesar de sempre existirem estrangeiros no jogo, com suas armas não-Bushido, eles seguem os mesmos padrões de combate dos nipônicos, mesmo os que usam um medalhão de Feng Shui que parece um escudo pra lutar ou um serrote gigante que se assemelha a um Kiribati.
Por padrão, todos os personagens têm esquiva, ataque overHead ou podem aparar golpes ou espadas quando desarmados, com direito a cinematic e tudo. Apesar de trazer recursos de Samurai 4, como a possibilidade de estourar a barra de Rage e o ataque Issen, este novo título é essencialmente baseado em Samurai 2.
Em uma trama clássica da série, um mal adormecido desperta devido ao grande aumento do sofrimento no Japão por causa das guerras entre senhores feudais. Desta vez, uma sacerdotisa xintoísta acaba absorvendo todo o ódio e amargura das vítimas desses conflitos e, junto da cerejeira que deveria manter pura, se torna corrompida e liberta a entidade Shizuka Gozen, a mortal que armazenou esta raiva sobrenatural em si como última tentativa de livrar o mundo. Esse miasma de maldade chamou a atenção de muitos guerreiros ao redor do mundo e se tornou, assim, a chefe final provisória, visto que existem spoilers na cena pós-crédito.
Quem atende ao chamado espiritual são os já famosos Haohmaru e Ukyo, as referências a Musashi Miyamoto e Kojiro Sasaki, com seus visuais clássicos, assim como Tam Tam e Genjuro, personagens que tiveram uma somatória de super golpes adaptados para esta versão plena. Também temos a icônica Nakoruru com visual clássico, mas um pouco mais violenta, e Charlotte, a Joana D’arc, com sua armadura estilosamente adaptada e cabelos presos.
Os ninjas Galford, Hanzo e Earthquake continuam com suas técnicas antigas, exceto a multiplicação, um ponto negativo, mas, depois de Naruto, qualquer Kage Bunshin é saturação cultural. Jubei, Yoshitora e Kyoshiro estão como em Samurai 4 e 5, sem nenhuma adição no visual ou golpes básicos, e Shiki retorna como era vista em SvC Chaos e Neo Geo Battle Coliseum. A adaptação 2D para 3D para manter a fidelidade e evitar o fiasco das tentativas anteriores foi alcançada com sucesso e o destaque dos novos personagens têm uma ótima recepção.
Kurama Yashamaru é um jovem criminoso conhecido como vigilante noturno de preto, que usa um animal voador negro como disfarce e referência… ué? Ele possui poderes sobrenaturais ligados à Shizuka Gozen, mas usa as energias malignas para defender o povo da opressão e miséria que os conflitos trazem aos mais pobres, além de uma arma que parece ser uma Katana com cabo duplo, usada tanto como espada quanto lança. O personagem quer destruir o Xogunato Tokugawa e, por isso, Yoshitora é o seu rival. É o protagonista entre os novos e faz referência ao Karasu Tengu, ser mitológico das artes marciais.
A adaptação 2D para o 3D, de forma a manter a fidelidade e evitar o fiasco das tentativas anteriores, foi alcançada com sucesso e o destaque para os novos personagens têm uma ótima recepção.
Darli Dagger é a pirata do caribe que trabalha como marceneira em seu navio, até ter sido incomodada por um mascarado misterioso que que perseguiu até parar no… Japão. Ela usa seu serrote, bem como outras ferramentas tipo martelo, furadeira e espada. Quando desarmada, tem um soco muito poderoso que pode matar o adversário com apenas um ataque. Caberia facilmente num Monster Hunter, mas é uma pirata boazinha que fica de sangue quente quando provocada.
Wu Ruixiang é a menina chinesa desastrada que ganhou a missão do imperador chinês de purificar o mal que atingia o reino com suas técnicas de Feng Shui, recentemente ensinadas por seu avô que se encontra acamado. Por isso, a novata entra na missão de eliminar esse mal pela raiz. Seu escudo mágico permite, além de repelir magias, invocar fogo, espetos, gelo e até um dragão chinês! Não tem relação com outros personagens chineses da franquia e certamente será a nova “Menat” do mundo dos games, com suas artimanhas possíveis quando se misturam os golpes.
Como esperado, Samurai Shodown tem seus vacilos e detalhes que ficaram de fora, como a câmera lenta no último K.O. ou a falta de coisas para serem cortadas no cenário, como bambus, luminárias de pedras, castiçais e afins, de acordo com o cenário. As animações dos personagens ainda estão duras e o efeito de fogo está esquisito, mais parecendo lava.
A violência característica permanece e pode ser desativada facilmente, para remover desmembramentos e sangue, acabando assim com 15% da diversão e poesia do jogo, pois tais elementos são usados com muito bom gosto e sem a intenção de parecerem grotescos, como em outros jogos. A acertada decisão de colocar efeitos de pincéis e xilogravuras ricas em estampas em todo lugar possível fez o que a SNK deveria ter feito no já citado King Of Fighters XIV: deixar cada cena ricamente composta com elementos referenciais.
O passado de Samurai Shodown e seu sucesso são identificados nesse bem-vindo renascer com a própria história, contada a partir das folhas de cerejeira, algo que, como em Samurai 2, é a base espiritual deste título. Os ataques definitivos são o grande trunfo, subtraindo até 90% da energia do adversário, mas o grande lance é acertar aquela espadada forte certeira na fuça do adversário, e existem recursos para isso, principalmente se a barra de Rage está cheia.
Ela torna todos os ataques mais fortes e um dos Super Golpes ficam empoderados, como se fosse uma versão EX, mas sem gastar a barra. Ela ainda permite fazer os Hypers, que tiram dano considerável, e alguns podem ser conectados em Combos que desarmam o adversário. A barra de Rage também pode ser estourada em qualquer momento, menos quando atacando, para forçar uma pausa e assim o tempo corre contra você com esse Rage cheio temporariamente, mas permitindo o Issen, ataque na jugular que tira muito dano, dependendo da energia vital e medida restante da barra. Uma vez estourada, ela não retorna mais.
Apesar do sistema de jogo não ser baseado em combos, como a partir de Samurai 4, eles existem aqui e vão dos mais básicos até os mais sofisticados, permitindo mesclar até super golpes em outros, mas a barra de Rage cheia é essencial. Nem todos os personagens são fáceis de emendar Super Golpes ou Hypers após os ataques fracos e médios, mas a espadada forte não cancela em nada, é o ataque certeiro de cheque-mate, que pode causar destroçamento, hemorragia fatal e aquela virada de jogo épica. A chefa final ajuda o jogador a treinar as possibilidades de danos possíveis com a espadada forte e os ataques em Rage, de certa forma melhor que o tutorial, mas requerindo imaginação e habilidade.
Superando todos os boatos, maldizeres, traumas do passado e as críticas a King Of Fighters XIV, Samurai Shodown renasce supremo e com uma base sólida para ser atualizado por muitos anos, só recebendo melhorias e mais personagens, todos aqueles principais que ainda faltam voltar, como Sogetsu Kazuki, Gen’An, Cham Cham, Neinhalt Sieger, Zankuro e Iroha, pelo menos. Caso as pessoas ainda insistam em criticar o novo jogo o comparando com Street Fighter IV, não seria esse o título que colocou a EVO em destaque mundial, reacendeu o cenário dos jogos de luta e se tornou o referencial exemplar quando os fãs reclamam de sua sequência?
Mais de 10 anos de espera e finalmente os fãs têm o jogo que tanto mereciam e aguardaram, com todo o esmero e qualidade na competitividade. Samurai Shodown chegou com toda a empolgação que se esperava, sem decepcionar e com espaço para um aprimoramento que já começa dois meses depois do lançamento oficial. O título consolida mais uma vaga nos grandes torneios para a SNK, mostrando assim que eles estão no caminho certo para reviver a próxima franquia clássica. Qual será?
O jogo foi testado no Playstation 4, em cópia cedida pela SNK.