Silver Chains

Silver Chains

por Felipe Demartini

Horror familiar

Apesar de você estar lendo alguns dias depois, esta análise foi escrita no exato quinto aniversário do lançamento de P.T., o teaser jogável de um novo Silent Hill que jamais chegará às nossas mãos. Esse é, também, um dos momentos mais curiosos da indústria moderna de games e, também, um ponto de divisão no segmento de jogos de terror. Com sua demo, Kojima e a Konami não criaram um gênero, mas, com certeza, elevaram o nível de um estilo que, até hoje, tenta nos assustar.

Walking simulators de horror existem aos montes, mas a barra alta firmada por títulos como o próprio P.T. e, mais tarde, Resident Evil 7, é sustentada por poucos e bons títulos. Silver Chains é um deles e, apesar de curto e um bocado linear, exibe o exato nível de tensão para manter o jogador ligado ao longo de suas duas horas de duração, muito pelo envolvimento gerado, principalmente, pelo detalhamento dos cenários.

A associação com “Mama”, na aparência do mostro que dá o tom a toda a história, é apenas uma das tantas referências que vemos ao longo do game. Temos uma obsessão por portas e um aceno dos mais sutis à série Resident Evil, por meio da música, e também os sons ambientais e simplesmente aterrorizantes que ouvimos no já citado P.T. Puzzles lembram os grandes títulos de terror do passado, enquanto jump scares nem sempre óbvios nos remetem a títulos mais recentes e nem sempre tão profundos quanto este.

Nessa mistura de elementos e referências, Silver Chains acaba acertando no ponto, entregando uma experiência que é, ao mesmo tempo, aterrorizante e instigante. Quando seguimos nos primeiros minutos de jogo, além do clichê do personagem desmemoriado que acorda sozinho em um local abandonado, sem saber exatamente o que aconteceu, vemos que algo muito mais sinistro está acontecendo nesta casa e, mais do que fugir, é seu dever fazer com que tudo aquilo chegue a um fim.

Silver Chains

A história é contada por meio de documentos encontrados pelo cenário, enquanto exploramos uma mansão abandonada com ares dos melhores Survival Horrors do passado. E a pegada é justamente essa, com o jogador não partindo para o tiroteio, mas sim, entendendo o enredo parte a parte, na medida em que também coleta peças para resolver os enigmas espalhados pelo local.

P.T. e Resident Evil 7 elevaram o nível dos jogos de terror em primeira pessoa. Silver Chains faz parte dessa leva, com qualidades próprias e homenagens aos gigantes.

Aqui, entra em jogo um aspecto de linearidade, pois, ao contrário dos games de horror do passado, essa exploração não é livre. Você sempre terá um objetivo específico, encontrando o item A, que é usado no local B para liberar a chave C que dá acesso à sala D, onde está o artigo E que deve ser usado no enigma F. A movimentação é livre e um olho vivo para os cenários ajuda a agilizar as coisas, mas as peças deste quebra-cabeça vão sendo entregues uma a uma, na ordem.

Esse pode ser um elemento desanimador, principalmente quando nossa tarefa é encontrar uma série de itens que precisam ser usados de uma vez, mas ainda assim precisam ser coletados em uma ordem determinada. Mesmo sem waypoints, o título nos leva pela mão e entrega as coisas em uma ordem específica, com pouca margem de manobra. Por outro lado, dá para perceber porque isso acontece e, ao mesmo tempo em que enxergamos os sistemas internos de Silver Chains funcionando (com triggers de eventos ou aparições do monstro), por exemplo, também notamos um foco pronunciado na história.

Silver Chains

Não temos, exatamente, o enredo mais surpreendente ou inovador já visto em um game de terror, mas sim, uma experiência que, ao mesmo tempo em que entrega referências para nos levar a um determinado rumo, rapidamente também usa essa mesma experiência para nos enganar. Momentos um bocado chocantes fortificam o enredo de Silver Chains na medida em que nos envolvemos mais e mais com o enredo.

Ajuda, e muito, a atmosfera ultrarrealista proporcionada pelos visuais criados pela Cracked Heads Games, ainda em seu primeiro título sob a batuta da distribuidora Headup. O trabalho de iluminação, principalmente, ajuda a compor a atmosfera de tensão, daquele tipo que o jogador sabe ter algo à espreita, e pronto a pular sobre ele a qualquer momento. Não é uma questão de “se” o susto virá, mas exatamente quando ele vai acontecer. E acredite, muitas vezes, você não vai ser capaz de prever.

Mais uma vez utilizando a linearidade a seu favor, o game também brinca com suas próprias convenções. Os enigmas são apresentados um a um, até que um não seja, ou os armários são sempre um esconderijo seguro do monstro, até que deixem de ser. E, mais uma vez, o jogo apresenta um aspecto de imprevisibilidade e criatividade que nem sempre aparecem nesse gênero, por mais que todos bebam das mesmas fontes sagradas de inspiração.

Silver Chains

Não vamos entregar spoilers, obviamente, mas Silver Chains ainda conta com um segmento curto, mas suficiente para ser memorável, que vai deixar o jogador com um embrulho no estômago. É mais um daqueles dilemas de quanto estamos envolvidos com a história e sabemos o que é necessário para seguir em frente, ao mesmo tempo em que não queremos fazer isso. Não é algo novo nem inovador, principalmente para quem está acostumado com os títulos do gênero, mas ainda assim marcante.

Para estes mesmos jogadores contumazes de títulos de terror, Silver Chains também serve como um respiro para um estilo que, muitas vezes, parece saturado. Assim como no cinema, quando um estilo começa a fazer sucesso ou cai na boca do povo, surgem diversos “clones” e reimaginações, algumas fazendo jus às origens, outras nem tanto. O título da Cracked Heads, felizmente, se encaixa no primeiro exemplo.

As saudades de P.T. nunca vão morrer, mas pelo menos temos títulos assim para aplacar um pouco da vontade daquilo que jamais teremos. Ao mesmo tempo em que é capaz de se sustentar no ombro de gigantes, Silver Chains também pode se sentar na mesma mesa que muitos deles, mesmo com sua experiência muito mais concentrada e direta ao ponto, sem a grandiosidade e a ambição de seus pares. Muitas vezes, isso nem é necessário e basta, apenas, ser consistente e criar algo de valor.

O game foi analisado em cópia cedida pela Headup Games.