Enquanto a maioria dos jogos de tiro e FPS do mercado se voltam a ensejos contemporâneos ou futuristas, alguns títulos ainda permanecem como bastiões de guerras passadas. Eles entregam os enredos e situações que muitos jogadores querem ver em grandes franquias, mas, estranhamente, passam despercebidos pela maioria do público.
Em um momento no qual muita gente clama por um retorno da série Call of Duty à Segunda Guerra Mundial, a franquia Sniper Elite entrega exatamente isso. Aqui, entretanto, o mote é bastante diferente, com a jogabilidade e tiroteio frenéticos dos FPSs sendo substituídos por uma ação mais calma, baseada no posicionamento e no cuidado. Afinal de contas, você é um francoatirador, não o Rambo. E em uma guerra de proporções mundiais, um homem com estratégia – e um bom rifle de precisão – pode fazer mais a diferença do que quilos e quilos de munição.
No jogo, assumimos o comando de Karl Fairburne, personagem já conhecido dos games anteriores da franquia. Apesar de o conflito já estar se encaminhando para o seu final, temos um exército nazista ainda bastante forte, apostando em mísseis balísticos extremamente precisos para derrotar as armas aliadas. Estamos na Itália, um dos principais cenários dessa guerra, onde o cheiro de morte e pólvora ainda se mistura com o aroma do vinho e das plantações.
É justamente no cenário que está o principal destaque de Sniper Elite 4. No game, trocamos as cidades devastadas por bombas por grandes campos e pequenos povoados. O relevo se torna um fator determinante para o sucesso ou fracasso de uma missão. Mas ao mesmo tempo em que temos novos artifícios ao nosso favor, o exército inimigo também aparece repaginado e mais preparado do que nunca para o combate.
O novo game da Rebellion Developments é o mais expansivo de sua franquia. Desta vez, estamos em um mundo realmente aberto, com diversas formas de se abordar o mesmo objetivo. A ordem dos fatores também fica a cargo do jogador, e a forma utilizada para atender a cada um dos objetivos propostos pelo jogo altera a dificuldade e o andamento das missões.
O posicionamento e a furtividade se tornaram mais importantes do que nunca. Sniper Elite 4 não é um jogo fácil, pelo contrário.
Na maioria delas, nosso objetivo é assassinar um alvo importante, de forma a atrasar o desenvolvimento de armas inimigas ou roubar informações. Eles, entretanto, nunca estão sozinhos, e normalmente vêm acompanhados de oficiais de médio escalão, que também são alvos, além, claro, de uma bela quantidade de soldados de guarda.
Todos esses elementos funcionam de forma coesa, e a desenvolvedora trabalhou com bastante ênfase na inteligência artificial para garantir que suas ações no mundo tivessem relevância. Sendo assim, o posicionamento e a furtividade se tornaram mais importantes do que nunca. Sniper Elite 4 não é um jogo fácil, pelo contrário – vacile, e você se verá rapidamente em uma enrascada.
O jogo surge como uma proposta diferenciada, para quem espera mais de um shooter. Apesar de seus problemas, o jogo se sustenta bem, com a variedade de opções mantendo-o relevante e interessante.
A morte dos oficiais de patente inferior, por exemplo, gerará uma intensificação na segurança do alvo principal, que estará cercado por soldados e procurará permanecer no interior de construções. Caso o jogador seja visto algumas vezes, o alerta de que há um inimigo nos arredores será compartilhado com todos os inimigos, que reagirão com violência e chumbo grosso ao menor sinal de sua presença. Saber planejar a ação e, principalmente, o momento certo de atacar, acaba sendo fundamental.
Por outro lado, Sniper Elite 4 entrega mais do que o necessário para permitir isso. O mundo aberto do game apresenta a maior verticalidade já vista na franquia, com montanhas, abismos e diversos pontos que parecem criados perfeitamente para a ação de um atirador de elite. Arbustos e construções oferecem abrigo em uma fuga rápida após uma detecção.
Isso, entretanto, nem sempre acontece de forma natural. É bastante comum ver uma grande chuva de soldados aparecendo em um local onde, antes, havia apenas um, e você errou o tiro que o mataria. Fairburne é fraco e aguenta poucos disparos, não sendo talhado para o combate direto. A união dessas características faz com que os erros sejam punidos de forma extremamente cruel, mesmo nas dificuldades mais baixas.
O trabalho bem feito também é bastante recompensado. As clássicas câmeras de raio-X, que mostram o reflexo dos disparos nos órgãos do inimigo, agora também aparecem nas finalizações corpo a corpo, mostrando ossos quebrados e a morte violenta dos soldados opositores. Quanto mais teátrico, violento e furtivo o ataque, maior o número de pontos ganhos, que se refletem em melhorias para o personagem principal, além de novos equipamentos e armas.
Outros elementos também entram em ação aqui. No enredo do game, o protagonista estará em contato direto com rebeldes italianos, e eles também são uma frente ativa de combate contra os fascistas. Muitas vezes, tiroteios entre os dois grupos podem ser detonados no mundo aberto, atraindo a atenção dos inimigos e criando oportunidades perfeitas para os ataques do sniper contra seus alvos.
Com esse aumento gradativo das apostas em ambos os lados da moeda, Sniper Elite 4 obtém sucesso em ampliar sua proposta, ao mesmo tempo em que mantém o desafio apurado de sempre. Mecânicas já conhecidas, como a influência do vento e distância sobre o disparo, bem como os aviões e outros elementos barulhentos, capazes de ocultar o barulho de um tiro, retornam. Mas agora, mais do que nunca, o posicionamento e o sangue frio serão essenciais para o sucesso.
Nem tudo, entretanto, é perfeito, e Sniper Elite 4 tem problemas que entram no caminho da precisão e furtividade exigida. Não são raras as situações em que um tiro claramente certeiro falha em matar um inimigo de primeira – isso acontece principalmente com a pistola, uma arma que, sim, é mais fraca, mas não tanto para que um tiro na cabeça não seja fatal. Una isso à inteligência apurada dos inimigos e você fará muitas visitas à opção que carrega o jogo a partir de um checkpoint.
Como um jogo de mundo aberto e cheio de elementos, ainda, Sniper Elite 4 traz uma interface pouco adequada. Um posicionamento bem feito e um tiro dos bons, por exemplo, garantem mais pontos de experiência, atribuídos por meio de um sistema que leva em conta diferentes atributos. Ver a tela se enchendo destes elementos durante um tiroteio, entretanto, não é legal, e muitas vezes, a poluição visual dificulta até mesmo saber se um ataque foi bem-sucedido ou não, devido à quantidade de coisas acontecendo ao mesmo tempo.
Como um título focado na estratégia e furtividade, soa estranha a adição de modos que soam mais como aqueles vistos em um FPS convencional. De forma a expandir a proposta de Sniper Elite 4 ainda mais, a Rebellion adiciona um modo multiplayer e outro cooperativo, que já haviam aparecido em games anteriores, bem como um de sobrevivência.
Neste último, o objetivo é sobreviver a uma onda de inimigos que estão sempre atacando. Junte isso ao fato de que o protagonista é pouco resistente a balas e temos um extra que trai a proposta do game, transformando-se em um tiroteio bobo e pouco interessante. O posicionamento, aqui, pode até ter importância, mas somente em um primeiro momento. Depois, as partidas se transformam em uma correria entre pontos de conflito, na qual a metralhadora é mais útil do que o rifle.
O game obtém sucesso em ampliar sua proposta, ao mesmo tempo em que mantém o desafio de sempre. O posicionamento e o sangue frio serão essenciais.
As batalhas do modo multiplayer também podem se transformar em um mata-mata sem sal, caso estejamos ao lado de parceiros ou oponentes avessos à estratégia. Aqui, a desenvolvedora faz uma aposta arriscada e coloca nas mãos dos jogadores a relevância ou não dos combates. O duelo de sniper depende, exclusivamente, de cada um de nós para acontecer.
Quando o resultado é positivo, vemos algumas das batalhas mais instigantes do título, com jogadores pacientes e bem posicionados se aproveitando dos erros dos oponentes. Do contrário, o que vemos é uma grande correria, que pode ser encerrada rapidamente por um sniper de boa mira, ou um tiroteio sem graça pelas vielas italianas. Há pouco que incentive a primeira abordagem, além, claro, da esperança de envolvimento de todos os envolvidos.
Sendo assim, o grande forte de Sniper Elite 4 acaba, mesmo, residindo em seu modo campanha, e é lá que os jogadores furtivos e habilidosos encontrarão o maior apelo. Agradando aos fãs e trazendo tudo aquilo que eles já estão acostumados, o jogo faz um ótimo trabalho em expandir essa proposta, abrindo as portas, também, a novos jogadores que poderiam ser intimidados pela jogabilidade um pouco mais restrita dos anteriores.
Mais do que um dos últimos representantes da Segunda Guerra Mundial no mercado de jogos, Sniper Elite 4 surge como uma proposta diferenciada, para quem espera mais de um shooter. Apesar de seus problemas, o jogo se sustenta bem, com a variedade de opções mantendo-o relevante e interessante mesmo após ser finalizado, apesar de os modos online não contribuírem tanto nesse quesito.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Sony Music Brasil.