Recomendação: leia este review com esta música.
Quando se fala do gênero Metroidvania, o que não faltam são títulos que se excedem em sua proposta, e que muitas vezes, marcam o jogador com algo diferente do habitual – afinal, apenas explorar um cenário labiríntico repleto de puzzles, ou percorrer áreas a priori fechadas e retornar depois com a chave necessária para prosseguir (tudo isso após uma épica boss battle, por sinal), pode cansar um pouco a fórmula.
Em Song of the Deep, quase todas as características acima estão presentes, mas se há algo que certamente o torna memorável, é a sua narrativa. Tudo gira em torno dessa recorrente narração de eventos que desencadeiam no fundo do mar; seja a fantástica e relaxante trilha sonora, a história de Merryn em busca de seu pai desaparecido, ou ainda a mitologia em torno da vida subaquática – e os mistérios a cerca disso, além dos sutis paralelos com a preservação do ambiente marítimo.
Uma das palavras que certamente descrevem Song of the Deep é a sua simplicidade, em especial no que tange a sua jogabilidade. Todos as habilidades são bem distribuídas pelo joystick, e o jogador se adapta fácil aos comandos. A protagonista possui ainda uma quantidade considerável de habilidades diferentes (dentro e fora de seu submarino), e essa árvore pode receber upgrades, além de crescer, através de novas técnicas que são adquiridas conforme o jogador avança no game.
A obtenção dessas novas habilidades, aliás, é o que complementa as mecânicas do título, já que é através delas que o jogador poderá avançar na narrativa, abrindo novas localidades para serem exploradas e resolvendo puzzles previamente encontrados, tal qual um bom Metroidvania deve ser.
Simplicidade, leveza e graciosidade descrevem perfeitamente os gráficos e a jogabilidade do título.
Um dos pontos negativos da jogabilidade, todavia, fica por conta da imprecisão da mira do submarino. Algumas vezes o gancho e os projéteis disparados são pouco efetivos, mesmo que haja uma mira automática.
No que se refere aos gráficos, Song of the Deep chama certa atenção por também apresentar algo simples, humilde até. Em uma época em que é possível até mesmo confundir uma personagem de JRPG com uma pessoa real; os desenhos desse título trazem uma inquietante sensação de nostalgia, mas consolidam muito bem com a ingenuidade e inocência da protagonista, que nada mais é do que uma menina buscando seu pai desaparecido, em um profundo, vasto e belo oceano, dentro de um submarino esdrúxulo.
As cutscenes, aliás, são apresentadas como desenhos estáticos, e a narração aqui se torna essencial, pois é o que faz o acontecimento florescer. Este artificio faz com que a história remeta a um conto de um livro ilustrado – e essa percepção se agrava mais quando as belas artes conceituais são analisadas.
Contudo, durante o game, as áreas subaquáticas são vivazes e constantes. Todas as camadas de profundidade são utilizadas, então é comum ver águas-vivas se movimentando à frente da protagonista, enquanto as algas se iluminam ao fundo quando ela passa, e os peixes e outros animais cruzam e transpassam o submarino de Merryn. O jogo de cores utilizado, embora seja constituído a partir de paletas semelhantes, consegue se sobressair em determinados momentos, em especial no que tange os pormenores dos cenários, e nos inimigos.
No título, acompanhamos a trajetória da corajosa mocinha Merryn, que vivia feliz com o seu pai, em uma humilde casa à costa da praia. Apesar da deplorável situação financeira da família, Merryn ficava maravilhada com as histórias que seu pai contava sobre o mar e as criaturas que lá habitam; até que um dia o homem não retorna para casa após sair em busca de pescas, como sempre o fazia. Decidida a encontra-lo, e julgando-se apta a desvendar as profundezas aquáticas para tal, a menina constrói sozinha um submarino, e parte em busca de seu pai desaparecido.
O game é, portanto, ambientado inteiramente no fundo do mar – e isso, não o torna nem um pouco chato, apesar de parecer a princípio. O que chama a atenção em Song of the Deep desde o início, é o fato do jogo ser narrado. Então, de forma semelhante a outros títulos como Bastion e Transistor, o jogador acompanhará todas as descobertas da protagonista, suas dúvidas e questionamentos, e até mesmo descobrirá o que ela sente em torno de algo ou alguém, graças à narradora que dá voz a estes acontecimentos.
Esta característica da narração, além de dispensar a necessidade de uma dublagem para os personagens da trama, traz ainda uma proximidade maior com o game: um misto de sentimentos que agregam curiosidade pelo que irá acontecer em seguida, além de uma espontânea afinidade pelo objetivo da protagonista (e também pela própria Merryn, que certamente consegue cativar), e claro, uma certa solidariedade pelas formas de vida que encontramos no mar.
A protagonista, Merryn, foi inspirada na filha do chefe criativo da desenvolvedora.
É importante ressaltar três observações a partir deste ponto. A primeira delas é a respeito da protagonista do game. Para Brian Hastings, chefe criativo da Insomniac, nos videogames, as heroínas sempre tendem a pender para um certo estereotipo.
“Eu quis que Merryn fosse algo diferente. Eu quis que ela mostrasse que você não precisa ser nem sexy e tampouco badass para ser a heroína”, comenta o executivo em entrevista à Gamasutra. Além disso, a heroína de Song of the Deep foi inspirada na filha de Hastings: “Merryn representa as qualidades que eu quero que minha filha admire nela mesma – inteligência, criatividade, bondade e resiliência”, acrescenta. Tais informações tornam o título ainda mais introspectivo e emotivo do que ele realmente parece ser.
A segunda observação é que a narração da história não é constante: ela dispara em pontos específicos da trama, e casa muito bem com a circunstância, explicando ao jogador o que é necessário, abrindo brechas para questionamentos a respeito de algo (os quais provém da própria protagonista, criando uma espécie de metalinguagem), e prosseguindo com a narrativa de maneira naturalíssima.
O terceiro e último ponto é referente à mitologia de Song of the Deep. Apesar de se passar do começo ao fim no fundo do mar, e todo o design dos territórios aquáticos parecerem familiares (e até mesmo repetitivos algumas vezes), existem algumas peculiaridades que certamente marcam e tornam o game único, dentre tantos outros de seu gênero.
O mundo subaquático desvendado no jogo, traz elementos singulares, muito embora, nada seja efetivamente uma novidade: muitos recursos presentes no game já foram vistos em outros títulos semelhantes. Talvez o pensamento de que tais criaturas, objetos, inimigos, puzzles, e até mesmo construções e lendas não funcionassem em uma obra inteiramente ambientada no fundo do mar, tenha sido o maior trunfo de Song of the Deep. A mágica deste vislumbre está, portanto, na criatividade e especialmente na versatilidade.
Todavia, toda esta liberdade criativa de inserção de elementos conhecidos em uma atmosfera tão distinta, também encontra alguns problemas. Talvez não cheguem a se tornar um incomodo sob a visão de alguns jogadores, e para outros isto pode ser um pouco mais tolerante; mas existem certos pontos da narrativa em que o clichê é inevitável. Para exemplificar um pouco, mas sem entrar em detalhes, há uma área na primeira metade do game, onde o jogador deverá enfrentar um inseto gigante e asqueroso como chefe…
A batalha contra esta criatura, na realidade, não chega a ser um desafio; parece ser mais uma tarefa do que um embate propriamente dito – e isto, por sinal, é um dos grandes pontos baixos do game como um todo: a ausência de batalhas épicas, que divertem, que excitam e que excetuam. De qualquer forma, a ideia de utilizar este monstro em específico não agregou bem, e a partir daí as divagações a cerca da suspensão de descrença, as quais diziam respeito a diversos artifícios utilizados no game, se tornaram mais recorrentes.
A trilha sonora foi composta por Jonathan Wandag, um artista freelancer que já trabalhou em filmes para televisão, comerciais e jogos mobile.
Ainda assim, se for possível que o jogador abstraía estes pequenos incômodos, haverá uma recompensa satisfatória ao final de toda esta densa e emotiva experiência. Além do mais, se aventurar em Song of the Deep com um fone de ouvido pode ser extremamente relaxante, já que a trilha sonora composta para o título constitui muito bem uma completa imersão do jogador com a natureza subaquática.
Song of The Deep é um bom e diferente tipo de game do estilo Metroidvania. Caso você esteja procurando algo competente deste gênero, irá se divertir e matar algum tempo relaxando – ainda que alguns puzzles sejam cansativos e frustrantes algumas vezes. Por ser um game relativamente curto, e possuir gráficos e mecânicas simples, o preço cheio pode ser um pouco salgado.
A narração, infelizmente, é dublada apenas em inglês, mas o game possui menus e legendas em português brasileiro. Song of The Deep está disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC.
O game foi analisado no PlayStation 4 em cópia cedida pela Insomniac Games.