Mais do que a casa das grandes franquias, a Ubisoft também é a desenvolvedora das sequências. É difícil pensar, nos tempos recentes, em uma série da empresa que não tenha recebido mais de um título. A ideia da companhia, sempre, é criar jogos feitos para durar, gerando valor de marca e, acima de tudo, criando legiões de fãs segmentadas, mas que também conversem entre si.
Desde sempre, porém, The Crew foi meio que um ponto fora da curva, ao mesmo tempo em que era parte integrante das engrenagens. A velocidade não é exatamente um gênero em que a Ubisoft tem tradição, mas ao mesmo tempo, ela é mais do que especializada na criação de mundos abertos ricos e povoados. E se faltava pegada no primeiro aspecto, no segundo, o título tinha de sobra.
A Ubisoft também é reconhecida como uma companhia que ouve o feedback dos fãs e, mais do que isso, aplica as crítica recebidas a seus novos títulos. Basta ver a trajetória de séries como Far Cry, Assassin’s Creed ou Watch Dogs para perceber isso claramente. De novo, e juro que esse não é um trocadilho infame com o mundo da velocidade, The Crew representa um ponto fora da curva.
O jogo até mostra ter aprendido com os problemas do passado, criando uma ânsia por velocidade e os eventos necessários para gerar progressão e incentivar o jogador a seguir em frente. O problema é que, se a balança pendia para um lado no primeiro, agora, ela se volta para o outro e a Ubisoft, novamente, mostra dificuldades em equilibrar os aspectos que criariam um título de corrida altamente interessante.
Chega a ser inexplicável a exclusão de parte do mundo em The Crew 2, depois de este ter sido, exatamente, o foco do primeiro, e sem que a atenção às corridas compense a mudança.
Se os eventos da marca de câmeras de aventura Live criam um ensejo para a competição e dá sentido aos diferentes veículos agora disponíveis, faltou atenção ao cenário. Um dos grandes motes de The Crew sempre foi a viagem pela dimensão intercontinental dos Estados Unidos, com provas que deixam grandes metrópoles e prosseguem por estradas até a zona rural, passando por diferentes marcos turísticos e históricos pelo caminho.
O mundo de The Crew 2 é menor. Não em dimensões, é verdade, já que o mapa da vez é bem maior em quilometragem. Se o primeiro exigia cerca de 2h para ser atravessado de uma ponta à outra, aqui esse tempo ultrapassa as três horas no volante. O caminho, em compensação, é menos interessante, já que a Ubisoft reduziu o número de cidades e também a extensão de muitas delas.
O centro dos EUA, por exemplo, é o mais atingido e se tornou um grande vazio. Onde antes tínhamos cidades rurais e marcos da cultura local, ficaram apenas as estradas sinuosas e muita areia e terra. É como se os Estados Unidos de The Crew 2 tivesse apenas as grandes metrópoles principais, nas costas leste e oeste, com todo o seu meio-oeste ainda sendo terra inexplorada.
Além disso, durante a navegação ou as provas, existem situações de grande tráfego e outras de vazio completo. Em plena luz do dia, é esquisito ver as ruas de Nova York, por exemplo, tão mortas em alguns momentos, bem como estradas famosas, como a Rota 66, praticamente sem viajantes. Não existe constância aqui e a sensação é de estarmos passeando por um mapa sem vida, eventualmente habitado por robôs.
Chega a ser inexplicável a exclusão de parte do mundo em The Crew 2, depois de este ter sido, exatamente, o foco do primeiro. Questões relacionadas à capacidade poderiam explicar a escolha de design, mas somente se desconsiderarmos que o primeiro jogo da série também saiu para Xbox 360.
Além disso, ao longo do caminho, dá para perceber uma baita falta de cuidado com o cenário, que tem texturas e elementos repetidos a todo tempo, além de uma redução no nível de detalhes. Não estranhe, por exemplo, o retrovisor constantemente “embaçado” e sem utilidade alguma ou se encontrar um restaurante italiano cujo prato principal são os tacos – eles fazem parte de uma franquia comum nesse país.
No campo visual, existem avanços significativos em relação ao primeiro, principalmente no nível de detalhe dos veículos e na interação das pistas e máquinas com o clima. Usar um carro de turismo em uma pista fechada, debaixo de chuva, é uma amostra de como o conjunto gráfico foi além, ao mesmo tempo em que a falta de detalhes das cidades e as quedas na taxa de quadros por segundo nos momentos de mais ação são demonstrações do contrário.
De de um lado da balança as coisas não são tão interessantes assim, de outro, a Ubisoft chegou bem mais perto do acerto. Ao investir na variação de provas e estilos, The Crew 2 se torna um jogo bem mais atrativo para a base de jogadores, por mais que o resultado, em termos de jogabilidade, seja um pouco básico demais.
É uma opção de design, claro, e nem de longe exigiríamos um nível de controle a la simulador para um título dessa categoria. Entretanto, é meio esquisito notar que, no jogo, os carros efetivamente são como as lanchas e as motos só não são que nem os jet-skis porque essa não é uma categoria de veículo disponível. É bem esquisito notar que um avião pode ser controlado quase que da mesma forma que um monoposto, enquanto as corridas de hovercraft têm comportamento semelhante ao de um rali no pântano.
Quem acaba sofrendo com isso é o desafio, cujo único elemento a ser levado em conta é a capacidade pura dos veículos, exibida em termos numéricos e modificada por meio de um sistema simples de troca de peças. Dá para entender claramente que The Crew 2 tenta ser um título para todos, mas isso não precisa significar a criação de um sistema de dificuldade que torna as coisas nada interessantes.
Existem, sim, as provas diferenciadas, como as boas demonstrações de acrobacias a bordo de aviões, com diferentes tipos de manobras para serem realizadas, as provas de motocross que remetem à série Trials ou as provas de “fuga”, que viram corridas desesperadas para escapar de uma onda vermelha no mapa. Outros aspectos chamam a atenção pela curiosidade, como a RB13, do piloto de Fórmula 1 Daniel Ricciardo, equipada com buzina e nitro.
Após algumas horas, a sensação é de um “paradão”, algo totalmente contrastante com o caráter veloz e descolado que o jogo tenta passar.
Os “triatlos”, como convencionamos chamar por aqui, também são interessantes, trazendo corridas especiais mais longas e que envolvem diferentes competências. Não é tão bom assim na água? Tudo bem, você pode compensar com a moto urbana, em um ensejo que nos leva de cidades a estradas, também, constituindo alguns dos momentos mais legais de The Crew 2.
Por outro lado, e devido, novamente, ao mundo desinteressante apresentado, o jogador sentirá mais facilidade em usar o “fast travel” para seguir de uma prova à outra em vez de dirigir pelo mapa até lá, por mais que radares de velocidade, eventos especiais e peças estejam espalhadas pelo mapa.
Isso vale, principalmente, quando ele percebe que as missões da história, se é que podemos chama-las assim, geram a maior quantidade de seguidores, a métrica de evolução de personagem que libera novas provas e categorias de corrida, e também dinheiro para compra de veículos. O portfólio disponível é imenso, mas é preciso escolher bem, principalmente pelo fato de que a posse de algumas máquinas é requisito essencial para disputar certas corridas.
Quando se passa algumas horas com The Crew 2, porém, a sensação é de um “paradão”, algo totalmente contrastante com o caráter veloz e descolado que o jogo tenta passar. O título mira em Forza Horizon, tentando trazer aquela cara de festival e de culto à velocidade do jogo da Playground Games. A Ubisoft, entretanto, acabou acertando mais em Cruis’n USA, da Midway.
O que isso quer dizer é que, em vez de um mundo aberto e rico para ser explorado, com pegada e elementos interessantes, temos um título mais segmentado, que traz corridas rápidas e curtas em cenários reconhecidos dos Estados Unidos, mas sem muita profundidade. A diferença é que Cruis’n USA foi feito para ser assim, enquanto The Crew 2 não.
Será que dá para esperar que, em um terceiro game da franquia, ela finalmente acerte o equilíbrio entre seu mundo interessante e a necessidade por velocidade? Como falamos no começo desta análise, The Crew acaba por representar um ponto fora da curva no que toca o fluxo de desenvolvimento da Ubisoft. Fica a ver se, em alguns anos, a empresa finalmente acertará no equilíbrio dessa balança.
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Ubisoft.