Se o terror hoje está vivo e é uma presença cada vez mais constante no mundo dos jogos, The Evil Within é um dos responsáveis por isso. Refutando uma dinâmica de mercado que privilegiava a ação e acreditava que o horror era coisa de nicho, a mais recente obra de Shinji Mikami, que tem Resident Evil como a grande estrela de sua carreira, apresentou uma proposta visceral, cruel e tradicional, que agradou aos fãs, apesar de seus tropeços.
Como o segundo capítulo desta história, era de se esperar que a antecipação pela sequência seria igual ou até mesmo superior. Mas não foi o que aconteceu. Entre anúncio, na E3 2017, e lançamento, foram apenas quatro meses de divulgação fraca e pouco atrativa. A escolha por soltar o game em uma sexta-feira 13 fez sentido, mas também inseriu o título no meio de outras propostas muito maiores, que acabaram o deixando de lado.
Não dá para entender exatamente o que aconteceu. Se foi, por exemplo, o distanciamento de Mikami do título, assumindo-o apenas como produtor executivo e deixando a direção nas mãos do novato John Johanas (dos DLCs do primeiro), ou justamente o temor do engolimento por games maiores, freando o investimento. Mas se há uma grande vítima dos terrores de The Evil Within 2, pelo menos inicialmente, é ele mesmo e sua qualidade absurda, que pode acabar passando despercebida.
Se no primeiro game éramos colocados no interior da mente de um psicopata, em The Evil Within 2, os terrores são íntimos e pessoais. Sebastian Castellanos aparece três anos depois dos eventos do primeiro game, com sua personalidade autodestrutiva amplificada. Se antes ele lidava mal só com a perda da filha e a destruição de sua família, agora ele também sofre com os traumas deixados após sua batalha contra o vilão Ruvik.
A cada passo de Castellanos, os desafios vão ficando maiores e o desespero também. Aliados se tornam inimigos, a esperança é encontrada onde se menos espera e, acima de tudo, o que é sagrado acaba pervertido.
Destruído e tentando encontrar sentido no fundo de um copo de uísque, ele recebe uma notícia totalmente estranha, mas que pode mudar tudo – sua filha, Lily, está viva. E não apenas isso, mas todos os traumas que ele enfrenta desde então são uma artimanha da Mobius na criação de uma nova versão do STEM, um sistema de consciente coletivo que está sendo criado com o objetivo surreal de trazer felicidade a todos e acabar com os conflitos do mundo.
O problema é que a garotinha desapareceu no interior do sistema, que está sucumbindo sob os atos de um psicopata que se torna cada vez mais poderoso. Como na história de qualquer protagonista, ele é o único capaz de encontrá-la. É assim que Sebastian inicia mais uma viagem de loucura e desespero, desta vez, sem confiar em ninguém e agindo na própria toca do leão.
O maior acerto de The Evil Within 2 está em seu enredo. A sequência cria uma história intimista e próxima de qualquer um, que fala sobre família, decisões erradas e, acima de tudo, arrependimento. Os personagens secundários também recebem um bom tratamento, e em vez de meros acessórios nesta história, acabam gerando empatia, com o jogador efetivamente se importando com quase todos eles.
Quando se fala dos vilões, então, a coisa é realmente interessante. A história do título é contada devagar, com tempo para que cada um deles se desenvolva e demonstre sua loucura e motivação. Esta é a jornada mais cruel já enfrentada pelo policial, onde os inimigos tentarão arrancar tudo aquilo que é mais sagrado para ele.
Acima de tudo, The Evil Within 2 coloca em xeque, muitas vezes, as motivações do próprio Castellanos. Seguindo obstinadamente e de peito aberto rumo a criaturas e aberrações que o querem matar das formas mais crueis possíveis, fica a dúvida sobre o que realmente o leva para frente – se o amor por sua filha ou a vontade de corrigir os erros do passado, diante de um vislumbre de que isso é possível. São elementos que os vilões explorarão com vontade, gerando alguns dos momentos mais interessantes de todo o game.
Os avanços de The Evil Within 2 não se concentram apenas na narrativa. Na verdade, o maior salto, aqui, está em termos técnicos, mais especificamente, nos visuais e na jogabilidade. Para retratar uma história cruel e visceral, temos aqui belas cutscenes e cenários incrivelmente detalhados, principalmente nos claustrofóbicos trechos internos. Fruto de um desenvolvimento completamente focado nas novas plataformas, já que, ao contrário do primeiro, não é mais necessário criar algo que também rode bem no PS3 e Xbox 360.
The Evil Within 2 é, finalmente, o jogo incrível que todos gostaríamos de ter jogado no primeiro e um testamento de que títulos single player funcionam muito bem, obrigado.
Ao construir um game de horror, seria muito fácil cair nas tradições do gênero, com cenários escuros, ou então, trabalhando com a iluminação. Chama a atenção, então, o fato de The Evil Within 2 ser bastante colorido e, ao mesmo tempo, incrivelmente opressor e soturno. Mesmo nos momentos em que você está em um local completamente iluminado, saberá que algo pode estar à espreita, com a ajuda de uma trilha bem colocada e uma ambientação incrivelmente bem construída.
Caso precise partir para o combate, entretanto, saiba que, desta vez, estará em boas mãos. O novo título da Tango Gameworks continua deixando bem claro que, neste mundo terrível, John Rambo não teria vez. Caso o jogador se veja diante da necessidade de atacar ou morrer, entretanto, há uma jogabilidade que o ajuda e permite isso, em vez de travá-lo artificialmente, como no primeiro.
Logo nos primeiros momentos do game, já percebemos que Castellanos deixou de lado o pulmão de fumante e finalmente aprendeu a correr. Ele também aprendeu a tirar armas do coldre com velocidade e mirar direitinho – com uma ajuda de um assistente, também, caso o jogador queira facilitar as coisas ainda mais. Selecionar armas e realizar ataques furtivos também é melhor, enquanto os golpes corpo a corpo ganharam importância, mesmo que ainda fique claro que eles são um último e desesperado recurso.
O maior problema de The Evil Within 2 são seus trechos de mundo aberto, que esvaziam a tensão e dão uma freada brusca na história, em prol de objetivos vazios.
Com os upgrades no personagem e melhorias nas armas, tudo fica ainda melhor, mas na mesma medida, os oponentes também se tornam mais fortes e aparecem em maior número. Do começo ao fim de The Evil Within 2, você sentirá que possui somente a munição necessária para sobreviver, sem sobra nem folga, e que precisará agir com cautela caso deseje ver o que está a seguir.
Em nenhum momento, entretanto, o game recai sobre os erros do passado, como os do primeiro game, que em determinado momento, perde a mão ao tentar emular um shooter e acaba só irritando aos jogadores. Tudo aqui funciona, com exceção dos prompts do modo de cobertura, que aparecem desnecessariamente durante toda a jogatina e poderiam simplesmente ser descartados em prol de uma interface mais limpa e menos enganosa – no começo, o jogador achará estar diante de itens.
Existem ainda os momentos de surpresa, como uma mudança de perspectiva, para primeira pessoa, bem no momento em que o jogador achava estar tranquilo com os desafios do título, e chefes de fase que são invulneráveis. Não vamos dar spoilers aqui, mas já avisamos de antemão que você vai ter vontade de desligar o alto-falante do controle para evitar a ocorrência de pesadelos.
Bastam alguns minutos com The Evil Within 2 para perceber que a jogabilidade, aqui, é exatamente aquilo que gostaríamos de ter no primeiro – e uma correção do grande motivo que afastou muita gente dele. Entretanto, se esse aspecto deu um grande passo, a pegada do título deu dois. E, mais uma vez, tais dinâmicas acabam ficando defasadas diante de uma evolução descontrolada na pegada do game, quase como se ele tivesse sido desenvolvido por times diferentes e desconexos.
O maior problema de The Evil Within 2 são seus trechos de mundo aberto. Não que eles tenham sido mal implementados, pelo contrário – a cidade de Union é rica e interessante. Explorá-la seria incrivelmente divertido não fosse o fato de estarmos jogando um game cuja maior força está nas salas fechadas e no enredo.
Nas ruas, toda a tensão dos corredores se esvai enquanto a história, que vinha nos puxando pelo pescoço, dá uma brusca freada. Nada acontece na busca de Castellanos por sua filha enquanto ele perde, literalmente, horas procurando o corpo de soldados mortos em busca de itens ou encontrando ecos de cidadãos que até revelam mais sobre o enredo geral de Union, mas fazem pouco para resolver os mistérios principais do título.
E, no pior de tudo, a maioria dos conflitos pode ser resolvido apenas fugindo. Corra para longe e escape, inclusive, de Anima, uma das criaturas mais interessantes de The Evil Within 2 e uma manifestação da própria culpa de Castellanos. Chega a ser ofensivo encontra-la no mundo e ver toda sua construção e o terror de sua aparição esvaziados enquanto, simplesmente, corremos para longe.
Ao apostar em um modo aberto, The Evil Within 2 acaba esvaziando muito de seu significado. É claro, é possível simplesmente seguir direto para as missões da história, mas elas te obrigarão a ficar indo e voltando pelas ruas de Union. Rushar pela campanha, ainda, faz com que o jogador se torne bem despreparado para o que está por vir, tornando a exploração da cidade essencial para a sanidade mental do próprio jogador.
Felizmente, por mais tais trechos correspondam a cerca de um terço da aventura, eles são temporários. Quase como o que acontece em Uncharted: Lost Legacy, após uma grande etapa de preparação e exploração do mundo aberto, seguimos quase que em linha reta para o final, com poucos momentos explorativos adicionais e um foco completo no enredo. Como uma criança levada que, após explorar bastante, finalmente escolheu o brinquedo preferido, e agora, vai explorá-lo até o final.
E que final. A cada passo de Castellanos, os desafios vão ficando maiores e o desespero também. Aliados se tornam inimigos, a esperança é encontrada onde se menos espera e, acima de tudo, o que é sagrado acaba pervertido. Ao ponto de, até mesmo, questionarmos as motivações de Castellanos – estaria ele em busca, mesmo, da filha, ou de reparar pelos erros do passado, agora, mais escancarados do que nunca? Não vamos entregar nenhum spoiler aqui, apenas um único fato: dê adeus ao seu fôlego da metade do game em diante.
É, principalmente, nesse trecho que se torna mais lamentável ainda a pífia campanha de divulgação de The Evil Within 2, que motivou vendas bem abaixo do esperado, pelo menos no momento em que essa análise é escrita. O que temos aqui é, finalmente, o jogo incrível que todos gostaríamos de ter jogado no primeiro e um testamento de que títulos single player funcionam muito bem, obrigado.
Este game pode não ser o Resident Evil 2 de sua franquia, mas acerta em 90% do tempo. É próximo do jogador, e ao mesmo tempo, nos faz agradecer aos céus por estarmos na segurança dos nossos sofás. O futuro, entretanto, é incerto, para felicidade de Castellanos, que pode não enfrentar esses terrores novamente, e tristeza dos jogadores que, agora, se viram diante de um título magnífico, e que ainda não se esqueceram dos mistérios relacionados a Ruvik no final do primeiro.
O jogo foi testado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Bethesda.