The Flame in the Flood é quase como um paradoxo. À primeira vista, temos um título independente que se parece com muitos já vistos antes, apresentando uma jogabilidade simples, gráficos cartunescos e uma ideia um tanto quanto direta. A trilha sonora composta por Chuck Ragan, da banda Hot Water Music, ajuda a compor o tom artístico e autoral do título, passando a impressão de que estamos diante de uma jornada lúdica.
A realidade não poderia ser mais diferente disso, e se existem palavras que não podem ser usadas para definir o título da desenvolvedora The Molasses Flood, “lúdico” e “simples” estão entre elas. O jogo nos apresenta uma realidade cruel e um sentimento de devastação constate, escondido por trás de seus belos visuais. Quase como uma obra de arte que você não tem muito tempo para ficar olhando, pois se fizer isso, pode acabar morrendo.
Estamos em um mundo apocalíptico, diante de uma fogueira, quando um cachorro chega até nós carregando uma mala com alguns itens de um viajante desconhecido. Dentro, um rádio, que pode ser a esperança de chegar a um local seguro ou conseguir algum tipo de comunicação ou auxílio. E mais nada. Com pouquíssimos tutoriais, The Flame in the Flood nos lança rapidamente na jogatina, e faz com que qualquer um de nós, sentados no sofá, tenha que se virar rapidamente para sobreviver.
Por trás das cortinas de um título de sobrevivência, um rogue like ou de uma ótima trilha sonora, está um jogo daqueles que nos faz pensar cada passo dado.
Apesar de controlarmos uma protagonista que parece estar neste mundo já há algum tempo, não temos nenhuma habilidade especial, nem mesmo muita noção do que fazer. Placas simples nos indicam a necessidade de tomar água, essencial para qualquer humano, e as utilidades de uma fogueira, mas esse é o máximo de canja que o título te dará.
Durante todo o tempo, The Flame in the Flood tem um funcionamento aleatório, e você passará muitas horas rezando para que aquele item específico apareça. Isso se torna ainda mais crítico quando sofremos ferimentos, e não temos nada mais do que alguns gravetos e comida crua no inventário. Hipotermia, infecções e a dor serão companheiros constantes, e nos levarão lentamente à morte enquanto vasculhamos baús para encontrar apenas poeira, mofo e lixo.
Ao mesmo tempo em que esse é um dos aspectos mais realistas e aterrorizantes de The Flame in the Flood, ele também pode se tornar o fator que pode afastar muita gente. Ao confiar plenamente na aleatoriedade, o game pode se tornar um tanto inconsistente, tornando a progressão lenta e enfadonha, além de punitiva. Junto com a falta de entendimento pleno das mecânicas deste mundo, nas primeiras jogadas, seria muito fácil taxar o título como “chato”, e simplesmente perder o envolvimento que surge depois disso.
A jogabilidade de The Flame in the Flood é dividida em duas metades. Na primeira estaremos a pé, em ilhas ou regiões costeiras, buscando recursos para sobreviver ou fugindo de criaturas – caso você ainda não tenha notado, como dito no trecho acima, ser ferido é pedir para morrer, então, combater não é nada recomendado. Depois, a bordo de uma jangada, percorremos as regiões alagadas, desviando de destroços e buscando novos locais para se abrigar ou buscar itens.
Ao confiar plenamente na aleatoriedade, o game pode se tornar um tanto inconsistente, tornando a progressão lenta e enfadonha, além de punitiva.
The Flame in the Flood tem alguns pontos de salvamento, e eles estão espalhados nas diferentes regiões de alagamento, após algum tempo de viagem de jangada. Ao morrer, você pode voltar a partir dali, com o inventário que tinha no momento e as mesmas condições de saúde. O que significa que, se estiver morrendo, estará também quando o save for carregado.
Ao mesmo tempo, é possível deixar itens na mochila do cachorro que nos acompanha, e eles são “transferidos” para o personagem ao reinício do jogo. Isso faz com que uma morte iminente também seja um fator a ser levado em conta. Será que vale a pena seguir em frente em busca de penicilina e perder todo o progresso, caso não a encontre? Ou o melhor é aceitar o destino, separar os itens de qualidade coletados e recomeçar a jornada mais preparado?
Por mais que se trate de uma sensação ligada ao consciente do próprio jogador, não tem como não se sentir devastado ao tomar a segunda decisão. O título da The Molasses Flood sempre nos obriga a trabalhar desesperadamente para seguir em frente. Às vezes, entretanto, isso não é possível, seja porque cometemos erros, arriscamos demais ou de menos. Life happens all the time. É assim que funciona.
Por trás das cortinas de um título de sobrevivência, um rogue like ou de uma ótima trilha sonora, está um jogo daqueles que nos faz pensar cada passo dado. Tudo, absolutamente tudo, importa aqui. Mas a verdade é que não sabemos muito bem o que está adiante, também. Resta, sempre, seguir adiante com o que temos de atributos, recursos e, principalmente, feeling. E torcer para que tudo dê certo.
O jogo foi analisado no PlayStation 4.