É difícil definir The Last Guardian, e eu digo isso com um misto de sentimentos envolvidos – bons e ruins. É difícil até mesmo escolher um título que faça jus ao game, e ao mesmo tempo, à esta análise. E sabe por quê? Porque este não é um game qualquer, ele é bem singular; muito embora tenha características similares a outros dois jogos que já vimos por aí: Ico e Shadow of the Colossus.
Se tem algo que a finada Team Ico consegue entregar bem ao jogador é a emoção; seus três jogos conferem ao jogador uma experiência única, em todo o âmago que esta palavra proporciona. Prova disso são os dois primeiros títulos lançados pela desenvolvedora, que conseguiram emplacar na indústria ao seu próprio modo, e são lembrados como verdadeiras obras de arte até hoje. Infelizmente, o game mais recente do extinto time encabeçado por Fumito Ueda, vem gerando muita discussão acerca disso, pois diferente de seus antecessores, algo aqui não lhe favoreceu para que se tornasse outro marco (ao menos não de cara): o timing.
Muita expectativa foi gerada em torno do anúncio de The Last Guardian lá em meados de 2009, e houve pressão para que o jogo fosse lançado de uma forma ou de outra desde então, além de ter ocorrido todos os desgastantes problemas de produção – o famigerado “Development Hell”: os adiamentos constantes, a portabilidade do PlayStation3 para o PlayStation4, a saída do próprio produtor e diretor da equipe de desenvolvimento (Ueda), a chegada de outros times de desenvolvimento no processo, dentre outros que talvez nem saibamos.
Considerando o produto que finalmente temos em mãos, os avanços tecnológicos nos últimos anos e a indústria e sua demanda de mercado atualmente; todos os problemas citados acima se tornam graves fatores para uma espera tão longa.
Seja para o bem ou para o mal, tenho uma teoria de que, com o tempo as pessoas irão entender melhor The Last Guardian, e apreciar verdadeiramente o que esta incrível obra tem a oferecer, mesmo com todos os empecilhos que o denominam como um jogo.
A partir deste ponto, analisarei The Last Guardian de duas formas: como um jogo, isto é, pontuando pontos bons e ruins através de uma visão mais técnica, tal como manda a cartilha; e, mais para frente, como uma peça de arte interativa, relevando seu valor artístico através da experiência pela qual o game me fez viver.
Mas primeiramente, antes de comentar sobre os controles, a câmera, as mecânicas, a trilha sonora, o enredo, seus personagens e tudo mais; é preciso ressaltar como este título se parece com SotC e Ico em muitos aspectos (este último em especial) e, se levarmos isso em conta, há de se esperar que Ueda priorize a narrativa acima do gameplay em seus trabalhos.
Apenas para ilustrar um dos muitos modos que isso ocorre: em Ico e The Last Guardian, por exemplo, os personagens não morrem por assim dizer, como um modo de te afastar do fardo de perder toda a energia e, por fim, sucumbir em sua missão (apenas SotC é assim). Ao invés disso, estes dois jogos induzem o jogador em um foco diferente: o pressuposto de tentativa e erro em prol de superar um obstáculo, o que gradualmente o faz avançar na história. E, para que fique claro, assim como aconteceu em Ico com o garoto que dá nome ao título e a misteriosa Yorda, em The Last Guardian também é a amizade entre Trico e o menino sem nome, que move tudo.
The Last Guardian também é a amizade entre Trico e o menino sem nome, que move tudo.
Por falar em Ico, as semelhanças não param por aí. Em The Last Guardian, tudo se resume em avançar do ponto A ao B, passando por diversos puzzles e situações de risco – sejam estes combates ou não. Pegando carona neste aspecto, preciso comentar como o level design, por sinal, está incrível e merece aplausos por ser intuitivo, fluído até. Apesar da jogabilidade não ajudar muito (já já eu chego nesse tópico), a perspectiva da exploração e da ambientação quando pensada como um todo é fascinante.
Pegando eu mesma como exemplo para ilustrar melhor o que quero dizer: quando cheguei em determinado ponto do game, um em que de maneira não proposital, mas ainda seguindo o script, acabei retornando a um local que já havia passado antes e parei para analisar todo o caminho que eu já havia percorrido e todos os obstáculos que já tinha superado, me vi subitamente encantada com o quão instintiva a jornada fora até então.
Se ainda não ficou claro: sabe aquela sensação de que o tempo passa rápido e você nem percebe, e quando vê já avançou mais do que havia cotado? Então. Tirando as partes em que eu não sabia como prosseguir ou como resolver um puzzle e me via totalmente perdida, todo o restante do game foi rápido e progrediu naturalmente para mim.
Os puzzles, aliás, não são difíceis, mas precisam ser entendidos. Na realidade, não são exatamente enigmas que você precisa resolver, não. Muitas vezes basta descobrir como funciona, mudar sua função ou maneira de ser ativado e seguir em frente – ou melhor, fazer Trico avançar, pois é ele quem te guia na maioria das vezes, e não o contrário. Por falar nisso, é preciso entender bem a besta gigante. Uma boa compreensão sobre como se relacionar com o bicho é primordial para progredir também.
Tudo no game gira em torno de Trico, apesar de ser o garoto quem narra a história. A física em torno dos dois, a propósito, é bem contrastante: a dele é um desastre, e a da fera muito bem pensada e colocada. O que quero dizer com isso? Bem, apenas que o menino se movimenta de maneira geral de um jeito bem desengonçado, o que lhe traz uma certa camada de realismo, mas muitas vezes, ele não é nada verossímil, e apenas atrapalha.
Um bom exemplo é quando ele anda na ponta dos pés para não fazer barulho, o que ficou muito bem construído e realmente funciona nos momentos em que é requerido; ou ainda quando o jogador segura o botão de pulo por uns segundos a mais para que ele se segure firme em algum lugar após um pulo muito alto. Em contrapartida, ele não precisa tomar impulso para fazer um grande salto entre as plataformas, e às vezes cai de cima de Trico de uma maneira inteiramente desproporcional (todo retorcido).
A jogabilidade de The Last Guardian é bastante similar a dos jogos anteriores, praticamente a mesma, o que é um ponto positivo para quem já está familiarizado com a trilogia da Team Ico, mas também pode ser bastante estranho para quem nunca jogou algum game da desenvolvedora em questão. Todavia, não é por ser igual ao que já vimos antes, que é boa. Alguns prompts de comando aparecem desnecessariamente algumas vezes, o que pode ser irritante. Além disso, os controles são um pouco datados. Por exemplo, você tem que navegar com a câmera pelo ambiente para encontrar a direção certa a seguida, e quem não está acostumado com esse tipo de visão manual, pode acabar se frustrando.
A distribuição dos comandos de The Last Guardian é bastante similar a dos jogos anteriores.
A câmera do título, por sinal, é certamente a pior da trilogia. Entretanto, confesso que ela não me atrapalhou tanto quanto imaginei que atrapalharia, se levar em conta o tanto de reclamações que ouvi e li a respeito. O que pode ter amenizado a minha experiência com os controles da câmera foram os patches de atualização lançados (dois até o lançamento deste review). Existem também bugs aqui e acolá, mas comigo aconteceu apenas uma vez na minha jogatina inteira – novamente, talvez por conta dos updates.
Nem tudo está perdido quanto às mecânicas utilizadas para a exploração, porém: o tipo de controle que usufruímos, e até mesmo o modo como se avança no game, através da superação de obstáculos e resolução de enigmas variados (os quais eu não fazia ideia de como proceder, e o próprio jogo também não explicava, obrigando-me a vasculhar e desvendar sozinha, em prol de seguir adiante na aventura), por vezes, me remetiam a uma sensação de estar jogando algo old school, um jogo antigo, daqueles que eu passava um dia inteiro jogando sem me ater às horas ou às minhas obrigações.
Nos combates, é possível fazer o menino se defender sozinho em algumas ocasiões, mas durante boa parte do game, dependemos bastante de Trico para N fatores. Este é um ponto que difere muito The Last Guardian dos outros dois títulos, já que aqui os papéis foram invertidos: agora jogamos na pele do personagem indefeso, e não do defensor, é isso traz muitos momentos de tirar o fôlego de tão desesperadores que são, o que eu achei particularmente muito bom.
Outro aspecto técnico muito positivo neste título é a trilha sonora. Certamente é uma das melhores lançadas neste derradeiro ano de 2016. Ela não é constante; toca nos momentos certos, e quando o faz, comove o jogador de diferentes maneiras ao ser intimista, por vezes bucólica, e ainda assim poderosa. Sendo sincera, eu diria que os temas deste game são personagens dentro da trama. E nos momentos em que não há música, você ouve a brisa do vento, o som de pedras caindo nas ruínas, o ruído de uma goteira em algum canto… Tudo traz uma sensação de melancolia e, ao mesmo tempo, de grande imersão.
Os sons que Trico emite, aliás, não existem, mas são orgânicos o suficiente para que você acredite que existam – o que é mais um ponto positivo para o design de som; e o idioma falado pelo garoto é, novamente aqui, uma linguagem inventada, mas que remete bastante a uma língua oriental (o nome Trico, inclusive, provém do japonês, mas falarei disso mais tarde). A canção tema do game (que é o tema de Trico, para mim; ouça logo abaixo), ainda ecoa perfeitamente em minha mente, mesmo tendo zerado o título há alguns dias.
A trilha sonora do game funciona quase como um personagem dentro da obra.
O responsável por esta incrível faceta é Takeshi Furukawa, que apesar do nome, é um compositor, orquestrador e condutor ocidental. O currículo desta figura lista trabalhos importantes, tais como GoldenEye 007 (o de 2010, não o original), Star Wars: The Clone Wars e Star Trek: Enterprise. Que responsa, né?
E assim como nos dois títulos anteriores da Team Ico, os gráficos de The Last Guardian não são impressionantes, mas são satisfatórios e merecem uma boa gratificação, ainda mais se levar em conta todas as feições e a plumagem de Trico. As ruínas exploradas no jogo possuem quase sempre a mesma paleta de cores escura e sombria, mas nos campos abertos, em meio à vegetação e à natureza é que a magia acontece e os visuais ganham um brilho a mais.
O estilo gráfico e a direção artística é certamente bela, embora não seja nada que impressione tecnicamente falando, se comparado com outros jogos dá atualidade, ultra realistas. Ainda assim, The Last Guardian possui seu charme nesse quesito e salta aos olhos pela leveza e pela delicadeza que reside nos detalhes, fazendo um contraste curioso entre riqueza e simplicidade, que andam juntas e de mãos dadas.
Que conste aqui, inclusive, que vídeos do YouTube, por mais que estejam sendo assistidos em resolução máxima, não fazem jus ao potencial gráfico do game; simplesmente não transmitem a beleza gráfica que o título possui.
Todos os cenários são muito ricos em detalhes, e os céus são realmente belos. Em uma parte próxima do final do jogo, cheguei a me emocionar com uma singela cena envolvendo o astro rei que lá em cima habita. Nos momentos em que é preciso escalar locais que parecem impossíveis de se alcançar, e então se olha para baixo, a sensação de altura parece real, e pensando nisso agora, eu realmente recomendo a quem tem vertigem ou acrofobia, que tome algo antes de jogar este título (rs).
Contudo, ainda em um assunto relacionado, existe um problema assolando este aspecto: a drástica e constante queda de framerate. No PlayStation 4 Pro, rodando a 1080p, The Last Guardian roda sem inconsistência alguma, se mantendo sempre numa taxa segura de 30fps. No PS4 normal, as quedas acontecem com maior frequência. Pelo que andei pesquisando por aí, porém, graças aos recentes pacotes de melhorias por download, estas baixam foram amenizadas – suavizadas talvez seja um termo melhor –, o que explica o porquê de eu não ter notado ou me incomodado tanto assim com este empecilho.
O game pode ser finalizado em mais ou menos 12 horas.
Por fim, vale citar que o game possui um fator replay pouco chamativo, mas há de se levar em conta que a premissa aqui não é a quantidade de barris, as roupas extras, a jogabilidade ou os gráficos que você precisa se atentar, e sim à história. E por ser uma experiência centralizada nesse aspecto, pouco há para se explorar de novo nas ruínas antigas e destroçadas desse vale, a não ser a incrível jornada do garoto e de Trico. A duração desta aventura é outro ponto positivo, pois se alarga na medida certa: você acaba na primeira jogada em mais ou menos 12 horas, mas dá pra fazer em muito menos uma vez que se conheça o game.
É aqui que tudo se complica, não porque seja ruim ou algo do tipo… Não. Mas sim porque me faltam palavras que sejam colocadas de maneira certa para expressar tudo o que The Last Guardian representa para mim, no que tange o espectro “além do jogo”.
A história parece que foi retirada diretamente de um filme dos estúdios Ghibli.
The Last Guardian conta a história de um garoto e uma criatura bestial, sozinhos em meio a ruínas antigas, que trabalham não apenas em uma forma de saírem juntos deste lugar, mas também em um meio de se comunicarem e se entenderem e, por consequência, acabam virando amigos – ao menos eu os enxergo como amigos. A história parece que foi retirada diretamente de um filme dirigido pelos Estúdios Ghibli, e não é para menos, ainda mais porque a história remete a uma fábula, contada pelo menino em algum momento no futuro.
Da mesma forma que a produtora de animação japonesa, aqui o enredo prende e cativa o jogador pela maneira como é contada, através de um ritmo que se mantém bastante consistente e equilibrado: nada apressado demais, nem tão lento a ponto de deixa-lo entediado. E, embora não haja diálogos expositivos no que se refere à trama, todos os acontecimentos são bastante compreensíveis, já que o game apresenta os fatos através de argumentos visuais, e às vezes através da narração do moleque, já crescido.
Ainda assim, não espere entender tudo o que ocorre de maneira mastigada. Uma das marcas registradas de Fumito Ueda em seus jogos é a subjetividade, e as brechas em aberto para livre interpretação. Não é à toa que uma das frases mais famosas do produtor e designer japonês seja “existe um nível de realismo que só se consegue atingir através do imaginário”; o que por si só representa bem o que Ico, Shadow of the Colossus e The Last Guardian trazem consigo.
Mas há algo que The Last Guardian possui, e que o difere não apenas dos outros dois títulos da Team Ico, como também na indústria como um todo: Trico. A fera (ou seria quimera?) é uma mistura de cachorro, gato, pássaro e dragão, e possui vida própria… Sim. Seus trejeitos, feições e modos de reagir são extremamente orgânicos, naturais e verossímeis, a ponto de me fazer pensar que ele realmente existe – ou poderia ter existido.
Explicando melhor: a fera é teimosa, e não obedece aos comandos do menino a princípio; é arisca e por vezes, bastante temerosa de avançar sozinha; cansa de verdade em alguns momentos e precisa comer e descansar; brinca com correntes, com borboletas e corre pelos campos abertos à vontade; fareja por algo quando não tem ideia do que fazer ou para onde prosseguir; dorme, briga, salta, chora, gane, se atrapalha, se coça, pede carinho, e atende até mesmo aos chamados da natureza ao vivo… O melhor de tudo? É que este exímio trabalho para com a inteligência artificial do bicho, afeta o gameplay.
Se você judiar de Trico, não lhe dando muitos barris de comida, não o acariciando até mesmo quando ele pede, ou não retirando as lanças que o ferem algumas vezes; a fera não apenas irá demorar mais a responder aos pedidos do menino, como também irá se tornar cada vez mais lenta (o peso das armas em seu corpo dificulta o seu avanço). Em contrapartida, se você jogar de outra forma, isto é, acariciando-o e felicitando-o sempre que possível ou após um ato bem feito, tirando-lhe as lanças o mais rápido possível, e claro, lhe entregando todos os barris de comida que forem encontrados; Trico irá agir como um verdadeiro animal domesticado, irá responder mais rápido aos comandos do garoto e, se deixar, até mesmo prossegue adiante por conta própria em alguns trechos.
É preciso levar em conta que ele não é seu cãozinho de estimação altamente fiel, não; ele é seu companheiro e, mesmo com todas estas respostas positivas ao seu comportamento para com ele, ainda assim ele vai agir sozinho muitas vezes.
Trico parece realmente possuir vida própria, e a chave está em como você o trata.
Até mesmo a forma como você indica o caminho a ser seguido, pode ser frustrante, já que dependendo da forma como é feito, pode ser que Trico ainda assim demore a entender – afinal estamos falando de uma criatura bestial e de um garoto cujo idioma é desconhecido. Este é outro detalhe que pode irritar, mas que faz completo sentido: se você apontar o caminho que ele deve seguir, e não montar nele, o bicho ficará confuso. O ideal é sempre dar os comandos em cima dele (de preferência, quando o moleque estiver posicionado no pescoço ou na cabeça de Trico).
De toda forma, independente de como você o tratar, o gigante sempre irá te defender nas batalhas contra as armaduras malignas, e você sempre terá que acalmá-lo após os combates. Sempre. Afinal, tudo se resume a premissa de que não exercemos controle sobre Trico, mas sim, na maneira como nos relacionamos e aprendemos a conviver com ele. Percebe a joia que temos em mãos aqui?
Como já mencionado, outro ponto que se destaca em The Last Guardian e o eleva a um nível diferente dos demais games atualmente, é a narrativa. Tudo gira em torno de Trico e a forma como você desenvolve sua relação com ele. O progresso dessa amizade entre a fera e o menino é amplamente natural, e os detalhes em cena é que fazem toda diferença, seja o olhar de Trico em situações arriscadas ou extremamente emocionais, suas feições diante do garoto quando ele está em perigo, a maneira como ele ruge ou gane quando você é obrigado a se afastar para resolver algum enigma…
Até mesmo os comandos você aprende com o tempo. Em mais ou menos 1 hora de jogo, o jogador aprende a dar instruções para Trico – há um botão para chamar a atenção da besta quando esta se distrair, é possível apontar a direção que se deve seguir, manda-lo sentar, atacar, pular ou erguer o corpo para alcançar lugares altos.
Novamente, Trico não é o seu cachorro treinado, mas ele se torna o seu melhor amigo no game, e você pode ensiná-lo alguns truques, de modo que haja melhor compreensão mútua, e assim se avance na trama. Além disso, somando tantos pormenores impostos sobre o bicho, e as situações pelas quais ele e o menino tem de passar em sua jornada, torna praticamente impossível não de se apegar.
O nome Trico, aliás, provém de “Toriko”, que não é apenas a pronuncia do menino, mas também significa “prisioneiro” em japonês. A alcunha também é uma amalgama das palavras “tori” (pássaro) e “neko” (gato), além de possui o sufixo “-ko”, que pode ser usada para se referir a uma criança ou bebê no idioma oriental. Projeto Trico também era o nome do título quando ele ainda estava em estágio inicial de desenvolvimento, que é uma brincadeira com Tri e Ico – ou seja, o terceiro título da Team Ico. Se vale a curiosidade, Shadow of the Colossus a princípio se chamaria “Nico” (o “ni” significa dois em japonês).
Sendo sincera, eu não esperava tanto pelo game assim. Quando joguei Ico pela primeira vez, Shadow of the Colossus já era um título aclamado pela mídia e pelo público, em muito pouco tempo após seu lançamento. Joguei ambos nessa mesma época e me apaixonei perdidamente, e quando o “Project Trico” foi anunciado, fiquei ansiosa e esperançosa, mas conforme o tempo foi passando e minha ânsia não foi alimentada devidamente, fui apenas deixando de lado, já que o medo de o título ter sido oficialmente cancelado também me assolou. Desde então, acompanhei as novidades por cima, apenas lendo as notícias relacionadas a produção e tentando não me deixar levar pelas imagens e vídeos que eram liberados a conta-gotas aqui e acolá.
Na E3 de 2015, quando finalmente anunciaram que The Last Guardian sairia para PlayStation4 em outubro de 2016 (posteriormente adiado para dezembro do mesmo ano); as esperanças voltaram, mas ainda tentei me manter firme no chão. Então, quando chegou a BGS deste ano e eu vi de perto a apresentação e como o jogo estava ficando… Toda a emoção daquele singelo anúncio feito há sete anos, voltou com toda a força.
Hoje, já tendo terminado o título, digerido boa parte da experiência e pensado a respeito, posso assegurar que valeu sim. Em meio ao caos gerado por inúmeros acertos e erros, sejam estes técnicos ou não, existem muitas coisas boas a serem levadas em conta, e elas brilham forte, e também agregam muito peso a mais à balança, na hora do acerto final.
Eu consigo entender as notas baixas que The Last Guardian recebeu, pois quer queira ou não ele é um jogo, e possui diversos problemas técnicos. Além disso foi lançado muito depois do período estipulado e, portanto, é ultrapassado em certos aspectos. Em meio a uma indústria extremamente exigente, seria difícil o game não ter sido prejudicado por tudo isso; ainda que seu lançamento seja uma grande façanha (quem não se lembra das piadas acerca da verdadeira existência do game?).
Mas eu parto da máxima de que videogames hoje em dia, já ultrapassaram o rótulo do puro e simples entretenimento eletrônico, e se tornaram arte a seu próprio modo, oferecendo experiências que balançam os valores sociais, psicológicos e culturais de seus consumidores. Este título, por sinal, consegue alcançar com primor estes aspectos, trazendo um novo sentido para o cerne desenvolvedor.
Não me arrependo da espera, nem do valor que gastei com o game. Depois do que vi na Brasil Game Show, já esperava um pouco do que me aguardava, por gostar e confiar na qualidade e no trabalho de Fumito Ueda e sua finada Team Ico, e imagino que jogadores recém-chegados à franquia também irão adorar, e a partir de The Last Guardian, irão se interessar nos outros dois games.
The Last Guardian não é apenas um jogo…
Só não é o melhor dos três jogos da desenvolvedora por conta dos problemas técnicos já citados, pois em questão de narrativa, ele é tão sombrio, intrigante, comovente e apaixonante quanto os outros – um jogo agridoce, tal qual SotC e Ico, mas que fica marcado na alma para sempre pela gratificante experiência a que se resume no final. É um daqueles títulos que é sobre a jornada, e em especial sobre seu fim e o legado que ele te passa e te deixa; e só por isso eu daria uma nota 10 a ele (o que, aliás, me entristece, pois não posso simplesmente analisa-lo pelo seu valor artístico e a sua carga emocional, mas sim como um jogo).
De toda forma, é um game que eu quero manter na coleção com muito carinho e, inclusive, quero até comprar a edição de colecionador apenas para ter um Trico em miniatura na minha estante, devido ao amor que acabei criando e cultivando a esta criatura, em meu coração.
É um jogo que eleva valor artístico e carga emocional a um outro nível, não apenas pela narrativa, mas também pela proeza magnânima em torno da criação de Trico, que realmente é um ser com vontade própria dentro de um jogo. The Last Guardian é uma peça original e intimista, que proporciona uma experiência única ao jogador, em meio a um mercado de fórmulas saturadas, e que traz bastante discussão (seja pelos temas abordados ingame, suas referências ou brechas deixadas em aberto, ou por novamente cruzar a fronteira da dissonância ludonarrativa).
Definitivamente não é para qualquer um, mas um que todos deveriam se submeter um dia e vivenciar a experiência. No mais, faço minhas as palavras de Swery: “é bobagem apontar os problemas de câmera, e não faz sentido chamar ‘Toriko’ de ‘inteligência artificial’. Vocês precisam amar ‘Toriko’, e isso é tudo”.