Um mundo cyberpunk, um bar antiquado e relacionamentos complicados. The Red Strings Club é um jogo com uma sensibilidade carinhosa e decisões analíticas, que fala de destino, sobre tentar entender o mundo e as pessoas. Tudo está ali para dizer a você que, às vezes, amar e mudar as coisas interessa mais.
Tirando essa parte, que provavelmente você achou um pouco brega e desinteressante, deixe-me falar do seu futuro jogo cyberpunk favorito. Dos mesmos criadores de Gods Will be Watching, The Red Strings Club é um jogo sobre escolhas com um destino que não pode ser mudado.
Você controla diversos personagens, cada um com objetivos diferentes. Seguindo a mecânica de point and click, o jogador explora o cenário e descobre novas informações, contudo, o interessante aqui são os mini-games. A forma simples dos desafios são propostos e como tudo se encaixa na narrativa fazem de The Red Strings Club um jogo para ser respeitado.
O cenário é muito mais próximo daquele estilo futurista dos anos 90 do que das propostas atuais. Temos aqui os hackers com plugs na cabeça, cidades iluminadas por grandes telas de neon, violência e grandes corporações querendo decidir o que é certo e errado. Tudo isso em uma pixel-art charmosa e bem resolvida.
O jogo tem alguns lugares principais, como o bar The Red Strings Club, um laboratório secreto que cria implantes personalizados e a sala de um grande executivo. Outros lugares aparecem ao longo do jogo para contextualizar os personagens ou explicar alguma situação, mas o jogo em si acontece nestes três cenários.
O bar, lar de Donavan, o charmoso e astuto barman, é o ponto principal do jogo e o centro da troca de informações na cidade. O personagem usa seus poderes para ler as emoções das pessoas e conseguir tirar delas as melhores respostas. Ele está preso naquele balcão por algo que aconteceu com a perna dele, há muito tempo atrás. Não que ele se importe com isso, na verdade, até gosta.
Quando o usuário está no controle de Donavan, o jogo se concentra em dois momentos, os diálogos, em que perguntas e respostas certas podem definir o futuro, e a criação dos drinks certos para amplificar as emoções desejadas. Entregar aquela bebida certeira no momento adequado pode mudar todo o destino. É um mini-game muito legal, em que você precisa misturar as doses nas proporções certas para se encaixar em uma das emoções do NPC. Assim que a mistura estiver perfeita, dá para servir e a conversa seguirá dentro da emoção proposta.
Os momentos no bar são feitos com muito cuidado. Chama a atenção a preocupação para que o clima da emoção acionada pela bebida faça sentido. Por exemplo, em um momento, você pode fazer uma bebida que torna a pessoa um pouco paranoica, com a animação dela no bar mudando completamente. A perna do personagem começa a mexer de nervosismo, e de tempos em tempos, ela olha para a porta. É um detalhe sutil, que mostra o efeito do drink e o sucesso de sua estratégia.
The Red Strings Club é um game diferente da maioria. A forma simples dos desafios são propostos e como tudo se encaixa na narrativa fazem deste um título para ser respeitado.
O laboratório secreto é outro grande ponto do jogo. Após entrar na cabeça da androide Arkasa, dá para acessar suas lembranças e entender o que estava acontecendo, assim, jogando nas memórias do robô. O mini-game aqui é semelhante ao ato de fazer vasos de barro: você precisa fazer um disco girar e, com o mouse, limpar os pixels soltos para criar o padrão proposto pela peça.
A mecânica é bem resolvida e apresenta um trabalho muito curioso, que nunca vi nos video games antes. Não basta somente passar o mouse, é preciso escolher as ferramentas certas para gerar as formas corretas. Simples, delicado e funcional, e para deixar isso ainda melhor, o jogador pode selecionar uma música no rádio para ouvir enquanto trabalha. Muito amor.
Colocar os implantes nas pessoas também é algo bem interessante, não só como mini-game, mas também como resultado da história. Algumas pessoas voltam reclamando, outras não, mas todas são afetadas pelo que você coloca nelas. Muitas decisões importantes são tomadas nesse laboratório e os resultados são impressionantes.
Brandeis é um hacker social, que age de forma muito parecida com o personagem da série “Mr. Robot”. Ele liga para as pessoas tentando se passar por outras, fazendo perguntas para descobrir senhas e caminhos de acesso. Para mim, um dos momentos mais difíceis do jogo, pois ele não te ajuda muito, mas você precisa usar as informações que conseguiu reunir para questionar as pessoas e obter o que quer. A ideia é ótima, mas rapidamente se torna um jogo de tentativa e erro até conseguir o que se quer.
É nesse momento que o jogo se torna intenso e interessante. É Brandeis quem está caindo do prédio desde o início, e o que o jogador está esperando desde então está prestes a acontecer.
Poucos jogos tratam temas como a sexualidade de maneira adequada. Algumas vezes, erram sendo sexistas ou pecam ao tentar fazer o certo, mas de maneira exagerada. Aqui, encontramos a fórmula mais agradável de todas. O tema existe sexualidade, o jogador o entende, contudo, ele não importa, apesar de muito importante. É complicado explicar, pois o jogo amarra isso muito bem.
O que quero dizer é que a sexualidade existe no mundo, afeta a forma como os personagens enxergam uns aos outros, mas não é fator determinante para o enredo. Funciona como na vida real, com uma sutiliza que faz entender o real relacionamento das pessoas e a insustentável leveza que o amor tem sobre a vida delas.
The Red Strings Club é um jogo sobre como as coisas aconteceram. Afinal, ele começa com Brandeis quebrando o vidro e caindo prédio abaixo. Ele chama desesperadamente por alguém em um rádio ao mesmo tempo em que tenta entender como foi que chegou ali.
Não existe forma de mudar esse destino, Brandeis irá cair daquele prédio, mas o que significa isso? Por que? Como? Onde? Essas são as linhas vermelhas. No meio do jogo, Donavan, o barman, explica sobre elas com mais calma e detalhes. Estas são as mecânicas de jogo, com cada escolha importante ou situação relevante traçando um caminho na trama de opções possíveis.
É legal ver quando as coisas mudam, afinal, existe algo simples que aparece indicado na linha, mas esse detalhe se torna tão relevante na sequência de acontecimentos que não existe como não imaginar como tudo seria se você tivesse feito diferente. E você pode fazer isso!
Ao jogar novamente e tomar atitudes diversas na linha vermelha, as situações futuras mudam, e o problema que se encontra ou até mesmo os personagens que aparecem são bem diferentes. Por ser um jogo rápido, com cerca de quatro horas de duração, não custa nada dar aquela rejogada só para ver como seria se tudo fosse diferente.
The Red Strings Club é um game diferente da maioria. As propostas de jogabilidade, história, personagens; tudo ali é novo e bem feito. Não se deixe enganar pelos pixels e pelo point and click. Permita-se entrar nessa jornada, entender o que está acontecendo e se questionar sobre até onde um produto das grandes corporações pode ir para nos fazer inteiramente felizes.
O jogo foi analisado no PC, em cópia cedida pela Devolver Digital.