The Surge me ganhou no primeiro ponto de virada, ainda nos minutos iniciais. O jogo começa mostrando que somos uma pessoa comum, em um metrô, ouvindo falar sobre as melhorias tecnológicas de um mundo futurista afetado pelas mudanças climáticas. A jornada parece solitária e só nos resta ouvir e observar ao nosso redor. Sendo um título em terceira pessoa, vemos as costas de um homem sentado, nada mais que isso. Uma introdução simples, sem ação ou emoção, explosões nem indicativos de que temos um “Dark Souls Futurista” como está sendo falado, mas sim, algo meio introspectivo e casual.
Então o metrô para.
Você recebe os controles do personagem para poder jogar e é indicado a sair, claro. E aqui acontece o primeiro ponto de virada, algo que é simples e sutil. Você está em uma cadeira de rodas. Isso me soou incrível e cheio de possibilidades! Agora aquela viagem de trem não é somente uma casualidade, mas a expectativa e ansiedade de alguém que pode voltar a andar sobre as próprias pernas após tanto tempo. O fato de ela ser solitária tem um motivo, não é uma cirurgia médica, mas sim a promessa de um exosqueleto para se trabalhar em uma usina de extração de recursos. Um dilema interessante, viver sua vida normal ou abraçar a mudança com o preço de um trabalho duro.
O começo de The Surge é uma aula de como contar uma boa história, escondendo o fato de o personagem ser paraplégico, mas apresentar a solidão como cenário. Logo na sequência da revelação, existe uma escolha a ser feita: Você quer ser rápido ou forte? Tudo em um ambiente neutro, meio escuro. Essa opção indica uma relação de jogabilidade, mas também tem sentido no mundo do jogo, onde nada é preto e branco e as opções parecem vender que você ainda tem autonomia nesse mundo.
Contudo, as coisas saem errado. A cena é realmente incômoda e estranha. Uma cirurgia horrenda e cruel que não acontece de maneira correta. Na sequência, você está estirado no chão, como uma peça defeituosa atirada no ferro velho, direto para o esquecimento. Aqui, The Surge começou a perder todo esse significado incrível que estava criando. Após lançar toda uma carga emocional com o personagem estar se submetendo a um procedimento para andar novamente, resolvido de uma maneira cruel e displicente, o jogo de fato começa. E o que você tem que fazer? Matar outros iguais a você.
Isso me frustrou bastante. Eu não posso ser o herói que vai lutar contra essa injustiça toda? Esses outros “Zumbis-Roboticos” que sofreram o mesmo que eu nas mãos de uma corporação cruel terão de ser mortos sem qualquer questionamento? “Não!” Eu disse, “me recuso. Vou tentar andar desviando desses selvagens, frutos de um mundo maligno e resolverei isso de maneira limpa e justa”. Porém, esse não é um caminho possível e algumas rotas só serão abertas após matar alguns desses caras.
Caso você não se apegue muito à história, que começa bem mas não tem esse prosseguimento ao longo do game, The Surge vai te entreter por muito tempo.
Em um momento, entrei em uma capsula médica no meio da sucata e um holograma me ajudou de maneira otimista. Esse comportamento não faz sentido algum com o contexto – por que fui descartado pela empresa e, agora, ela decide me ajudar? O começo do jogo me pareceu grande demais e não se encaixa com a história que dá sequência.
No entanto, busquei seguir na esperança de um pouco de sentido, talvez exista alguma manipulação, uma motivação, alguma coisa acontecendo. Mesmo sem entender por que todos queriam me matar, ou por que eu preciso atacar todos, ou por que as portas estão fechadas ou mesmo ter alguma ideia para onde eu estava indo. Claro, o jogo tem um caminho meio linear. Existem vários atalhos e rotas perigosas possíveis e a dificuldade é a única coisa que te impede de ir por eles. Segui por onde era indicado, matando, morrendo, avançando e evoluindo.
ente quem gosta de um se interessa pelo outro. No entanto, o título da From Software tem, dentro da sua confusão de histórias e mecânicas, argumentos muito bem justificados, todo o mundo roda em torno de um contexto, de decisões do jogador, linearidade e busca. Muitas coisas são criadas subjetivamente e muitas camadas são dadas ao jogador.
Ou seja, Dark Souls é difícil por que faz sentido ele ser difícil. Não só mecanicamente, mas narrativamente. Deste modo, busquei encontrar em The Surge algum significado nesse desafio absurdo, talvez seja complicado se adaptar a andar novamente, mas se assim fosse, o jogo deveria ser mais um puzzle de movimentação do que de combate. Após refletir, entendi que isso faz parte de uma escolha comercial, é estratégia de marketing e não de narrativa. O pior de tudo é que eles conseguiram criar uma ótima mecânica de combate que funciona muito bem com a dificuldade e agilidade de controle.
Uma das coisas que não podemos negar é que The Surge tem uma jogabilidade muito gostosa e um sistema de combate fascinante. Após travar o inimigo na sua visão, é possível selecionar qual área do corpo será atingida, desta forma, selecionar partes menos protegidas ajuda muito a finalizar um combate rapidamente. Admito que tentei jogar no teclado e mouse e achei meio travado esse sistema, contudo, no controle ele funciona muito tem e possui uma dificuldade de coordenação motora que torna acertar um golpe em sequência uma realização muito gratificante.
The Surge tem uma jogabilidade muito gostosa e um sistema de combate fascinante, além de focar na exploração.
Somado a esse sistema, temos inimigos diversos e interessantes, cujos movimentos são legais de entender e antever, fazendo todo novo combate uma experiência de aprender e superar. Após descobrir como aquele inimigo se comporta, a dificuldade acaba e a sensação de ter evoluído se torna real, muito melhor que qualquer barra de XP que existe no jogo.
Vale ressaltar que, se você encontra um inimigo com uma peça nova, graças à seleção de partes a serem atingidas, é possível arrancá-la, e ela se tornará um projeto que, coletando sucata suficiente e pedaços, vira um equipamento novo, no melhor estilo Mega Man. Tudo isso com um sistema de morte repleto de animações bem legais.
Os cenários, design de equipamentos, ruínas e tudo mais são lindos, cheios de dicas e indicações de um passado interessante, parecido com Portal, com pichações na parede sugerindo algo. Tudo é bem intuitivo, fácil de entender e gostoso de explorar.
Os estágios são bem delimitados, cheios de mistérios e itens espalhados, recompensando a busca e exploração. Se tomar cuidado, o jogador pode passar por alguns inimigos sem incomodá-los, o que ajuda a avançar rápido quando já se entende o caminho, mas cuidado, quando voltar, eles estarão lá te esperando.
Com o tempo, matar todos na área, coletar sucatada e melhorias se torna uma tarefa divertida. Encontrar portas e seguir a trilha praticamente linear do jogo na busca do próximo upgrade é recompensador. Por um tempo achei que ia cansar, mas não, o jogo fluiu muito bem. Em um certo momento, The Surge ganha até uma pegada de horror, com criaturas escondidas pulando sobre você, armando emboscadas e acabando com sua tranquilidade.
Temos aqui um jogo bonito, legal e gostoso de se jogar. A única coisa que eu não entendi ao longo da experiência é por que toda a situação está acontecendo. Nem o protagonista parecia muito incomodado com isso tudo. O começo é absurdamente bom, muito carregado de emoções e promessas de uma narrativa forte. Essa expectativa de uma boa história é o que te faz acreditar nesse jogo mas… será que tudo isso existe no fim?
Em termos gerais, vale a pena jogar, principalmente se você gosta de games futuristas ou algo no estilo de Dark Souls. Sem dúvida, ele não te dará a mesma experiencia, pois são jogos diferentes, tanto de história, quanto de cenários quanto de jogabilidade, mas, particularmente, achei o sistema de combate muito melhor em The Surge.
O jogo analisado no PC com cópia cedida pela Sony Music Games.