Mais um dos expoentes da safra de jogos indies a assumir a primeira pessoa como perspectiva, The Town of Light é um jogo que chega com muito a dizer. Não acredite, entretanto, na descrição que tenta vende-lo como um game de terror. Ou acredite, sim, pois o título é verdadeiramente perturbador, mas não pelos motivos que você espera.
Aqui, não estamos falando de monstros ou abominações. Ou talvez estejamos, mas não do tipo sobrenatural. Os horrores de Renèe, a personagem principal, são bem reais e plenamente palpáveis pelo jogador, por mais que estejam escondidos por trás das paredes grossas de um sanatório e enevoados entre pensamentos de uma mente que não está funcionando em seu estado normal.
Esse realismo se estende a todos os aspectos do game, e não estou me referindo ao conjunto gráfico, que é apenas mediano. Ao criar The Town of Light, a desenvolvedora italiana LKA reconstruiu completamente um sanatório de meados do século XX, cujas ruínas estão até hoje nos arredores de Volterra, na região da Toscana. Um local reconhecido pela beleza e pelo turismo, mas que aqui, aparece como o cenário de uma história terrível.
The Town of Light é um game que merece ser conhecido, mas efetivamente jogá-lo pode não ser a melhor das experiências.
Não só o ambiente, mas a trama também é real, na medida em que as anotações de funcionários e familiares de pacientes são capazes de conta-la. O que temos não é apenas uma trama sobre os labirintos da mente, mas também sobre um local ao qual pessoas indesejáveis eram enviadas para serem esquecidas, sob o pretexto de que seriam tratadas de seus distúrbios.
Se morressem, então, melhor ainda, e durante as três horas e meia de The Town of Light, muitas vezes esse é o nosso desejo projetado na protagonista, de forma que ela pudesse se livrar de tudo aquilo. É difícil falar sem entregar spoilers, mas o game fala sobre abuso, corrupção e loucura, tratada com métodos medicinais arcaicos que não atingiam o problema, mas sim, transformavam o paciente em um vegetal, algo que era visto, ou melhor, confundido com uma possível cura.
É uma aventura extremamente intimista, que ao mesmo tempo abala o jogador e o motiva a seguir em frente. Todo o enredo é contado em capítulos, que se desenvolvem por meio de prontuários médicos, páginas do diário da protagonista e, finalmente, cutscenes, apresentadas na forma de desenhos ásperos, crus e extremamente perturbadores.
Não encare The Town of Light como um game de terror. Ou faça isso sim, pois o título é verdadeiramente perturbador, mas não pelo que você imagina.
Comentários da protagonista falando consigo mesma se misturam a arquivos encontrados entre os escombros e alucinações, ou não. Enquanto isso, o jogador está na pele de algo que não sabe muito bem o que é e tenta chegar ao fundo dessa história. Mas a verdade é que, a cada passo, esvazia-se a esperança e muito rapidamente percebemos que a luz de The Town of Light não é uma alegoria para um final feliz.
O maior problema é que tudo isso acontece por trás de uma jogabilidade incrivelmente travada e pesada. Nas opções padrão do game, até mesmo o controle de câmera é lento e irregular, algo que, felizmente, pode ser mitigado com uma alteração nos níveis. Infelizmente, essa possibilidade de configuração não se aplica a todos os aspectos.
O cuidado empregado pela LKA com a reconstrução do manicômio onde toda a trama se desenrola, infelizmente, não se estende ao aspecto técnico. Por todo lado, temos texturas que brotam na frente do jogador enquanto outras claramente não carregam. Um sistema de escolhas incompreensível brinca com uma quebra de quarta parede, mas acaba não fazendo muito sentido dentro da proposta e, mais do que esquecível, se torna irrelevante para o andamento da trama.
Não ajuda, também, o fato de que The Town of Light, apesar de incrivelmente linear, indica pouco o caminho a ser seguido pelo jogador. Temos, aqui, um título que é guiado quase que inteiramente pela história que deseja contar, mas que, entretanto, não dá os subsídios para que o jogador a siga de maneira objetiva.
Em alguns momentos, basta seguir até um mapa para verificar o caminho a seguir, enquanto em outros, nem mesmo o peculiar sistema de dicas ajudará a encontrar o destino, obrigando o usuário a andar a esmo pelo sanatório de forma a continuar. Cenários amplos e vastos ressaltam a beleza da Toscana, mas ao mesmo tempo dão a impressão de que há muito a explorar, o que não é verdade, acabando por inflar artificialmente a duração do título enquanto brinca com a paciência de quem está no comando.
The Town of Light é um game que merece ser conhecido, mas efetivamente jogá-lo pode não ser a melhor das experiências. O melhor, aqui, seria procurar um gameplay sem comentários e aproveitar o título por seu melhor aspecto: o enredo.
O jogo foi analisado no PlayStation 4, em cópia cedida pela Wired Productions.