A neve e o frio da cidade de Sharpwood escondem mais do que o cadáver que aparece em um dos primeiros casos a serem abordados pelo jogador, logo nas primeiras horas de This is the Police II. Estamos em uma cidade pequena, daquelas em que todo mundo se conhece e, também, com aquele estilo de morador que faz uma arruaça por coisas pequenas, ao mesmo tempo em que age como pode para manter as aparências. O roubo de um videocassete é visto como uma grande ameaça à segurança pública, mas um caso de assédio, nem tanto.
Religião, gente louca, jogos de poder e policiais que se acham grandes demais por carregarem um distintivo se misturam nas ruas nevadas do município. É o tipo de lugar isolado e esquecido que seria perfeito para o ressurgimento de alguém como Jack Boyd, o protagonista do primeiro game da série, que reaparece com motivos obscuros após sua jornada em busca do enriquecimento, mesmo que ilícito, no game anterior.
É, também, o local mais complicado possível para que a nova xerife, Lilly Reed, assuma o departamento de polícia de Sharpwood. Jovem, com cabelos ruivos e voz baixa, ela sofre uma tempestade de machismo quando, simplesmente, ninguém reconhece sua presença. Os oficiais preferem ouvir o velho barbado e misterioso, de voz grossa e passado violento, do que sua superior oficial, que passa o tempo todo tentando manter sua autoridade e questionando a própria competência.
O enredo cru disposto acima move as engrenagens de This is the Police II tanto quanto sua própria mistura de estilos, com o game indo da simulação e gerenciamento de pessoal para os momentos de decisão, investigação e estratégia. É um amálgama de interesses, questões morais e possibilidades que nem sempre se refletem na própria jogatina, que acaba sendo bem mais interessante por seus pequenos pontos do que pelo macrocosmo apresentado.
Logo de início, há uma questão complexa e discutível a ser levantada, relacionada ao fato de a sequência da Weappy Games exigir que o jogador tenha um conhecimento do anterior. É claro, estamos falando de uma continuação e, como tal, terá mais elementos para agir aquele que já tiver jogado o primeiro This is the Police. Até que ponto, porém, isso fecha as portas para novatos, principalmente quando o andamento da história exige uma lembrança clara do que aconteceu no antecessor?
O título é como a segunda temporada de uma série querida, que traz de volta tudo aquilo que agradou e aumenta as apostas, mas de forma compreensível somente a quem acompanha o show com afinco. Aos outros, resta apenas a jogabilidade.
This is the Police II se coloca quase como um episódio imediatamente posterior ao primeiro, continuando sua história sem introduções. Nas cutscenes, o jogador é apresentado a um mundo novo, mas percebe rapidamente que, se está chegando agora, não vai entender muita coisa, pois elementos da trama pregressa são apenas pincelados. Quem é esse senhor que atende um vendedor com a pistola na mão? Que história é essa de US$ 500 mil e relações com a máfia? São lacunas que a interpretação não consegue preencher e exigem, claramente, conhecimento de causa.
Quem não jogou tem duas opções – procurar na internet ou retornar ao passado para jogar o primeiro game. Para um lançamento, não são necessariamente escolhas desejáveis e, na maioria das vezes, a escolha será pelo abandono ou por ignorar as cutscenes da história, de olho no próximo dia de trabalho na delegacia. Estamos falando de um usuário casual, pouco comprometido ou, simplesmente, que não seja capturado pelo pescoço pelo mundo de This is the Police II. E, como todos sabemos, os fãs inveterados sempre são a minoria.
Isso se deve ao fato de, muitas vezes, decisões morais aparecerem entre a rotina de trabalho, sem que seja possível compreender exatamente as consequências de nossos atos, o ensejo atual ou de que maneira o resultado seria diferente se escolhêssemos outra alternativa. Alguns dilemas são óbvios, como o do policial que esqueceu o forno ligado e pode ver sua casa explodindo caso não use a viatura e uma horinha de trabalho para ir até lá checar.
Outros, mais importantes, porém, nem tanto. Em um determinado momento, por exemplo, o jogador será colocado no papel da secretária de Boyd, respondendo a um inquérito das autoridades sobre as atividades dele, mas sem qualquer noção do que responder. Aqui, ainda, a localização para o português não ajuda, mas mesmo em inglês, é possível ver uma frase que dizia uma coisa nos levando para um caminho que não era exatamente o desejado.
A jogabilidade de This is the Police II, como no primeiro, é baseada no dia a dia da delegacia de polícia de Sharpwood. O jogador é o responsável por escolher os policiais que estarão em serviço e atender às ocorrências que aparecem, bem como dar atenção a investigações em andamento e atender à população da melhor forma possível. A prisão de criminosos e o salvamento de civis valem pontos, enquanto ignorar chamados ou deixar bandidos escaparem têm o efeito inverso.
This is the Police II nos coloca no controle sem que tenhamos, efetivamente, o comando da situação. Resta apostar no julgamento para tomar a melhor atitude possível.
Tudo seria bonito e mais do que suficiente, não fosse o fato de os policiais do game agirem como seres humanos, que tentam inventar desculpas para não trabalhar, se revoltam contra a autoridade ou, simplesmente, fazem merda. E, mais uma vez, entra em jogo o poder de decisão não apenas moral do usuário, mas também prático, que deve levar em conta a atitude mais adequada diante de uma ocorrência – e torcer para que as coisas não saiam do controle.
Uma velhinha está destruindo a porta de vidro de uma agência com uma bengala, qual a melhor postura? Conversar com ela pode dar certo, mas caso ela ataque e atinja o policial na cabeça, você pode passar alguns dias sem um oficial que pode ser necessário. Contê-la fisicamente, então? Mas e se isso a levar a um ataque cardíaco? E o que a imprensa vai pensar se o spray de pimenta for utilizado em um caso assim?
Temos também as situações que levam à corrupção, na forma da boa e velha broderagem. Um dos primeiros casos de investigação, por exemplo, envolve o furto de um videocassete. Um crime pequeno, que nem mereceria a atenção da polícia, não fosse o fato de a vítima oferecer seus serviços de encanador gratuitamente, em troca da apuração do caso. É um exemplo banal e simples de um dilema que aparece com frequência e pode representar pequenos cristais em uma bola de neve que só vai crescendo.
Nos trechos de investigação, ainda, o jogador é o responsável por analisar pistas e reconstituir o crime, apontando um suspeito para indiciamento. Mais uma vez, a escolha deve ser feita com cuidado, mas uma decisão certa ou errada não apresenta reflexos imediatos, deixando o usuário, principalmente no começo do game, sem entender exatamente o que está acontecendo e de que maneira suas ações influenciam o mundo.
This is the Police II nos coloca no controle sem que tenhamos, efetivamente, o comando da situação. Resta apostar no julgamento para tomar a melhor atitude possível. O mesmo vale também para as já citadas decisões relacionadas a urgências e imprevistos. Negar um almoço mais longo para um oficial pode levar a consequências claras, mas, também, minar a relação de confiança e amizade entre você e ele, levando a problemas que, claro, aparecerão durante as operações mais complexas.
São estas, inclusive, as situações mais interessantes do título. Com uma visão isométrica e jogabilidade a la XCOM, controlamos ações, a utilização de armas e a prisão ou contenção de bandidos, enquanto tentamos resgatar reféns e desarmar bombas. Claro, desde que tudo corra bem, pois um oficial com pouco apreço por seu superior pode decidir agir sozinho, mesmo que isso signifique colocar a própria segurança e a dos colegas em risco.
A dublagem de Jon St. John, que interpreta o protagonista Boyd, é um destaque, assim como o trabalho de sonorização e arte do título, que lembra uma graphic novel das boas. Entretanto, como dito, para o jogador casual, a história acabará importando menos que os elementos de gerenciamento, o que é uma pena levando em conta o roteiro simples, mas cru e direto ao ponto, desenvolvido pela Weappy Games entre o cotidiano de crimes comuns.
O título é como a segunda temporada de uma série querida, que traz de volta tudo aquilo que agradou e aumenta as apostas. para os fãs, que vinham criando teorias e imaginando o caminho que o capítulo de Sharpwood tomaria, temos um deleite. Para todos os outros, porém, o esforço exigido para entender o enredo pode suplantar a jogabilidade interessante e os bons momentos de decisão no cotidiano. O dia a dia, ao contrário do esperado, pode acabar soando bem mais interessante que o universo geral de This is the Police II.
O jogo foi testado no PC, em cópia cedida pela THQ Nordic.