Pergunte a qualquer fã de games qual franquia do passado ele gostaria de ter de volta e ele, provavelmente, terá uma resposta na ponta da língua, com motivações que variam desde a atualização gráfica ou de mecânicas até a simples vontade de ter algo novo de uma franquia favorita para jogar. Retornos como esse, por mais nostálgicos que sejam, muitas vezes acabam dialogando mais com o presente do que com o passado, entretanto.
Sejam apresentados como reimaginações, remakes ou reboots, a verdade é que muitos dos desenvolvedores se voltam ao que funciona hoje, e de que maneira o antigo pode ser adaptado. É um caminho explicável por questões mercadológicas e de aceitação e também o oposto do seguido pela HumaNature Studios com ToeJam & Earl: Back in the Groove. E ao abraçar os anos 1990, o resultado entregue pela desenvolvedora é um game ao mesmo tempo simples e incrível.
A franquia dos dois alienígenas cheios de estilo não é necessariamente uma das maiores da história, mas quem jogou seus primeiros títulos, ainda na era do Mega Drive, dificilmente se esqueceu. Principalmente o primeiro, que introduziu os aliens, apresentava algo diferente para a época, com um mundo vasto e cheio de possibilidades, enquanto a maioria dos jogos apresentava algo linear e objetivo. São dois pesos e duas medidas, mas nesse retorno, que acontece 17 anos depois da última aparição dos personagens, vale o mesmo.
O maior acerto da produtora independente foi, justamente, apostar no bom e velho estilo dos anos 1990. O que já havia sido chancelado por uma campanha bem-sucedida no Kickstarter apenas se prova ainda mais real quando colocamos as mãos em um game que cheira a passado mas também se sustentaria muito bem como algo inédito. A nostalgia, aqui, é o tempero e não o prato principal.
Ela, entretanto, ajudará a entender melhor o que está acontecendo nessa versão fragmentada e surreal da Terra, mais uma vez por influência de nossos protagonistas. Mesmo no chamado mundo tutorial, que se apresenta como uma jornada completa pelo título, as explicações sobre como tudo funciona não estão explícitas e um jogador de primeira viagem pode se ver em um processo de tentativa e erro assim que iniciar sua experiência com o título.
Uma falta de entendimento, no início, do que é preciso fazer podem tornar a jogatina um tanto desastrada em sua primeira hora. Indicadores de texto, por exemplo, aparecem depois que o jogador já executou a ação que está sendo explicada, enquanto o funcionamento desse universo não fica de todo claro. O cenário cheio de objetos e coisas acontecendo é um dos destaques do meio, mas também aumenta a curva de aprendizado nessa etapa inicial.
Ao criar o conjunto de controles, a HumaNature também cometeu o equívoco de colocar ações repetidas em um mesmo botão, baseando a ação do personagem no contexto. Não há nenhum problema aqui, não fosse o fato de, muitas vezes, os elementos se sobreporem no cenário. Uma alavanca a ser ativada, por exemplo, pode aparecer em cima de uma árvore, levando o personagem a chacoalhá-la em vez de executar a ação desejada. Mais um obstáculo na já citada como problemática intuitividade do título.
Muito da aventura de Back in the Groove é baseada na aleatoriedade, o que faz com que uma jornada sempre seja diferente da outra. O planeta foi dividido em andares, enquanto seus habitantes enlouqueceram. ToeJam, Earl e suas respectivas consagradas só querem ir embora, mas precisam encontrar as peças de sua nave e lidar com os desafios do caminho, uma turba que deseja atacá-los, figuras interessantes que apresentam ajuda e uma dinâmica de presentes que pode tanto auxiliar quanto atrapalhar.
São diversas as figuras e cada uma se comporta de uma maneira, a favor ou contra quem joga. Um sósia de Gandhi pode proteger os personagens enquanto uma cantora de ópera gigante afasta todo mundo com seu som desafinado; ao mesmo tempo, ToeJam, Earl e os outros podem ser caçados por demônios e malucos com cortadores de grama. Bolas de boliche foram parar nos galhos das árvores e podem ferir na queda, assim como o queijo podre encontrado sem querer nos presentes obtidos pelo cenário.
Não saber o conteúdo das caixas, por exemplo, faz com que o jogador possa liberar tanto armas ou tênis que permitem andar mais rápido como uma trombeta que atrai todos os inimigos do cenário. Um guru, o mesmo que melhora as habilidades dos protagonistas, pode revelar o conteúdo das embalagens em troca de dinheiro, obtido pela exploração do cenário.
Todos os aspectos do game estão ligados uns nos outros e entender o funcionamento dessa máquina é, ao mesmo tempo, fascinante e complexo. O game também deixa a progressão à critério do jogador, que pode ir direto ao ponto, caçando apenas as partes da nave dos protagonistas, ou explorar minuciosamente o cenário em busca de colecionáveis e melhorias ou participando dos minigames.
Tudo é absolutamente orgânico e isso se deve, principalmente, ao fato de o game ser tão parecido com o original. Back in the Groove é um retorno de ToeJam & Earl, mas é também uma sequência, que agrega ideias dos três títulos dos alienígenas mas tem o primeiro como grande base. Os gráficos são muito inspirados e, mesmo com muita coisa acontecendo na tela, não existem problemas de performance.
Nem mesmo a estética noventista soa datada, uma vez que temos traços artisticamente belos e uma trilha sonora magnífica. O conjunto musical, uma grande mistura de temas do passado com músicas inéditas merece uma menção à parte, já que, assim como no passado, salta como uma das partes mais legais de Back in the Groove. Você, com certeza, vai se pegar ouvindo as músicas do game no trabalho enquanto torce para chegar a hora de ir embora jogar.
Tudo fica ainda mais bonito quando unimos outra relíquia do passado à fórmula e jogamos a aventura ao lado de um amigo. O modo cooperativo de sofá está de volta, juntamente com a possibilidade de se unir a quatro pessoas pela internet, e transforma o game em diversão colaborativa das melhores.
Como os consoles atuais são bem mais capazes do que os do passado, cada jogador pode estar em uma parte diferente do mapa, o que, ao mesmo tempo, agiliza a obtenção das peças da nave dos alienígenas, mas também obriga o game a agir contra os usuários, aumentando a dificuldade e a quantidade de elementos nos cenários. Chega a ser curioso ver que cada pessoa conectada está tendo uma experiência diferente o tempo todo, mesmo jogando juntos e unidos a uma mesma linha guia.
O investimento na personalidade valeu a pena e o título da HumaNature esbanja carisma. Jogar com os amigos revela linhas de diálogo adicionais, indisponíveis no modo single player. Mesmo sozinho, temos uma jogabilidade ágil e inspirada, com jornadas que podem soar curtas para alguns, mas potencial infinito quando, ao iniciarmos uma nova aventura, absolutamente tudo se comporta de maneira diferente.
Dá para perceber o amor dos envolvidos em ToeJam & Earl: Back in the Groove, trabalhando sob a batuta do criador dos personagens, Greg Johnson. E com todo esse coração, batendo ao ritmo do melhor do hip-hop noventista, a produtora nos presenteia com uma verdadeira pérola. Em meio a títulos gigantescos, grandes retornos de protagonistas consagrados e reinvenções, este jogo nos prova que, muitas vezes, menos é mais.
Em um mundo em que tantas franquias do passado caíram no limbo, vermos que ainda há espaço para propostas tão absolutamente inspiradas quanto esta chega a aquecer o peito. Back in the Groove é uma homenagem, uma beleza visual, um novo jogo, uma volta ao passado, um título adequado para grandes e pequenas jogatinas, mas, acima de tudo, um farol de esperança. Que mais gente siga esse caminho e traga de volta nossos amados do passado.
O jogo foi testado no Switch, em cópia cedida pela HumaNature Studios.