Depois de um longo dia de trabalho ou escola, não há nada melhor do que chegar em casa e curtir aquele jogo com uma história repleta mistérios que nos prende do início ao fim. O melhor de tudo é poder aproveitar aquele game tão aguardado em nosso querido idioma, facilitando muito a vida daqueles que não entendem muito o inglês ou outra língua estrangeira.
Algo crucial na acessibilidade e disseminação de jogos em um país, traduzir um jogo para o idioma local é mais do que tornar o game compreensível, mas também, uma questão de respeito com o consumidor. Sabemos que lucrar no mercado brasileiro é uma missão difícil. São impostos altíssimos, burocracia desnecessária e um governo que faz questão de dificultar ao máximo a vida de quem quer empreender.
Mesmo assim, as terras tupiniquins atraem os olhos das gigantes da indústria por sermos a maior potência da América do Sul, investindo pesado em marketing, eventos, legendas e dublagens em português. Isso causou uma verdadeira revolução no mercado nacional, tornando possível que aquele parente mais velho ou o amigo que nunca se interessou por video game fique ansioso para saber se o vilão terá o que merece ao fim da jogatina. Aquela mesma sensação que eles sempre vivenciaram ao ver um bom filme ou ler um bom livro, agora, mais do que nunca, também atrai os menos entusiastas com jogos digitais.
Um começo bem tímido
Mesmo que tenham ganhado mais visibilidade recentemente, jogos em português não são algo novo. Pois já tivemos bons exemplos até mesmo nos anos 1980 com o Master System. Grande parte desse mérito se deve a parceria da empresa brasileira Tec Toy com a SEGA, que distribui os consoles da antiga rival da Nintendo até hoje. O primeiro jogo da série Phantasy Star, lançado para o Master System em 1988, foi legendado em nosso idioma, surpreendendo também aos adultos da época devido à imersão da história.
A companhia conseguiu ir além, produzindo diversos jogos com figuras da cultura pop nacional como “A Turma da Mônica”, “Chapolin”, “Geraldinho”, entre outros. Todos esses jogos não foram feitos do zero, mas sim, eram versões de títulos estrangeiros, geralmente, do gênero plataforma. Imaginar tal feito nos dias atuais é praticamente impossível, fazendo com que a conquista da Tec Toy seja um marco da indústria de games nacional.
Já na segunda metade dos anos 1990, as traduções para o português começaram a esfriar, ficando restritas a alguns jogos de PC como Legacy of Kain: Soul Reaver, de 1999. Nesse meio tempo, os jogadores tinham que se virar para tentar entender a história ou comprar revistas especializadas – lembrando que a internet naquela época era algo embrionário.
Essa falta de consideração pelo idioma português por parte de 99% das produtoras acaba sendo um empecilho na disseminação da cultura gamer local, impedindo, por exemplo, parte dos consumidores de jogar muitos RPGs da época. Podemos citar como exemplo Pokémon, no qual era possível empacar nas primeiras horas de jogo por simplesmente não entender que a bendita árvore precisa da habilidade “Cut” para tira-la do caminho.
Porém, o que para alguns era visto como um problema, para outros era uma oportunidade. Não é difícil encontrar um gamer de longa data que aprendeu inglês, espanhol, ou até mesmo japonês graças aos video games.
Do you speak portuguese?
Os anos foram passando e o Brasil foi ganhando ainda mais destaque no mercado de games latino. Eventos que atraem milhares de pessoas foram criados, como a Brasil Game Show, Campus Party e outras feiras locais, mostrando que nosso público tinha potencial.
Não faz muito tempo, lá pelo fim da sétima geração, em 2012, começamos a ter uma leva considerável de jogos com legendas e dublagem em português: Resident Evil 6 (um dos títulos mais esperados na época), Assassin’s Creed III, Far Cry 3, Saint Seiya: Sanctuary Battle e Journey foram alguns dos destaques daquele ano.
Foi uma verdadeira festa para os jogadores que não falam outro idioma. De lá para cá, lançar um jogo em nossa língua se tornou um requisito praticamente obrigatório. Tanto que as gigantes da indústria acabaram aderindo à nova moda, salvo algumas exceções como a Nintendo. A Ubisoft, Naughty Dog e Warner Bros. Games são algumas das empresas que se destacaram nesse quesito nos últimos anos.
“Diversos fatores contribuem pra a performance de vendas dos jogos e a localização é uma delas”
Entramos em contato com estas desenvolvedoras para saber mais sobre esse número cada vez maior de títulos em português. O resultado tem sido positivo, tornando a localização um item indispensável para os títulos lançados no Brasil, conforme explica Ismael Crivelli, gerente de produtos da Warner Bros. Games. “A localização faz parte do planejamento de desenvolvimento do jogo. Como o Brasil é um território importante para [nós], sempre que um jogo tem localização planejada, o nosso idioma está incluso”.
Ainda segundo Crivelli, todos os jogos da Warner atualmente são localizados para o nosso idioma, chegando a ser comum estúdios diversos trabalhando simultaneamente em games diferentes. Isso acaba tornando os games mais acessíveis em um país onde, segundo o IBGE, 7,2% da população acima de 15 anos de idade ou mais são analfabetos. Este número representa cerca de 11,8 milhões de brasileiros que ainda necessitam de materiais audiovisuais dublados.
Quando o assunto é falar uma segunda língua, os dados são ainda mais evidentes. Segundo o ranking feito pela instituição global Education First (EF), o Brasil amarga a 41ª posição dos países com proficiência na língua inglesa.
Quanto mais melhor
É sabido que o cenário da localização nacional de filmes é reconhecido e elogiado mundialmente. Porém, no caso dos games, ainda ocorrem alguns deslizes ao adaptar um jogo para o português. No caso das dublagens, algumas produtoras optaram por utilizar famosos que não possuem experiência ou formação de ator para realizar este tipo de trabalho, como foi o caso do músico Roger, em Battlefield Hardline, e da cantora Pitty, em Mortal Kombat X.
Já no caso das legendas, quem curte os games da Telltale já deve ter percebido algum erro gramatical ou de tradução, o que é até aceitável, mas algumas situações acabam se destacando. É o caso de The Walking Dead: A New Frontier, em que fomos apresentados pela primeira vez ao personagem Jesus, que já é conhecido dos quadrinhos e também na série de TV. O problema é que “Jesus” também é usado como uma expressão de espanto na língua inglesa, algo como “caramba” ou “minha nossa”, em português. É comum você ver na legenda o nome do personagem sendo trocado por essas palavras, algo que em certas situações acaba alterando o sentido da frase.
Em Grand Theft Auto V, entretanto, já vemos o contrário: as falas do jogo estão repletas de gírias que foram muito bem adaptadas na localização, incluindo as mensagens nos celulares dos personagens, falas, redes sociais do game e NPCs, simplesmente tudo foi adaptado para os jargões nacionais deixando a experiência mais divertida e proveitosa.
Mesmo que alguns erros aconteçam, as produtoras sempre ficam de olho nas críticas dadas pelos fãs, como no caso da Warner. Segundo Ismael, a empresa acompanha de perto a resposta da comunidade, elencando as principais críticas construtivas e sugestões para garantir a melhoria contínua no processo de localização. “Um exemplo foi a escolha do dublador de Batman em Injustice 2, que foi feita levando em consideração o feedback dos fãs”.
A tendência é que os estúdios de dublagem brasileiros fiquem cada vez mais especializados em games. E quem sabe um dia, nosso país possa ser tão aclamado em suas localizações nos jogos quanto é nos filmes. Para esta reportagem, entramos em contato com as produtoras citadas para coletar mais informações sobre dublagem de jogos no Brasil, porém, além do retorno da Warner, somente a Capcom nos respondeu, informando não possuir um porta-voz para falar sobre o assunto. Ubisoft, Sony, Rockstar Games e Bandai Namco não se pronunciaram.