Era início dos anos 1990, e tudo o que eu mais queria era chegar em casa para jogar o port para o NES de Teenage Mutant Ninja Turtles: The Arcade Game, até hoje um dos meus beat’em ups favoritos. A diversão ficava ainda maior quando meu pai decidia jogar comigo, e a gente trocava os bonecos de Comandos em Ação ou as lutas de espada pelo que, na época, era apenas outro brinquedo.
Avance rapidamente para 2016, mais ou menos 25 anos depois. Estou em um dos shoppings mais caros de Curitiba, onde moro e tinha uma reunião marcada. E então, logo na entrada, dou de cara com Lightning, a personagem de Final Fantasy. Não, não era uma cosplayer nem algum tipo de propaganda de loja de games, com promoções e personagens aleatórios impressos em papelão. Ela está posando para foto, e segura uma bolsa da Louis Vuitton, uma das grifes mais conceituadas do mundo.
Tive que voltar para ver se era isso mesmo. A personagem estava no maior de três displays que propagandeavam a loja para quem estava de fora, e o único voltado para a rua, já que o segundo era ocultado por um carro de segurança e o terceiro ficava virado para a entrada do shopping. Em uma cidade quadrada e antiquada como Curitiba, em pleno Brasil, tínhamos uma personagem de video game no posto central de propaganda de um dos centros comerciais mais grã-finos da cidade. Merecia uma foto. Eu não fui o primeiro a fazer isso.
Além de um rostinho bonito
Lightning é a estrela da SERIES 4, a coleção primavera-verão 2016 da Louis Vuitton, que traz o tema da heroína. Ela aparece ao lado de modelos reais, vestidas com forte inspiração japonesa, e passa, pelas mãos do designer Nicolas Ghesquière, a ideia de que toda mulher é um ícone, com sua força, imaginação e relevância no mundo moderno. E da mesma forma que os conceitos da personagem foram trazidos para o mundo real, as bolsas da linha também aparecem em um trailer produzido pela própria Square Enix.
Mais do que tudo isso, claro, trata-se de um esforço da marca para se desprender do tradicionalismo e se adequar aos novos tempos. Estamos, aqui, falando de acessórios que custam, no mínimo, alguns bons mil reais nas opções mais em conta, e que dificilmente atingiam os jovens, não apenas por causa do valor, mas também do tradicionalismo. Essa não é simplesmente uma grife que eles utilizam.
O uso dos games como um artifício para mudar isso, então, acaba sendo essencial. Com a campanha de marketing em cima da SERIES 4, a Louis Vuitton não apenas atrai a atenção até mesmo de quem nunca pensou em ser seu cliente, mas também os reconhece. É uma grande marca, uma das maiores e mais conceituadas do mundo, mostrando aquilo que a gente já sabe há muito tempo – video game é coisa de gente grande.
https://www.youtube.com/watch?v=ImWljqM8kG8
E se, para você, estamos falando aqui de dois universos opostos, é melhor pensar novamente. “A moda não é distante de nada”, afirma Jaqueline Carvalho, editora do site especializado Rêve de Mode. “Ela é interdisciplinar e várias vezes se apropria de outros conteúdos para causar esse alvoroço.” Para ela, a Louis Vuitton é não apenas uma das marcas mais tradicionais do mercado, mas também uma referência, e é bem possível que a presença de Lightning na SERIES 4 acabe abrindo um precedente para que outras grifes façam o mesmo.
Falar sobre o quanto a indústria dos jogos cresceu, para nós, que fazemos parte dela, seja como produtores de conteúdo ou consumidores, é chover no molhado. Todo mundo sabe que, hoje, tem muito jogo com orçamento de produção semelhante ao do cinema e faturamento igual ou maior. Tem também espaço para propostas menores, aos moldes do “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.
E cada um de nós contribuiu para isso. Tenha você começado a jogar video game apenas no ano passado, ou se faz isso desde que se conhece com gente, foi o nosso esforço, dinheiro e, acima de tudo, amor, que levou a tudo isso. É como eu sempre digo em textos desse tipo por aqui: se ainda não estamos muito bem hoje, pelo menos, estamos melhores do que ontem. E é animador pensar que a realidade de hoje é inferior à de amanhã.
Não importa o quanto a gente tente se separar, seja por consoles, preferências, opiniões políticas ou simples picuinhas. Tenha você escolhido um PC, um Wii U, Xbox One ou PlayStation 4, odeie o seu amiguinho por ter um aparelho diferente em casa ou não. Trabalhe com isso, seja um casual ou um hardcore, não importa. Você pode até mesmo nunca ter jogado nenhum Final Fantasy, mas não tem como não sentir uma sensação de pertencimento diante de notícias como essa. Se Lightning hoje é modelo da Louis Vuitton, é porque cada um de nós contribuiu para isso.